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sua prática / relatos de prática

Relatos de Prática Vencedor 2014 - Profª Vanicléia de Oliveira Sousa Rebelo

08 de agosto de 2023

 

Pelos caminhos do aprendizado

Vanicléia de Oliveira Sousa Rebelo
Colégio Estadual Dr. Duílio Trevisani Beltrão
Tamboara/PR

 

Quis Fernando Sabino escrever uma crônica como sendo a última. Assim também eu busco agora inspiração para escrever este, que será meu último relato para a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Gostaria de estar inspirada para produzir mais que um mero relato. Queria que fosse uma espécie de confissão, carta de agradecimento, despedida. Sei que direi muitas coisas, porém sobrarão palavras. O resumo do que quero expressar é: reconhecimento, gratidão. São esses os motivos pelos quais escrevo.

Se percorrer os caminhos do aprendizado é difícil, bem mais desafiador é trilhar os caminhos do ensinar. Há sempre muitas encruzilhadas, placas de advertência, inúmeras possibilidades para escolhas. Leciono há 20 anos e nessa caminhada, tropecei bastante e, às vezes, percebi que não estava no rumo certo. O melhor de tudo é que nunca tive medo de voltar atrás e recomeçar, pois acredito que ensinar é, sobretudo, aprender.

Em 2008, conheci algo que mudaria essa situação, que me daria um norte, um rumo a seguir. Estou falando da metodologia aplicada nos Cadernos da Olimpíada. É claro que já tinha ouvido falar de sequência didática e da importância do trabalho com os gêneros discursivos, contudo, na prática, não sabia como desenvolvê-los. Foi através desses materiais que comecei a entender e direcionar melhor minha ação pedagógica.

Neste ano, me inscrevi em crônicas. Sabia o peso do desafio que teria pela frente. Dentre as quatro categorias propostas, acho essa a mais complicada, por considerar que esse gênero não pode ser definido com exatidão por causa dos vários tons que pode ter: poético, humorado, crítico e também porque, em virtude disso, varia sua função social: entreter, emocionar, informar, provocar sensações, reflexões.

A crônica realmente oferece espaço para a criatividade e permite que os alunos façam uso do real e do imaginário, do fato e do literário e, tudo isso, não é simples de ser ensinado, nem de ser aprendido. Mas desafio é desafio! Fui à luta com meus alunos do 9º ano. O primeiro passo foi seduzi-los sobre a importância da participação no projeto e desde o início souberam que os textos que produziriam teriam uma função social e chegaria até seus interlocutores.

Na Oficina 1 foram acordados alguns pontos para que houvesse sucesso na aplicação da sequência didática e estudamos "A última crônica", de Fernando Sabino. Fizemos a audição do texto através do CD e lemos em voz alta. Levei também um vídeo. O envolvimento nas discussões foi surpreendente.

Para aula seguinte pedi que lessem várias crônicas, escolhessem uma e a trouxessem para ser compartilhada com os colegas de sala. Sugeri alguns autores. Fiquei feliz com os resultados. Trouxeram até crônicas de escritores consagrados que não estavam entre os indicados. Porém, houve quem tivesse dificuldades na realização da tarefa e apareceram textos que não eram crônicas. Não me dei por vencida! Essa se tornou uma excelente oportunidade de falar um pouco mais das características do gênero.

Chegada a hora da produção inicial a ansiedade e insegurança tomaram conta de todos. Tentei encorajá-los explicando que aquela seria apenas a primeira escrita e que aprenderiam mais nas outras oficinas e que o texto produzido naquele dia ainda seria aprimorado. Na leitura das produções notei que as escolhas quanto ao tom das crônicas foram bem variadas. Ninguém fugiu ao tema proposto, mas por outro lado, muitos textos eram relatos, outros se assemelhavam a textos de memórias e alguns, eram apenas textos de opinião.

Começava então a jornada mais longa da sequência didática. Estava dada a largada rumo ao desafio de trabalhar com os problemas apresentados nas produções iniciais. Dividi esse trabalho assim: primeiro trabalhei questões sobre o conteúdo temático. Fizemos diversas leituras, atividades de compreensão e interpretação e discussão oral. Depois trabalhamos a estrutura composicional e as marcas linguístico-discursivas do gênero. Estudamos os tipos de discurso, o foco narrativo e figuras de linguagem.

É verdade que existiram percalços nessa trajetória. Ouvi várias vezes alunos reclamarem de tantas leituras e escritas. Nesses momentos explicava que o resultado de tanto trabalho viria e que poderiam verificar isso através dos textos que produziriam. Já estava se aproximando o momento da escrita final. Pedi que lançassem um olhar mais apurado para os fatos, lugares, pessoas que faziam parte da rotina de cada um, pois teriam a chance de reescrever a primeira crônica, ou se preferissem, poderiam escrever outra, caso tivessem tido uma ideia melhor.

E assim fizemos. Revisamos todo conteúdo trabalhado. Apresentei novamente o contexto de produção. Um aluno observou: "Professora, nunca vi a turma tão quieta e compenetrada em uma atividade". Estava me sentindo realizada por isso, fiquei mais ainda, ao ler os textos produzidos. Uns eram poéticos, outros críticos, engraçados e todos tinham como paisagem de fundo os encantos e a simplicidade desse nosso lugar.

Mas o percurso da árdua trajetória não tinha sido concluído. Era necessário um pouco mais de fôlego para prosseguir. Considerei que os textos precisavam de mais um aprimoramento para que se aproximassem mais dos modelos que circulam na sociedade. Decidi que essa etapa seria realizada de forma mais individualizada. Orientei cada aluno sobre o que ainda poderia ser melhorado em suas produções.

Todos esses dias de luta, esforço, dedicação, leitura, escrita e reescrita me fizeram lembrar das palavras de Irandé Antunes: “A maturidade na atividade de escrever textos adequados e relevantes se faz assim, e é uma conquista inteiramente possível a todos - mas é ‘uma conquista’, ‘uma aquisição’, isto é, não acontece gratuitamente, por acaso, sem ensino, sem esforço, sem persistência. Supõe orientação, vontade, determinação, exercício, prática, tentativas (com rasuras, inclusive!), aprendizagem. Exige tempo, afinal. (ANTUNES, 2003, p. 60).

Quando fui até a casa de minha aluna para tratar assuntos da viagem não pude segurar minha emoção. No percurso que fiz pela PR 158, Km 92, pela Estrada Santa Clara até chegar ao Sítio Santa Luzia onde ela mora, pude perceber o quanto tudo que trabalhei tinha valido a pena. A crônica produzida por ela é de uma beleza, sutileza, delicadeza e riqueza de detalhes que emociona. "Pelos caminhos da vida" é um retrato fiel do lugar, pessoas e fatos que Mainara vive em sua rotina de ir e vir pelos caminhos que a levam até o portão de nossa escola.

Os resultados são tantos que não cabem aqui. Esse trabalho nos proporcionou a chance de repensar a importância da leitura e escrita. Para mim, um novo jeito de ensinar. Para os alunos, um novo jeito de aprender. Seria ingênuo pensar que com essa participação se resolveriam todos os problemas de aprendizagem, porque o aprendizado de um gênero não implica no domínio de todos, mas o que se buscou foi a descoberta de novos caminhos que de fato levem os alunos a ampliar seus conhecimentos, bem como sua participação social.

 

*ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

 

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