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ERGUENDO A VOZ: o podcast em sala de aula

ERGUENDO A VOZ: o podcast em sala de aula

texto - Talita Zanatta; ilustração - Valentina Fraiz

01 de novembro de 2022

Sonhar um sonho tão bonito

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Sou professora de Língua Portuguesa da Rede Municipal de São Paulo do Ensino Fundamental II. Este ano estou com as turmas de 6º e 7º ano da minha escola. Nas minhas ações pedagógicas sempre busco aproximar o conteúdo das experiências vividas por estudantes, mas também tenho o desejo de fazê-las(os) se encantarem por aquilo que não conhecem. Esse encantamento pode vir de todos os lados – pela escrita, pela leitura, pela descoberta de uma nova palavra, por um vídeo, por uma música, tanto faz.

Foi neste caminho entre o fazer sentido e o encantar que me encontrei pensando sobre qual seria o primeiro trabalho de produção escrita que proporia às(aos) estudantes do 7º ano nesse retorno à escola em 2022. Junto ao planejamento, pensava também em como trabalhar a oralidade em sala de aula, de modo que ela não ficasse apenas a serviço da norma padrão. Não queria que o modo de falar coloquial fosse respeitado apenas quando se fala de variação linguística ou em momentos informais da escola. Meu desejo era que elas(es) percebessem que a linguagem que usam no dia a dia também produz conhecimento e constrói quem elas(es) são. Foi então que pensei em propor o trabalho com podcast. Assim que tive essa ideia, pensei em desistir por alguns motivos: não sabia como organizar a gravação, pois um grupo gravaria enquanto as(os) demais alunas( os) ficariam sozinhas(os) na sala; não sabia se a internet da escola funcionaria, pois ela oscila bastante; minha principal hesitação era sobre se as(os) estudantes conseguiram gravar ou não.

Decidi que conversaria com as turmas sobre o que sabiam de podcast antes de fazer o meu planejamento. Dediquei uma aula para levantar o que as(os) estudantes sabiam do assunto e comecei perguntando se alguém conhecia e/ou sabia o que era um podcast – uns disseram que sim, outros que não. Um programa de podcast se sobressaiu nas respostas: o Podpah. A maioria conhecia e ficou animada em falar sobre isso. Essa primeira conversa com as(os) estudantes me animou, pois percebi que elas(es) demonstraram gostar da ideia de gravar um podcast.


O QUE É UM PODCAST?


O termo Podcast deriva da junção de dois termos “broadcasting (radiodifusão) e iPod, dispositivo de áudio da marca Apple que executa arquivos de áudio no formato MP3” (LENHARO, CRISTOVÃO, 2016, p. 311). Trata-se de um arquivo em áudio que pode ser ouvido utilizando um celular smartphone, tablet ou computador; além de poder ser baixado ou escutado em serviços de streaming, como Spotify, Youtube, Deezer, SoundCloud, entre outros. Os episódios de podcast lembram programas de rádio – ambos possuem funções variadas: entretenimento, divulgação de informações, entrevistas, curiosidades. Eles também abarcam diferentes temas: literatura, futebol, política, contação de história, culinárias, etc. Há dois grandes formatos mais comuns para os podcasts:

Entrevistas: são aqueles em que a apresentadora ou o apresentador faz perguntas a uma convidada(o). Alguns exemplos sao o Podpah, Guilhotina. Storytelling: sao aqueles em que a apresentadora ou o apresentador narra uma historia de forma ensaiada. Alguns exemplos sao o História Preta, Projetos Humanos.

Storytelling: são aqueles em que a apresentadora ou o apresentador narra uma história de forma ensaiada. Alguns exemplos são o História Preta, Projetos Humanos.

As gravações podem ser feitas com um ou mais participantes. Alguns, além de gravarem o áudio, também fazem a gravação em vídeo, transmitindo ao vivo o podcast. Isso acontece principalmente nos formatos de entrevista.

O podcast é uma prática de linguagem contemporânea que possibilita trabalharmos com a multiplicidade de linguagens por tratar-se de um texto multimodal. A linguista Roxane Rojo explica que a multimodalidade se refere a “textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar” (ROJO, 2012, p. 19). Para ela, os textos multimodais são formas que trazem tanto uma variedade composicional como de culturas. Essa forma multissemiótica já faz parte dos textos que circulam entre as(os) estudantes. Trazê-la para o contexto escolar significa reconhecer como legítimas as produções textuais feitas fora da escola nos espaços informais, e sobretudo criar mecanismos de reflexão sobre estes textos.


CRIANDO UM PODCAST


As respostas das(os) estudantes fizeram com que eu decidisse trabalhar com podcasts de entrevista, estabelecendo que as(os) entrevistadas(os) fossem pessoas da escola: estudantes ou funcionárias(os), da direção às trabalhadoras terceirizadas da cozinha e da limpeza. Ao solicitar que as(os) convidadas(os) fossem da escola, eu garanti que as gravações seriam realizadas com o meu acompanhamento. Mesmo que as(os) estudantes utilizem a tecnologia constantemente, a gravação do podcast não é um recurso conhecido pela maioria delas(es), por isso era preciso também um letramento sobre a linguagem dessa mídia e fazia-se fundamental que eu estivesse nesse processo de aprendizagem.


1ª ETAPA: ESCUTA


Para começar a sequência didática, assistimos a duas entrevistas do Podpah: a do Mano Brown1, cantor de rap do grupo Racionais MC, e a da jogadora de futebol Formiga2. A minha escolha das pessoas entrevistadas não foi aleatória, ambas são não só referências em suas profissões, mas também pessoas que abriram caminhos para muitas(os) jovens sonharem mais alto. Mano Brown, junto com o grupo de rap Racionais Mc’s, revolucionou a música brasileira, passando pelos sampleados, pela composição estética das músicas do grupo e pelas letras que discutem racismo, juventude, periferia, entre outros temas. Além de músico, em 2021, Mano Brown lançou um podcast de entrevista, o Mano a Mano. Já Formiga começou a jogar futebol em um momento em que a modalidade feminina era muito mais subjugada que hoje; ela é uma das grandes responsáveis por fazer a prática desse esporte ser hoje orgulho para muitas meninas, a ponto de não sentirem mais medo ou vergonha de jogarem. Ela também é a atleta brasileira que mais foi à Olimpíada e a jogadora, entre mulheres e homens, que mais participou de Copas do Mundo.

As entrevistas do Podpah são muito longas e, devido a isso, passei um trecho de cada entrevista no formato vídeo, já que o Podpah também faz a gravação audiovisual de seus programas. Em cada uma das entrevistas, fizemos uma conversa posterior sobre as percepções que elas(es) tiveram a partir do episódio visto. Elaborei algumas perguntas prévias que foram feitas e respondidas oralmente:

  • Ha algum indicio de que houve um planejamento das perguntas?
  • A linguagem utilizada por entrevistadoras(es) e entrevistados esta mais proxima da formalidade ou da informalidade?
  • Quais informacoes os entrevistadores ja sabiam das(os) entrevistadas(os)?

A partir desses questionamentos, fazíamos uma lousa colaborativa3 destacando características das perguntas, da linguagem e da estrutura do podcast. Depois houve uma atividade em dupla com perguntas sobre as duas entrevistas. Meu objetivo com esta atividade era registrar o que ficou de mais forte naquilo que elas(es) viram nos episódios escolhidos.


2ª ETAPA: ROTEIRO


A segunda etapa foi uma exposição e sistematização da estrutura do podcast de entrevista, a partir do que foi levantado nas discussões da etapa anterior. Aproveitei esse momento para comentar sobre as edições que costumam acontecer nas gravações. Para explicar melhor a estrutura e as edições, levei exemplos de outros programas de podcasts, como o Guilhotina, Picolé de Limão, Mundo Freak Confidencial e o próprio Podpah. Não mostrei os episódios completos, apenas o trecho que continha aquilo que eu queria mostrar.

A estrutura que identificamos nos podcasts de entrevista e que deveria ser utilizada no roteiro foi:

Nome do Podcast;

Vinheta;

Apresentacao das(os) convidadas(os);

Perguntas;

Fechamento.

Depois disso, as(os) estudantes foram divididas(os) em grupos e começaram a escrever o roteiro. Para isso, elas(es) precisavam preencher cada uma das partes estruturais mencionadas anteriormente; quanto às perguntas, foram pedidas cinco, as quais poderiam ser aumentadas durante a gravação do podcast, caso alguma resposta gerasse alguma dúvida ou curiosidade. Nesta parte da atividade, busquei evidenciar que as perguntas não precisariam ser lidas e tampouco decoradas – elas(os) as levariam para a gravação, mas no momento da entrevista poderiam improvisar. Era preciso que elas(es) compreendessem que o roteiro ajudava a deixá-las(os) seguros(as) e preparadas(os) para as entrevistas, mas, ao mesmo tempo, permitia que a coloquialidade e a criatividade fossem utilizadas. Para isso, retomei os episódios que vimos do Podpah – o roteiro possibilitava que público e entrevistadas(os) percebessem que havia um conhecimento prévio das(os) convidadas(os), o que permitia perguntas mais elaboradas, de modo que também havia espaço para o riso, para brincadeiras, o que muitas vezes fazia parecer uma conversa não roteirizada.

Durante a escrita do roteiro, auxiliava-as(os) a não criarem perguntas com respostas rápidas, como “qual sua idade?”, “o que você mais gosta de comer?”, “qual sua profissão?”. As respostas dessas perguntas poderiam estar na apresentação das(os) entrevistadas(os), mas não como uma pergunta da entrevista a ser gravada. Neste momento do roteiro, cada grupo deveria escolher quem entrevistaria. A escolha pelas(os) entrevistadas(os) foi diversa, passando por auxiliar técnico de educação (ATE), professoras(os), alunas(os), coordenadora e coordenador pedagógico e assistente de direção.

Quando os roteiros foram entregues, corrigi e devolvi- -os para que houvesse uma reescrita. O objeto da minha correção era aprofundar as perguntas feitas e apontar algumas delas que levavam a respostas repetitivas. Este momento da sequência didática não teve o resultado que eu buscava; alguns grupos não fizeram mudanças, outros fizeram novas perguntas que continham os mesmos problemas e apenas uma minoria conseguiu reformular o que tinham feito a partir da minha orientação. Hoje eu teria criado mais possibilidades delas( os) compreenderem o que é o processo de reescrita, como, por exemplo, levando exemplos fictícios para a lousa e reescrevendo-os coletivamente a partir dos critérios estabelecidos na correção. Além disso, mesmo que eu tenha dado as orientações para a formulação das perguntas, explicando-as e conversando de grupo em grupo sobre os critérios de correção, eles não foram sistematizados e entregues às(aos) estudantes. Talvez com esses critérios em mãos e elas(os) mesmas(os) fazendo a primeira correção teria surtido mais efeito, mas essas foram estratégias que pensei só depois desta etapa terminar e de eu ver o resultado.


DICAS PARA A GRAVAÇÃO


  • Utilize um aplicativo gratis para gravacao de voz e producao de outros recursos como colagem de audios;
  • E importante as(os) estudantes registrarem em um roteiro todas as falas: desde a chamada do Programa, a apresentacao das(os) entrevistadoras(os) e da(o) entrevistada(o);
  • E essencial a parceria com professora e/ou professor do laboratorio de informatica ou de alguem da escola que goste e entenda das tecnologias.


3ª ETAPA: GRAVAÇÃO


A terceira parte foi a gravação. Organizei dois grupos por dia e combinei que a vinheta já tinha que estar pronta no dia indicado. Para criar o podcast, utilizei o aplicativo gratuito Anchor4, pois ele permite a colagem de áudios e compartilha a mídia em um link específico do aplicativo e também no Spotify. Durante as entrevistas, percebi que dependendo de quem era a(o) entrevistada(o) havia mais ou menos formalidade. Havia um nervosismo inicial devido ao uso do microfone, à(ao) entrevistada(o) e a minha presença, mas depois das duas primeiras perguntas a conversa ficava mais fluida.

A apresentação das(os) entrevistadas(os) foi um dos momentos frágeis do roteiro e da gravação, pois muitos grupos começaram a improvisar mais informações ou resolviam mudar na hora. Talvez uma entrevista prévia ao podcast para a escrita da apresentação teria fortalecido esse trecho. Além disso, não conseguimos fazer edições na gravação; na época estávamos sem professor de sala de Informática para contribuir com o trabalho. Quanto ao tema das entrevistas, optei por não delimitá-lo, entendendo que naquele momento o que eu buscava era reaproximá-las(os) da escola, das atividades pedagógicas e conhecer os saberes e interesses das minhas(meus) alunas(os).

Durante o processo, havia estudantes que queriam me ajudar em todas as gravações e isso foi bem importante. Nas últimas entrevistas, alguns podcasts foram gravados sem nenhuma ajuda minha, pois as(os) alunas(os) já ganharam autonomia com o aplicativo e faziam todas as etapas do processo. Como o trabalho foi realizado com uma variedade de pessoas da escola, os episódios foram bastante compartilhados entre a comunidade escolar, principalmente entre as(os) professoras(es). As(Os) próprias(os) entrevistadas( os) compartilhavam com seus familiares e amigas( os) o trabalho das(os) estudantes; isso fez com que as produções ultrapassassem o espaço escolar. Os episódios também foram compartilhados nas redes sociais e nos grupos de whatsapp da escola e, a cada início de aula, escutávamos um episódio.

Esta atividade foi realizada com duas turmas de 7º ano e, por isso, o nome criado e escolhido pelas(os) estudantes para o podcast foi SétimoCast. Das duas turmas, apenas um grupo não realizou a atividade, mas muitas(os) alunas(os) que estavam desinteressadas(os) e às vezes até se negavam a ficarem em sala fizeram a gravação e se empolgaram.

Ao fim do trabalho, o que eu senti de mais forte foi a vontade de continuar produzindo podcast com as(os) estudantes e, quem sabe mais adiante, criar um projeto que tenha episódios frequentes e não seja apenas de entrevista. Uma das coisas que contribuiu bastante para o engajamento das(os) estudantes foi criar um clima de seriedade e oficialidade para as gravações do podcast, como se aquele trabalho escolar já não fosse apenas para a escola, de modo que elas(os) se sentissem como produtoras(es) de podcasts. Essa sensação de fazer parte de um podcast foi aumentando conforme os grupos gravavam e contavam para as(os) outras( os) colegas como tinha sido. Além disso, no mesmo dia da gravação era possível escutá-la, o que gerava um entusiasmo em quem seriam (as)os próximas( os) a fazer seu podcast5.


Notas de rodapé

1. https://youtu.be/UF8MW6LP_QA.

2. https://youtu.be/910h4glLyDU.

3. Chamo de lousa colaborativa a ação de deixar lacunas no quadro a serem preenchidas conforme acontece a explicação e a conversa com as(os) estudantes. Assim, a lousa é feita partindo das respostas das(os) estudantes.

4. O aplicativo pode ser utilizado em celulares, tablets, notebooks e computadores.

5. Todos os episodios podem ser escutados em: SétimoCast. Disponível em: https://open.spotify.com/show/2pnKykWnYciyGT95NUQ2OL?si=fa4c47146514409b. Acesso em: 03 set. 2022.

 

Sobre a autora

Talita Zanatta é mestranda na área de Educação e Linguagem na FEUSP com foco no ensino de Língua Portuguesa em contexto multilíngue e de migração. Atualmente é professora de português do Ensino Fundamental II na Rede Municipal de São Paulo.


Referências

LENHARO, Rayane Isadora; CRISTOVAO, Vera Lúcia Lopes. Podcast, participação social e desenvolvimento. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 32, n. 1, p. 307-335, mar. 2016. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/edur/v32n1/1982-6621-edur-32-01-00307.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2022.

ROJO, Roxane. Multiletramentos na escola. Parábola: Sao Paulo, 2012.

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