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sua prática / relatos de prática

Pescaria literária

Irani dos Santos Carvalho

08 de agosto de 2023

EE Padre Gaspar Lourenço

São Cristóvão/SE

 

A turma do 6º ano era composta por 38 alunos. Dentre eles, pelo menos 30 eram filhos de pescadores. É do manguezal localizado em torno da escola que a maioria das famílias tira o seu sustento. Quando os nossos alunos não estão na sala de aula, os mesmos podem ser encontrados no mangue ajudando os seus pais. Pescam feito gente grande, pois o convívio com a maré começou ainda muito cedo quando eram carregados pelos braços cansados de suas mães. Os mariscos foram literalmente os seus primeiros brinquedos. 

Na segunda semana de aula, convidei o aluno Júlio Sérgio, do 8º ano, semifinalista da 4ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, na categoria poema, para uma roda de conversa. Foi a partir daí que comecei a falar sobre o que era a Olimpíada e como seriam desenvolvidas as oficinas ao longo do ano letivo de 2016. Os relatos das experiências vividas por Júlio, no ano de 2014, despertaram naqueles meninos e meninas um imenso desejo de vivenciar algo diferente de tudo aquilo que estavam acostumados.

Mesmo que inconscientemente, eles vislumbravam a possibilidade de um futuro mais promissor por meio da literatura. À medida que conhecia a turma, percebia o quanto de poesia havia na história de cada uma daquelas crianças. 

As oficinas iniciaram-se e fiquei surpresa com a empolgação dos alunos. Muitos deles já estavam familiarizados com o gênero, pois professora do 5º ano havia feito um excelente trabalho. O livro "111 Poemas para Crianças", de Sérgio Capparelli, encontrado na biblioteca da escola, virou o xodó da turma. O poema preferido das meninas era "Fico cheio de tremeliques". Todas queriam declamá-lo. Cada vez que uma menina lia o texto, os meninos ficavam todos ouriçados e começava um zum zum zum que ecoava por toda a sala. Logo entendi que estava no caminho certo e que o trabalho renderia bons frutos. 


A primeira tarefa a ser cumprida era fazê-los entender a diferença entre poema e poesia. Expliquei-lhes, de forma bastante simples, que o poema é um texto e que a poesia era toda aquela emoção que eles expressavam quando falavam dos mariscos que pescavam, de como eram divertidas as brincadeiras e os banhos de maré. Disse-lhes ainda que o poema é uma obra de arte escrita pelo poeta e que a poesia pode estar dentro do poema, como também num filme, numa cena de novela, no sorriso de uma criança, etc.
A oficina de rimas foi muito divertida de trabalhar. Para facilitar o aprendizado, levei literatura de cordel para a sala de aula, tão presente em nossa cultura nordestina. A identificação com esse tipo de poesia popular foi imediata. Para os alunos, o poema só é bom se tiver rimas, então levei um tempinho para desconstruir essa ideia.
 

Não foi fácil convencê-los de que existem outros elementos importantes no texto poético, além da rima. Na aula seguinte, foi a vez de falar sobre as figuras de linguagem. O poema "O leão", de Vinicius de Moraes, caiu como uma luva, pois reunia num só texto a comparação e a metáfora.

Lembro-me perfeitamente de como a turma reagiu de maneira positiva ao tema da Olimpíada. De imediato, um aluno sugeriu que fizéssemos um passeio pela comunidade onde eles moravam. Todos adoraram a ideia. Achei interessante quando uma aluna disse que, se eu quisesse aprender a pescar, ela me ensinaria. Respondi que a nossa pescaria seria "literária". O seu olhar de interrogação exigia de mim uma explicação mais plausível. Juntos, começamos a traçar o roteiro do nosso passeio: para onde iríamos? Com quem conversaríamos? De quem seria a casa que visitaríamos? Qual seria nossa parada para o lanche? 

A maneira como aqueles alunos se identificaram com a comunidade onde vivem é impressionante! Apesar de tantas dificuldades, eles tinham orgulho do seu lugar. Eu tinha a plena certeza de que quando todo aquele pertencimento fosse poeticamente traduzido para o papel, textos maravilhosos seriam escritos. 

Finalmente, chegava a hora mais esperada por mim e pelos alunos: a produção do texto. Estávamos todos ansiosos. Em meio a tantas escritas e reescritas, o poema da aluna Jucimara me chamou atenção. O texto intitulado "Vida de Pescador", inspirado no seu pai, não era somente um poema, traduzia fielmente a vida sofrida da sua gente. O texto era tão bom, que os próprios colegas da turma ficaram encantados. Quando Juci, como é carinhosamente chamada, declamou o seu poema, a emoção tomou conta de todos e ela foi aplaudida de pé. 

Escolhido por unanimidade, "Vida de pescador" representaria a nossa escola nas etapas seguintes. Quando chegou o resultado da Etapa Estadual, foi uma festa na escola e na comunidade. Todos se uniram com um único objetivo: torcer para que Juci fosse uma das finalistas da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro.

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