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A leitura do hipertexto no contexto de formação de educadores | Desafios dos (multi)letramentos nas nuvens

A leitura do hipertexto no contexto de formação de educadores | Desafios dos (multi)letramentos nas nuvens

Márcia Coutinho Ramos Jimenez, Roxane Rojo

01 de agosto de 2013

As práticas de leitura e escrita em nosso tempo

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É preciso ensinar os diversos códigos para criar competências leitoras. Por exemplo: alguém devidamente familiarizado com a leitura da palavra escrita e que se veja, pela primeira vez, diante de um programa de computador terá de aprender a ler o seu funcionamento, terá de compreender o seu mecanismo ( a sua gramática), até que se torne, neste ambiente, um leitor competente. É preciso quebrar paradigmas e abrir espaços para leituras em diversos suportes, se desejarmos efetivamente formar leitores cada vez mais capazes.

“Por um conceito amplo de leitura”, in: Daniela B. Versiani, Eliana Yunes, Gilda Carvalho. Manual de reflexões sob boas práticas de leitura. São Paulo: Editora da Unesp, 2012.


P. Lévy. As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era da informática. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 33.

A pesquisa TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) na educação, realizada em 2011 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), identificou que 88% dos professores de escolas públicas têm computador conectado à internet em suas casas e 79% declararam acessar a rede todos os dias. A pesquisa também aponta que os professores, apesar de fazerem uso pessoal dessa ferramenta, não a exploram em sua prática pedagógica. Esse descompasso pode ser explicado, muitas vezes, pela falta de fluência nas competências leitoras e escritoras do hipertexto.

A internet é organizada pela linguagem hipertextual, que tem uma “gramática” própria e em que as informações são acessadas de forma não linear e fragmentada. Na formação de professores, é preciso não só ensinar codificar e decodificar os signos de um hipertexto, esclarecendo as características dos ambientes, mas também exercitar a leitura do hipertexto no contexto de práticas pedagógicas contemporâneas, em que se possa interagir por meio dos recursos disponíveis.

O censo escolar de 2011 aponta que há pouco mais de 2 milhões de professores atuando na educação básica no Brasil, 74% deles com formação superior. Entretanto, essa formação não inclui, em sua maioria, o preparo para o uso da internet como recurso pedagógico. Geralmente, quando as graduações abordam esse recurso, focam principalmente a decodificação de signos e a organização da gramática hipertextual, mas deslocados das potencialidades pedagógicas intrínsecas ao meio digital. Os professores são letrados, em sua maioria, em textos impressos sequenciais, mas não podemos dizer que já vivenciaram o processo de letramento digital.

Letramento digital: “Em síntese, a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. Embora os estudos e pesquisas sobre os processos cognitivos envolvidos na escrita e na leitura de hipertextos sejam ainda poucos... a hipótese é de que essas mudanças tenham consequências sociais, cognitivas e discursivas, e estejam, assim, configurando um letramento digital, isto é, um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel.”
Magda Soares. “ Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura”. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, nº81, dez., 2002, pp. 143160. Disponível em . Acesso em maio de 2013.

O vídeo acima retrata o momento histórico da transição entre a tecnologia do rolo de papiro e o códice. Esse vídeo faz um paralelo com o momento atual; por isso tem o título de "Helpdesk".

Historicamente as habilidades de leitura e escrita sofreram alterações de acordo com a forma de organização das informações e o suporte de registro do texto.

Ler um rolo de papiro pressupunha o uso das duaas mãos, e o acesso e a recuperação das informações passavam pelo controle do enrolar e desenrolar o dispositivo. Com a passagem do rolo para o códice, formato do livro que conhecemos hoje, houve uma grande mudança no processo de leitura, pois com as mãos livres foi possível a leitura e o registro simultâneos. No computador, ou em dispositivos móveis, o leitor do hipertexto precisa clicar ou tocar na tela para acessar a informação. A fluência em navegar por estruturas digitais pressupõe que os leitores determinem a sequência do que estão lendo, em vez de seguir uma ordem preestabelecida, geralmente organizada de forma sequencial.

“O texto no papel é escrito e é lido linearmente, sequencialmente – da esquerda para a direita, de cima para baixo, uma página após a outra; o texto na tela – o hipertexto – é escrito e é lido de forma multilinear, multissequencial, acionando-se links ou nós que vão trazendo telas numa multiplicidade de possibilidades, sem que haja uma ordem predefinida. A dimensão do texto no papel é materialmente definida: identifica-se claramente seu começo e seu fim, as páginas são numeradas, o que lhes atribui uma determinada posição numa ordem consecutiva – a página é uma unidade estrutural; o hipertexto, ao contrário, tem a dimensão que o leitor lhe der: seu começo é ali onde o leitor escolhe, com um clique, a primeira tela, termina quando o leitor fecha, com um clique, uma tela, ao dar-se por satisfeito ou considerar-se suficientemente informado.”
Magda Soares, op. cit., p. 150.

Hoje, em muitos países, os alunos de educação básica começam a ser avaliados por suas competências leitoras digitais. O Pisa (Programme for International Student Assessment) iniciou a avaliação das habilidades de leitura e escrita necessárias aos jovens para o exercício de sua cidadania.

Pisa: programa internacional que avalia sistemas educacionais de 65 países, incluindo o Brasil. Para isso, examina o desempenho de estudantes da faixa etária dos 15 anos, idade média do término da escolaridade básica obrigatória na maioria das nações. O indicador é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Disponível em <http://www.oecd.org/pisa/ pisainfocus/50530774.pdf>.

Para o Pisa, são considerados estudantes com baixos desempenhos em leitura digital aqueles que são capazes de localizar e interpretar informações bem especificadas e geralmente relacionadas a contextos familiares. Podem navegar por um número limitado de links quando recebem orientação explícita.

Já os estudantes com melhores desempenhos em leitura digital são capazes de localizar, analisar e avaliar criticamente informações em um contexto com o qual não têm familiaridade. Também são capazes de navegar por variados sites da internet sem orientação explícita e lidar com textos de formatos variados.

Essa definição identifica algumas das habilidades que os alunos precisam desenvolver para estar em sintonia com as necessidades do mercado de trabalho no mundo contemporâneo. Nesse sentido, professores e alunos necessitam exercitar a leitura do hipertexto, ou da hipermídia, e ganhar fluência para a compreensão e a crítica desse universo. Para esse leitor em formação há um processo de familiarização com a organização da cultura digital e seus valores.

Hipermídia: “A combinação de hipertexto com multimídias, multilinguagens, chamandose de hipermídia”.
Lucia Santaella. Navegar no ciberespaço – O perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 49.

Os educadores, que já têm fluência (ou deveriam ter) em textos impressos, muitas vezes, encontram dificuldade na leitura da hipermídia. Essa dificuldade se dá principalmente na compreensão da lógica da leitura/navegação, ou seja, além do conjunto de saberes e de estratégias de compreensão leitora do texto impresso, há uma nova forma de sensibilidade, análise e avaliação crítica de informações em um contexto fragmentado, em que os nexos são ativados por meio dos cliques, com os quais nem sempre os professores têm familiaridade. Além disso, a velocidade de produção e circulação das informações e a compreensão de signos extralinguísticos podem causar uma desorientação na construção do percurso da leitura.

“Podemos dizer que aprender no mundo digital pressupõe um conjunto de habilidades necessárias às práticas letradas mediadas por computadores: como construir sentidos a partir de textos que articulam hipertextualidade, códigos verbais, sonoros e visuais; localizar, filtrar, selecionar, relacionar e avaliar criticamente a informação; além da familiaridade com as normas e a ética que regem a comunicação no meio digital.”
Anna Helena Altenfelder et al. Fundamentos para a prática pedagógica na cultura digital. São Paulo: Cenpec, nº1, 2011, p. 11. Coleção Ensinar e aprender na cultura digital.

A formação de professores para a fluência na leitura da hipermídia implica criar situações de aprendizagem em que eles possam navegar por diferentes sites e trocar estratégias de construção de percurso e negociação de significados com leitores fluentes, geralmente mais jovens e familiarizados com a fragmentação e as inconstâncias dos significados dos signos no contexto digital. Espera-se que por meio dessas trocas os professores possam progressivamente ganhar rapidez nas leituras e nos cliques e construir percursos sem orientação prévia. Espera-se que eles possam perceber as informações mais destacadas, relacionar as informações sonoras, visuais, das diferentes linguagens, criando hipóteses e previsões sobre os caminhos possíveis para se construir um percurso de leitura que faça sentido aos seus interesses.

Para Santaella há leitores internautas que podem em um momento navegar sem rumo, tendo como efeito a desorientação; outros farejam indícios e como efeito transformam a dificuldade em adaptação; e outros podem antecipar consequências tendo como efeito a familiaridade.
Lucia Santaella, op. cit., p. 179.

A formação complementar do professor deve ser realizada entendendo-o como um profissional com formação específica prévia e que está sendo desafiado a realizar alterações metodológicas demandadas pelo sistema educativo atual. Portanto, entendemos que em processo de letramento digital é preciso vivenciar habilidades de leitura e escrita do hipertexto em trabalhos colaborativos, em navegação/ leitura coletiva de sites, em interação que reconfiguram novas estruturas de tempo e espaço para que o professor possa recuperar suas competências já desenvolvidas para o texto impresso e adaptá-las a um contexto com o qual não tem familiaridade.

Só depois de o professor lidar com textos de formatos diversos, percursos inexplorados e internalizar os esquemas de navegação, antecipando consequências dos seus cliques e toques na tela, conseguirá melhorar a fluência e compreensão dos estudantes em leitura digital.

Márcia Coutinho Ramos Jimenez é pesquisadora do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e gestora de educação a distância da Plataforma de Letramento do Cenpec.


Desafios dos (multi)letramentos nas nuvens

Roxane Rojo *

Lucia Santaella, em seu livro Culturas e artes do pós-humano, propõe uma “divisão das eras culturais em seis tipos de formações” (Santaella, 2010, p. 13) que pode nos ajudar a compreender como as práticas de letramento – e, em especial, interessam-me aqui as práticas escolares de letramento – mudam com as mudanças tecnológicas. Essas eras culturais são: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a culturadigital. Vejamos como esses conceitos de Santaella podem nos ajudar a compreender a realidade das nossas práticas escolares de letramento e os desafios postos para nós na era digital.

Na era da cultura oral não havia nem escola nem ensino, como os compreendemos hoje. A escola e o ensino, como bem diz Lahire (1993), são instituições e práticas derivadas da lógica da cultura da escrita. Há, na internet, um vídeo de animação – “A história das tecnologias na educação” – que mostra bem como as diversas tecnologias – do quadro-negro aos celulares, tablets e lousas digitais – foram adentrando as escolas e modificando as práticas, conforme as eras mencionadas por Santaella. Vale a pena ver.

Esse vídeo data a educação pública, ainda oral, do século 17 e o aparecimento da escrita em sala de aula (o quadro-negro) de 1700. Mas a cultura do impresso, isto é, o livro e os textos mimeografados ou xerocados, somente adentra a escola no final do século 19 e no século 20. Nesses séculos, consolidaram-se na escola práticas de letramento próprias das funções da escola e das mentalidades letradas nesse período. A cópia do quadro-negro e depois do livro, o ditado, as questões fechadas de avaliação baseadas em localização de trechos escritos, as chamadas orais, as provas, os seminários, as descrições à vista de gravura, as narrações ou histórias, as dissertações, todas essas eram e são práticas da escola da modernidade, em que o ensino visava disciplinar corpo, linguagem e mente (Chervel, 1990) e em que o texto, escrito ou impresso, convoca práticas letradas muito específicas, de confiança, respeito e repetição/reprodução, de reverência. Essas práticas, embora modificadas, permanecem ainda hoje fortemente na escola, pois nem a escrita, nem os impressos e nem essa mentalidade escolar disciplinadora desapareceram: ainda são úteis à sociedade.

Em minha opinião, tanto as tecnologias da cultura de massas (rádio e TV) como as da cultura das mídias (retroprojetores, episcópios, reprodutores de videocassete e de fitas cassete etc.) penetraram fraca, lateral e incidentalmente na escola e nunca foram incorporadas constitutivamente ao currículo e às práticas letradas escolares fundantes da cultura escrita e impressa: a escola é, ainda hoje, principalmente um lugar de oralização do escrito e do impresso. No entanto, nas casas do século 20 (segunda metade), essas são tecnologias onipresentes e extremamente importantes na vida cotidiana das pessoas em geral e dos alunos em particular.

A cultura de massas preserva a unidirecionalidade (de um para muitos – as massas –, sem possibilidades de retroalimentação) das culturas do escrito e do impresso. Mas a cultura das mídias, não. Pela primeira vez na história eu posso adequar os bens de consumo simbólicos (filmes, vídeos, músicas etc.) ao meu gosto e às minhas coleções (García Canclini, 2008 [1997]): alugo o filme que quero, gravo fitas de minhas músicas preferidas, em vez de ficar submetida ao que me oferecem as culturas do impresso e de massas. Isso, de certa forma, preparou-nos para a cultura digital: aumentou nossa capacidade de decisão, escolha e seleção de quais produtos culturais preferimos ler, ver ou consumir e, com isso, nosso raio de ação e influência sobre a produção cultural. Também nos levou a práticas multiletradas de leitura de textos escritos, impressos ou não, mas também de imagens em movimento (vídeos e filmes) e de áudio. Mas a escola não incorporou centralmente essas linguagens em suas práticas: ateve-se, como os impressos, à imagem estática (foto, ilustração etc.), quando muito. Com isso, de certa forma, os multiletramentos ainda não adentraram a escola.

A quarta revolução da escrita, como a chama Chartier (1997), a cultura digital, põe por terra todo o edifício de práticas letradas cultuadas e perpetuadas pela escola. Nela, o leitor já não é reverente ao texto, concentrado e disciplinado, mas disperso, plano, navegador errante; já não é receptor ou destinatário sem possibilidade de resposta, mas comenta, curte, redistribui, remixa. As fronteiras entre leitura e autoria se esfumaçam. Surge o “lautor” ou o “produsuário”. Posso dizer que nem as tecnologias digitais nem os novos multiletramentos da cultura digital efetivamente chegaram ainda às práticas escolares, que continuam aferradas ao impresso e a suas práticas. No entanto, essas são as práticas letradas das pessoas, dos trabalhadores e dos cidadãos no século 21.

Convido o leitor-professor a refletir sobre a urgência de incorporar essas práticas, mentalidades e multiletramentos à escola, de maneira a formar pessoas, cidadãos e trabalhadores para o século em que estamos. Como pergunta o vídeo de animação que mencionei: “Como você vai moldar a sala de aula de amanhã?”.

Roxane Rojo é professora livre-docente do departamento de linguística Aplicada da universidade estadual de Campinas (iel/unicamp) e pesquisadora do Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e tecnológico.


Referências

CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Edunesp, 1997.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexão sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação, nº- 2, 1990, pp. 177-229.

GARCÍA CANCLINI, N. Culturas híbridas – Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2008 [1997].

LAHIRE, B. Culture écrite et inégalités scolaires: sociologie de “l’échec scolaire” à l’école primaire. Lyon: PUL, 1993.

SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2010 [2003].

SMART. “The history of technology in education”. Vídeo de animação. Disponível em . Acesso em 2/5/2013.

 

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