Lendo mulheres: a literatura de autoria feminina nas salas de aula
formação leitora, ensino de literatura, literatura de autoria feminina, literaturas e identidades
Escola Municipal Campestre Norte
Teresina/PI
Aqui estou eu sentada fazendo o meu relato de prática e duas lembranças me vêm à cabeça: primeiro, uma frase: "O caminho é mais importante que a caminhada"; a segunda foram as frases que eu ouvi dos meus alunos do 5º ano: "Oficinas de poesia? Tô fora! Não sou romântico!", escutei de imediato. "Professora, isso não vai dar certo, eu não sei falar de amor", disse outro. Nossa! A minha primeira sensação foi de frustração. Será que eu conseguiria despertar naquelas cabecinhas o gosto pelo gênero?
Quando ia abrir minha boca para respondê-los, uma aluna lá atrás diz em voz alta: "Professora, adorei a ideia, amo poesia!". Todos os alunos se viraram para ela, e a mesma vendo o impacto que causou a sua opinião, retrucou: "Oxe! E o que é que tem? Vocês nem imaginam o tanto que é bom ler poesia!". Aproveitei a oportunidade e disse: "Poema é um gênero lindo de se ler e gostoso de escrever. Vocês não querem me dar uma chance? Deixem-me provar para vocês que poesia é melhor do que comer chocolate". Pronto! Começaram os risinhos e a gritaria: "Claro que não!", "A professora pensa que engana a gente!". Completei: "Quero uma chance! As oficinas começam amanhã e eu também vou trazer chocolate".
E assim firmei o acordo. Quando saí da sala deles, corri para o mercadinho próximo e comprei duas caixas de chocolate. Provar para eles que poesia era melhor era questão de honra. Nessa hora me veio uma frase de Drummond: "O jardim, convite à preguiça, exige trabalho constante".
Aquela turma seria o meu jardim e daria o meu melhor para brotar as mais lindas flores.
Finalmente comecei a primeira oficina, lendo o poema "Meu canto", da minha ex-aluna finalista da 4ª edição da Olimpíada, em 2014. Depois que eu terminei de ler, perguntei para o aluno que disse não saber falar de amor: "E então, Nataniel? O que você me disse mesmo sobre a poesia só falar de amor?". Veio o silencio e eu continuei: "Vocês sabem quem fez esse texto?". Mais uma vez silencio. Pedi licença e fui até a sala dos professores onde a aluna Daniely Viveiros, a autora do poema, me aguardava. Voltei para a sala com ela e disse: "Essa foi a autora do poema que eu acabei de ler para vocês". "Professora, mas ela foi aluna daqui, não pode ter sido ela", disse um aluno. Na mesma hora, respondi: "E por que não pode ter sido ela? Ela foi uma aluna como vocês, que participou dessas oficinas e foi até a final da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Eu a convidei para que ela possa relatar para vocês a sua experiência na Olimpíada e para mostrar que se ela conseguiu, qualquer um de vocês pode conseguir também".
Danielly relatou a sua experiência de uma forma única, que despertou o brilho nos olhinhos dos meus alunos e nos meus também. Naquele momento pude perceber que a Olimpíada para uma aluna de zona rural, como era o caso da Dany, foi mais que aprendizado, foram dias de sonhos. Logo após, mostrei o vídeo do material da Olímpiada para os alunos, para que eles tentassem se imaginar vivendo aqueles momentos que Danielly relatou. A concentração foi tão grande assistindo ao vídeo que pensei: "Consegui! Plantei a sementinha do ‘querer’ na cabeça deles". Quando terminou o vídeo coloquei as duas caixas de chocolate sobre a mesa e disse: "A aula terminou e cabe a vocês a decisão. Querem entrar comigo no mundo dos versos e estrofes? Todos haviam gostado da aula! Fiquei eufórica, porque eu consegui despertar a vontade deles em continuar e também porque íamos comer os chocolates (Esqueceu? Eu sou chocólatra!).
Tentei fazer aulas lúdicas e dinâmicas. O material enviado pela Olimpíada foi peça primordial para a realização destas e a cada aula eu conseguia ver o amadurecimento das produções dos estudantes. De todas as oficinas que já mediei das edições passadas, acredito que esta foi a que me trouxe mais resultados positivos. Creio eu que pelo fato do material da Olimpíada ter chegado até mim na data programada. E também pelos alunos que superaram as minhas expectativas. Definitivamente a primeira impressão não é a que fica.
Sempre começava e terminava cada oficina com a leitura de um texto finalista da Olimpíada. Era sem dúvida o momento mais aguardado por eles: "Professora, de qual lugar será o texto de hoje?", "Professora, onde é essa cidade?", "Amei esse lugar do poema, professora", "Nossa, que lugar triste de viver".
Juntos também fizemos um tour pelas quadras de Fernando Pessoa e pelos lugares de Mario Quintana, Casimiro de Abreu e Carlos Drummond de Andrade, e a cada texto lido e trabalhado eles comparavam com a sua realidade e com o local onde eles moravam. Os primeiros versos surgiam ali. Entre erros e acertos, dúvidas e incertezas, meus meninos iam escrevendo e achando graça, se divertindo, em um jogo chamado rimas. Afinal, "os erros são os portais da descoberta"*.
As escritas começaram de forma lenta.
Levei para as oficinas fotos do local onde eles viviam. Cada uma delas era um momento de reflexão. Com a ajuda do material da Olimpíada, pude fazê-los observar fatores como som, cheiro e sensações.
Para cada foto que eu levava, eles faziam uma estrofe. De pedacinho a pedacinho os textos iam tomando formas.
Vários pontos foram frisados enfaticamente, dentre eles estava a importância de se fazer um bom título para os poemas que seriam escritos. Por isso, quando finalmente passamos para o momento da escrita final do poema, um título me chamou a atenção: “Canavial imaculado”. Era assim que iniciava o poema daquela aluna que disse na turma amar poesias. Fui até ela e perguntei: "Marielli, porque você colocou este título no seu poema?". A aluna respondeu: "Sabe, professora, eu sempre rezo para a Nossa Senhora Imaculada quando quero muito conseguir uma coisa. E antes de fazer esse poema pedi a ela que me desse a oportunidade de meu texto ser escolhido pela escola. Quando terminei de rezar, peguei o dicionário e procurei o significado de ‘imaculada’ e vi que quer dizer ‘algo puro’, ‘sem manchas’. Tem muito a ver com o nosso canavial. Por isso batizei o meu poema com esse nome. As palavras de Marielli me comoveram.
É gratificante para um professor quando este percebe que foi um mediador para que seus alunos entendessem a importância de se alcançar um objetivo.
Nataniel, o aluno que não sabia falar de amor, me entregou o seu poema. Uma de suas estrofes me fez rir de satisfação: "E eu que sempre achei / Que palavras bonitas não sabia usar / Consegui terminar os versos / Falando do meu lugar".
E no final, na Etapa Escolar, a aluna que amava poesia e rezou para santinha Imaculada para poder ser classificada teve seu texto escolhido.
O que desejo à Marielli? Mais uma vez vou usar uma frase de Drummond: "Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas com tamanha intensidade que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata".
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*Trecho de Ulisses, de James Joyce.
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