O que Machado queria mesmo dizer?

Por meio de perguntas, você vai ajudar os alunos a “ouvir” melhor o autor da crônica. Os estudantes vão começar a se relacionar com o texto como futuros escritores.

Atividades

  1. Depois da audição da crônica, organize um bate-papo coletivo.
  2. Em seguida, divida os alunos em grupos e peça-lhes que leiam “Um caso de burro”, disponível na coletânea deste Caderno, e respondam por escrito a algumas questões:
    • O texto correspondeu às expectativas levantadas pelo título?
    • Qual é o foco narrativo? O autor é personagem, usa a primeira pessoa ou não se envolve, apenas conta o que aconteceu com outros?
    • Que ideias e emoções foram despertadas pela leitura?
    • Para Machado, o burro é metáfora de quem ou de quê?
    • Onde Machado emprega o recurso da prosopopeia?
  3. Agora compare as ideias deles com a análise que fizemos da crônica machadiana, lembrando que essa é apenas uma possibilidade.
  4. Sobre “Um caso de burro”

    Machado inicia o texto nomeando como crônica aquilo que escreve. Dirige-se explicitamente ao leitor, indicando que conversa com ele. Esse preâmbulo leva o leitor a se sentir considerado e, por isso mesmo, a aceitar o convite para ler a crônica.

    Logo no parágrafo seguinte o autor conta quem é a personagem central, um burro como tantos outros. Apresenta também o conflito que move a narrativa: uma cena de quase morte. Mas observe como ele apresenta tudo isso: diz que ali não seria um lugar para descanso, indicando certa recriminação: “O que faz esse burro aqui?”. Ele, no entanto, não faz a recriminação explicitamente. A recriminação implícita introduz um tom levemente irônico ao texto.

    “O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.” Essa frase acentua o tom irônico do texto, jogando com a oposição entre elogio e recriminação. Precede o elogio com uma frase em que aparecem palavras recriminatórias: diz que o burro “não foi abandonado inteiramente”, isto é, foi abandonado, ainda que não de todo; emprega “alguma piedade” para dizer da quase ausência desse sentimento. Além desse jogo, usa eufemismos para falar da morte: “em campos largos e eternos”, reforçando o tom irônico.

    O tom irônico continua quando aponta para aquilo que o menino faria, mas não fez (enquanto o cronista estava presente; nada garante que não tenha feito depois), e quando exagera o valor da descoberta: poucos minutos valeram uma, duas horas, um século! E, mais que isso, a experiência vivida foi exageradamente importante, o que vale como matéria de reflexão para os sábios! Como se vê, o exagero também é um recurso para a construção da ironia.

    O burro é o símbolo da ignorância, daí o inédito (irônico) de estar meditando. Essa situação servirá para que o cronista/narrador faça uma reflexão. Começa comparando-se com Champollion (o sábio francês que decifrou a escrita egípcia), exagerando sua própria importância: decifrará os últimos pensamentos do burro – que só medita porque está morrendo, não o fazendo enquanto viveu. E quando usa o ditado popular “de pensar morreu um burro” leva o leitor a aproximar-se de certo tipo humano.

    E para confirmar essa aproximação Machado prossegue a narrativa, dando voz ao próprio burro, que fala de si como se fosse homem. “Por mais que vasculhe a consciência, não acho pecado que mereça remorso…” A metáfora do burro vai se delineando: diz respeito a um tipo humano, que se ajusta, aceita o destino, pensa de maneira simplista e moralista.

    Ao continuar a confissão, o animal prossegue indicando as ações que o aproximam de muitos humanos. A transposição de elementos da esfera do humano para a do animal irracional é um recurso de distanciamento usado pelo autor, que leva o leitor a perceber melhor a crítica feita ao tipo de humano que valoriza a submissão e a conformidade. A crítica do autor a esse tipo de vida se evidencia ainda mais na filosofia expressa pelo burro, a única que ele pode ensinar: a valorização do porte grave e do controle dos sentidos, ou seja, sua filosofia tem a profundidade das aparências.

    Depois da confissão do burro, o cronista começa a se despedir do leitor. “Não percebi o resto, e fui andando…” Continua seu caminho, abandonando o bicho à sua sorte, mas ainda ironizando: diz-se triste ao ver morrer tão bom pensador, mas isso é um pretenso elogio, pois até então não fez mais que depreciar o modo de vida do animal. Nota-se o tom de lástima assumido pelo cronista quando considera que outros burros continuariam a viver.

    Ao final do parágrafo, apresenta sua grande pergunta, aquela que foi delineada no início da crônica: por que não se investigar o moral do burro? Fica implícita uma exagerada e, por isso, falsa convocação: “Sábios, estudem o moral do bicho!”.

    Na sexta-feira, ao passar pelo mesmo local, o cronista encontrou o animal já morto. A marcação do tempo cotidiano define o gênero da narrativa, a crônica. O narrador deixa claro que seu texto foi escrito com base na observação dos lugares que se percorre cotidianamente, os lugares familiares que se transformam conforme o momento: na quinta à tarde o burro agoniza; na sexta pela manhã está morto; na sexta à tarde, nem cadáver havia. Eis aqui o material da crônica.

    O autor finaliza o texto retomando sua reflexão a respeito da natureza do animal: nem inventou a pólvora, nem seu sucedâneo mais terrível na época, a dinamite, e o despacha: que descanse em paz!

  5. Você também pode explorar a análise da crônica “Um caso de burro” com seus alunos de forma individual. Peça-lhes que leiam silenciosamente o texto, com os seguintes objetivos:
    • Identificar o assunto da crônica e suas personagens;
    • O conflito da narrativa;
    • As situações em que o narrador acentua o tom irônico;
    • O desfecho.
  6. Se quiserem, poderão anotar as conclusões no caderno. O importante é que tenham a oportunidade de expor para a classe o que pensaram.
  7. Ao esclarecer a situação comunicativa, lembre à turma que essa crônica, hoje, faz parte do livro Obras completas de Machado de Assis (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, v. 4), mas foi originalmente escrita para ser publicada no jornal. Machado escrevia para leitores adultos, moradores de um Rio de Janeiro entre o final do Império e o início da República, em uma época de escassa democracia – a escravidão havia sido abolida recentemente – e em que a maioria da população era excluída de todos os direitos civis. Esse será o momento de mostrar imagens antigas da cidade do Rio de Janeiro (os tílburis, meios de transporte parecidos com charretes, e os bondes puxados por cavalos e burros), como alguns disponíveis no blog O Rio de Antigamente. Desafie os alunos a descobrir o sentido de palavras e expressões familiares aos leitores da época ou que estão em português de Portugal ou latim, como “passadiço”, “patuscos”; “qualquer que seja o regime, ronca o pau”, “requiescat in pace”. Para tanto, você pode inseri-las em contextos familiares, como: “Aqueles garotos que esconderam os óculos da vovó gostam de fazer graça – são uns patuscos”.
  8. Para encerrar, peça aos alunos que confrontem os palpites deles – sempre lembrando que qualquer texto se abre a múltiplas interpretações.