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Entrevista com Carol Rodrigues

20 setembro 2017

A jovem autora, ganhadora dos prêmios Jabuti e Clarice Lispector por seu livro de contos “Sem vista para o mar”, e participante da Flip deste ano, fala sobre nosso estado físico na leitura, a preferência pelos contos, o experimento com a pontuação e a invenção como mecanismo de resistência.

Camila Prado

Você se lembra de seus primeiros contatos com a leitura?

A gente quando criança, jovem, compartilha muitas experiências coletivas e eu acho que o livro dá essa primeira dimensão individual de fruição, em que você entra sozinho num outro mundo. Ao ler o escritor e teórico argentino Ricardo Piglia, que diz que aprender a ler o ensinou a ser quieto, me veio a memória das primeiras leituras. É uma memória de um estado físico. Lembro que meu primeiro livro mais grossinho foi “As viagens de Pedrinho”, de Monteiro Lobato. Eu tinha 6, 7 anos. Foi a primeira vez que eu fiquei muito quieta por horas. É uma janela para o sonho. Mas na pré-adolescência veio o genial Pedro Bandeira, com “Os Karas” e aquele grupo de jovens que faz investigações. Bem na fase que procuramos mais aventuras...



Como você começou a escrever? Como surgiu o interesse pelos contos?

Dou oficina para adolescentes e pré-adolescentes e consigo ver bem isso: a primeira linguagem, a mais imediata, é a poesia. É uma linguagem que a gente dá conta de jogar coisas mais sentimentais e abstratas. E é aparentemente mais fácil. Então comecei pela poesia. Todo ano tinha concursos na escola e isso me estimulava muito. Daí para os contos demorou muito. Escrevia de maneira bastante abstrata. Na faculdade de cinema, passei a fazer roteiros. Lá pelos 23 anos comecei a fazer oficinas pontuais de escrita. Fiz com a Márcia Denser, que é militante do conto e fala que o gênero tem uma intensidade própria. Julio Cortázar fala que no romance você vence por rounds e no conto, por nocaute. O conto é um estado de conteúdo, de contenção, como se fosse uma barragem. Se a gente tirasse essas barreiras o que transbordaria? Pensando em educação, o conto é uma forma muito potente para a entrada na literatura. É curto, pega pela jugular e dá para ler pelo celular. Com uns 13 anos, li “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto, e fiquei chocada com a loucura dessa história. Lima é muito atual e é um supercontista. “A nova Califórnia” é um dos melhores contos brasileiros, sem dúvida.

Por falar em Cortázar, você estabeleceu uma relação interessante entre realismo fantástico e as distopias* latino-americanas...

O realismo fantástico é visto como um estilo que ficou mais nos anos 60, no boom latino-americano, mas ele dá conta das nossas contradições porque cria utopias que são sujas, sujas de um pessimismo que já é latente. Dessa realidade, não conseguimos gerar utopias plenas e límpidas, de uma sociedade completamente justa. Mas podemos imaginar algo que seja uma outra coisa. A invenção acaba sendo um mecanismo de resistência, de sobrevivência. Julián Fuks, na Flip, falou que temos que ocupar todos os espaços possíveis, inclusive a literatura. A literatura tem que ser um espaço político também.



Você estudou performance e se expressa pela literatura. Que ponte há entre “ver” e “ler” o mundo?

Tenho pensado cada vez mais em projetos que relacionem isso. Porque o ato de ler, na verdade, não é nada passivo. No estado de escuta absoluta que a leitura verdadeira demanda, ela é um gesto muito grande. É importante pensar na forma que apresentamos o texto, me preocupo muito com essa atmosfera. Nunca finalizo um texto sem ter falado ele em voz alta várias vezes.



Há evidente inventividade na pontuação dos seus textos. Vem da poesia esse pensamento sobre ritmo?

Não. Eu escrevia contos que não tinham nada de original. A experimentação com a pontuação surgiu quando fiz mestrado em “Estudos de Performance” e morei em Amsterdam por um ano e meio. Estava pirando em várias línguas e entrei num frenesi de usar estrangeirismos. Depois achei isso muito deslumbrado e fui tirando as palavras, cortando. Foi ficando aquele português meio mambembe, meio torto. A partir dessa falta, fui construindo talvez um outro ritmo, outra forma de ver. É meio clichê sair de uma língua para olhar para ela, mas é um clichê verdadeiro.


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* Ideia ou descrição de um país ou de uma sociedade imaginários em que tudo está organizado de uma forma opressiva, assustadora ou totalitária, por oposição à utopia.
Fonte: https://www.priberam.pt/dlpo/distopia