Lendo mulheres: a literatura de autoria feminina nas salas de aula
literatura de autoria feminina, literaturas e identidades, formação leitora, ensino de literatura
Professor: artista de muitos palcos
São muitos os fatores que colaboram para o sucesso dos textos dos alunos. Acredito que o primeiro deles seja a determinação do próprio aluno a escrever. Depois, o professor deve mediar as produções, como quem inventa uma receita culinária, adicionando esse ou aquele ingrediente a fim de que o alimento adquira o melhor sabor possível.
Ao iniciar o trabalho com crônicas para a Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, fiquei preocupada, pois li relatos frios que não saíam do lugar comum. Os alunos resistiam ao tema, dizendo "Sobre Areado, professora? Escrever o quê?". O que fazer para mexer com a inteligência emocional dos alunos? Não descartei o texto preliminar, disse apenas que precisaríamos "temperá-lo" para que ele fosse capaz de tocar o coração do leitor. Ainda brinquei: "A primeira leitora serei eu e vocês sabem que têm uma professora manteiga derretida".
Ofereci aos alunos textos referenciais. Lemos sobre a importância das figuras de linguagem; degustamos os textos vencedores nas edições anteriores da Olimpíada e as crônicas sugeridas no Caderno do Professor. Enfim, saboreamos demais esse gênero que consegue extrair o "paladar" do circunstancial.
Depois de explorarmos o material selecionado, propus a primeira refacção dos textos, o que me custou muitas horas sem dormir. Trabalho com aproximadamente 170 alunos e não consigo devolver um texto sem fazer a correção e sugerir algum ingrediente, pois lembro bem do dissabor que sentia quando um professor me entregava um trabalho ou redação com nota, mas sem correções ou comentários. Sentia-me estacionada no mesmo lugar. É preciso ler os textos que chegam às nossas mãos e não foram raras as vezes em que alunos me pediram socorro através deles.
Com a refacção, notei que algumas produções estavam melhores, mas não à altura de concorrerem em uma olimpíada. Então, li para a turma o texto "O indizível: a luta pela expressão", de Antônio Soares Amora, a fim de que compreendessem o quão necessário era escolher a melhor palavra para compartilhar percepções e sentimentos com os leitores. Um ou outro aluno correspondeu a essa proposta. Fiquei frustrada. Era hora do plano B!
Escolhi um texto produzido por um aluno em outra ocasião e o reproduzi fielmente, sem revelar o autor. Preparei cópias em quantidade para todos e, juntos, com demonstração na lousa, o aprimoramos. Usei, antes, um texto do caderno "A ocasião faz o escritor", aprimorado coletivamente, cujo título anterior era "Samba no pé" e, depois, tornou-se "A levada do meu samba vai te enlouquecer". Foi quando tive a certeza de que a leitura caprichada e o assunto atraente provocariam maior interesse nos alunos. Não esqueço o olhar de Brenda, aluna do 9º ano. Ela fora fisgada e quando terminei de ler, pareceu ter saído de um transe! Varri a sala com um olhar e vi que a turma estava animada. Fiquei animada também! Antes de propor a segunda reescrita, li a crônica "A volta do filho pródigo", de Moacyr Scliar - que, aliás, também foi muito apreciada. Depois, indiquei mais uma fonte possível para a produção do texto: o jornal de nossa cidade, "Folha Areadense".
Contei-lhes episódios da minha infância: como fui alfabetizada aos oito anos por meu pai, que escrevia o alfabeto com talos de plantas no chão de cimento grosso da tapera onde morávamos; do dia em que minhas pernas mais tremeram porque tive de esperar uma cobra atravessar a estrada, quando eu ia à casa da dona Rita, uma vizinha, buscar café emprestado porque chegara visita, de surpresa, em nossa casa. Essa estratégia foi muito bem acolhida. Era eu entrar na sala e alguém pedia "Professora, depois você conta mais uma história?". Ali nasceu o projeto "Minha vida", "filho" da Olimpíada de Língua Portuguesa: um livro autobiográfico relatando episódios marcantes de nossas vidas. A culminância do trabalho será dia 5 de dezembro, com a exposição das autobiografias para a comunidade escolar.
Ao acessar o material indicado como subsídio para a produção do relato de prática, fiquei emocionada, pois encontrei justamente algo parecido com o que fiz: "Relato: jogo entre presente, passado e futuro", de Norma Sandra de Almeida Ferreira e Lilian Lopes Martin da Silva, publicado na revista Na Ponta do Lápis, nº 19. Isso me deu mais segurança para compartilhar minha experiência. Relatar tais experiências aos alunos contribuiu para nos aproximar. Eles perceberam que - lembrando Paulo Freire – a professora é gente.
Finalmente, aconteceu a escrita da última versão da crônica. Cada aluno ofereceu tudo o que tinha para a produção. Os textos foram revisados e entregues à especialista que, por sua vez, selecionou quatro deles. Uma das produções proporcionou mais sabor. Mexeu com a emoção dos integrantes das comissões; fez-me experimentar o sal da lágrima teimosa que escorre em minha face cada vez que a leio, consequência da doçura captada e transcrita em palavras pelo jovem André, que descobriu o que falar de Areado.
Estamos na semifinal da Olimpíada de Língua Portuguesa. Atinjo o grau mais elevado da vida de um professor: desço do palco e assisto ao show que um aluno pode dar se notar um trabalho realizado com amor. E, na minha ousadia de aprendiz de professora, peço permissão a Camões para falar do ofício de professor: "Ser professor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer".
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