Lendo mulheres: a literatura de autoria feminina nas salas de aula
literaturas e identidades, formação leitora, literatura de autoria feminina, ensino de literatura
Da arte de amassar palavras e peneirar sentidos
O que queres que te contes das coisas todas que fiz? Os perrengues pelos quais passei? As marolas que deveras sondas? Ou a poesia que desponta no rabisco do lápis à mão? Nas quatro edições da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro foram muitas descobertas e aprendizados. Convicções caíram por terra, novas formas de mediar a aprendizagem foram construídas, mas a cada ano mudam-se os personagens e nesse cenário, a experiência, por vezes, é um ás na manga; outras, um calo no pé.
Antes mesmo das aulas começarem, lancei-me à tarefa de rascunhar o trajeto no planejamento: "é tempo de poetizar e poemar" e me fortalecer para a reticente tarefa, pois como diz Werneck "não tem cabimento dizer o novo com palavras velhas".
Abasteci-me de leitura: poemas, música, contos. Costurei nas lacunas do planejamento, informações buscadas na publicação "O que nos dizem os textos dos alunos?", em relatos e textos vencedores. Preparei materiais: filmes, áudios, livros. Ouvi a voz senhoril da experiência que me rezava seus mandamentos: "devagar com o andor, que o santo é de barro".
No primeiro encontro, incertezas. Recebi meus alunos falando sobre os caminhos percorridos pela escola nas edições anteriores da Olimpíada e quis saber se já conheciam poemas e o Programa. E com fios de ansiedade bordei a proposta de 2014. Aproveitei para dizer o quanto eu acreditava neles e afirmar que estava ali para ajudá-los.
Mas como fazer isso? Refiz o trajeto dos anos anteriores, utilizando as estratégias que deram certo. Preparei uma roda de poemas para checar o nível de leitura da turma. A timidez, o livro no rosto e a voz quase inaudível denunciavam a situação; apenas alguns leram em voz alta. Detectei que havia alunos que não estavam alfabetizados (apresentavam uma hipótese silábico-alfabética de escrita). Quando propus que escrevessem um poema, o resultado não poderia ser mais preocupante: vieram resquícios de histórias mal acordadas, recortes da pouca experiência literária.
Pensei: “O que priorizar? Quem nunca comeu melado, quando come se lambuza". Lambuzá-los com poesia era preciso. E qual doce melhor para isso do que os livros? A poesia foi brotando e as brumas do "não sei fazer poema" foram dissipando-se à medida que os estudantes traziam seus textos e os colocávamos no mural. E fui lendo poemas, anotando e sistematizando conceitos na lousa, por meio de mapas conceituais, e procurava facilitar o aprendizado fazendo exercícios no caderno.
Se com sete paus se faz uma canoa, o que dizer de Lalau e Laurabeatriz, Elias José, Otávio Roth, Cecília Meireles, Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes e outros? Queria que se apaixonassem pela poesia degustando sons, ouvindo cheiros; sentindo tons e sentido.
Pedi que pesquisassem a biografia desses autores e que as apresentassem em acrósticos. "Joguei verde e colhi maduro" e assim driblei o famigerado "ctrl+c/ctrl+v". Penso que o ensino de língua não deve desvencilhar-se da gramática, mas percebê-la como arquitetura elementar da língua. Exemplo disso eram as abordagens semânticas de diminutivos e advérbios; da relação ortografia e trava-línguas; da relação fonemas, aliteração e assonância; sintaxe e paralelismo; das ações verbais em “Três coisinhas à toa”...
Um poema pode ser uma obra de arte, mas dá trabalho para fazer, porque é artesanal, pensado e repensado até chegar ao ponto. Exemplo disso foi a proposta com quadrinhas. Foi difícil fazer com que os alunos organizassem ideias, rimas e ritmo em quadras.
Precisei me reinventar. O que fazer? Cantamos cantigas de roda, batendo palmas para que percebessem o ritmo. Em seguida, eles as registravam nos cadernos. Pedi que criassem quadras a partir de temas regionais. Mas aí foi que vi a "porca torcer o rabo".
Cadê ritmo? Cadê poesia? Nessa etapa foi importante desbravar os mares virtuais do Poeco. Depois de vários problemas com a internet, conseguimos baixar os jogos. As crianças divertiram-se com as atividades, trocaram ideias, uma ensinava a outra. E, finalmente, aprenderam a ver o essencial da quadrinha. Ufa!
Ao abordar as figuras de linguagem estudamos poemas como: "Azul", "O leão", "Caixa mágica de surpresas". Se "santo de casa não faz milagre" não sei, mas provérbios populares e músicas regionais como “Pérola azulada”, “Igarapé das Mulheres”, “Tarumã” foram importantes para ensinar os alunos a identificarem e entrelaçarem figuras de linguagem ao sentimento de pertencimento e orgulho do lugar.
Para abordar aliteração e assonância lemos “Cantiga do vento”, de Elias José, e “Bolhas”, de Cecília Meireles. Os alunos percebiam os sons e aprenderam que a palavra bruta, para virar poesia, precisa ser sentida, vivida, peneirada. Cheguei à conclusão de que "o costume do cachimbo deixa a boca torta" e para fugir disso era preciso levá-los a sentir outra realidade, além daquela do dia a dia das pontes onde muitos moram.
E como "uma andorinha só não faz verão", a diretoria da escola entrou na roda, oportunizando-nos a visita a pontos históricos e turísticos da cidade. Foi "o pulo do gato"! Descobri que muitos nunca tinham visitado esses lugares. O encontro com o grande rio, a sensação de liberdade no alto da Fortaleza e pisar, ao mesmo tempo, nos dois hemisférios despertaram-nos para a arte de poetizar. Quando me lembro do passeio, a frase dita por um aluno me vem à cabeça: "Olha a força da nossa terra, professora, brotando dessa árvore". Era poesia! Na sala de aula, estimulei-os a registrarem essas sensações e emoções. E nos pusemos à arte de amassar a palavra como se prepara o açaí à mão: pondo de molho, amassando, peneirando, pondo água, separando o caroço do bagaço, até sair o vinho grosso, o poema, pujante, tinto de poesia.
Foi quando uma aluna, num tom inquisidor, perguntou-me: "Professora, por que temos que fazer poema?" Só então percebi a necessidade de reforçar a situação comunicativa; de fazê-los perceber que se escreve para aflorar a sensibilidade, perceber o outro, o eu, o mundo por meio de imagens poéticas.
E poemas vieram, escritos à mão, vestidos de imagens e sons, mas desajeitados; alguns embaralhados, maltrapilhos. Nem todos sabiam organizar o plano global e o ritmo. Após digitarem os textos, no aprimoramento fui mostrando, por meio da revisão do editor de texto - uma mão na roda - o que ainda precisava. Penso que na próxima vez precisarei dedicar um tempo especial para essa questão. E assim os rascunhos foram peneirados: papéis tornaram-se bolas; rabiscos, versos; ideias banharam-se de sentidos, ritmo e fortaleceram o orgulho sobre o lugar.
Ao final, uma boa surpresa: estudantes repetentes superaram-se! Apatia e indisciplina perderam espaço para a concentração e leitura. Percebi que "o pulo do gato" muitas vezes está em nós, na arte de fazer o "clic" para a aprendizagem. É tempo de "pôr a mão na massa"! Ao ensinar a aprender, precisamos nos reinventar, aprender, desfazer nós, construir escadas. A sala de aula é palco de transformações. Mas a ciranda da leitura e da escrita precisa ser valorizada para que liberte o aluno das amarras do iletrismo, como diz o professor Joaquim Dolz.
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