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biblioteca / educação e cultura

Flip 2012 - Dez anos da festa da literatura

Taize Odelli

07 de agosto de 2023

Não estar na Festa Literária Internacional de Paraty não significa ficar de fora da maior comemoração da literatura no Brasil. A Flip é realmente uma grande celebração dos livros que convida a todos a discutir, brindar e saborear o que bons escritores e estudiosos têm a dizer e debater, mas quem não pôde pegar a estrada para Paraty teve a opção de acompanhar as discussões pela internet: transmissões ao vivo, coberturas nas redes sociais em tempo real, tudo para que leitores e admiradores das letras pudessem participar desse encontro que – quem diria – mobiliza toda a cena literária brasileira por cinco dias. Que leva os mais animados e obstinados a viajar por horas através de estradas tortuosas para uma cidade histórica pequena e distante, porém aconchegante.

Muitos esperavam mais da Flip de 2012, já que a festa completou 10 anos de existência homenageando um dos nossos grandes poetas, Carlos Drummond de Andrade. Nenhuma grande polêmica envolveu as mesas que compuseram a programação desse ano – como as saias justas do ano passado. Mas isso não quer dizer que a Flip tenha sido sem graça ou irrelevante. Foi o contrário.

Infelizmente, assistir a todas as mesas é pedir para sofrer de cansaço intelectual e físico – e perder as programações paralelas, que são tão boas quanto a principal. A solução foi escolher: Jonathan Franzen, Enrique Vila-Matas e Alejandro Zambra, Ian McEwan e Jennifer Egan, Laerte e Angeli e Suketo Mehta. Cada uma das mesas agradou a seu modo: Vila-Matas e Zambra (em “Apenas Literatura”) falaram sobre como a literatura se alimenta dela mesma para criar, abusa das referências na construção de histórias, e como os autores procuram ser honestos com o leitor ao não esconder suas referências.

Se eles quiseram ser honestos, Egan e McEwan (em “Pelos olhos do outro”) foram pelo caminho contrário: disseram que existe um grande prazer em manipular o leitor, levá-lo a acreditar naquilo que não é verdade, fazer reviravoltas, conduzi-lo como cego por caminhos incertos para surpreendê-lo no final. Com uma das mesas mais concorridas – os ingressos se esgotaram rapidamente quando começaram a ser vendidos um mês antes da festa –, os dois escritores agradaram ao público ao falar da construção de suas personagens, as pesquisas para seus romances e o processo de escrita – até seu conto publicado no Twitter Jennifer Egan disse ter escrito à mão, em um caderno japonês com oito retângulos por página. A Flip dá aos leitores a oportunidade de ver o outro lado do trabalho daqueles com quem antes só se relacionavam através de páginas. No caso de McEwan e Egan, o público foi rapidamente conquistado pela simpatia dos escritores.

A festa da literatura comemorou mesmo as personagens. As mediações concentraram as perguntas em como criar pessoas cativantes, não exatamente histórias. Esse tema permeou as mesas de Franzen, McEwan, Teju Cole e Paloma Vidal, Egan, e até Angeli e Laerte. A última mesa de sábado, “Quadrinhos para adultos”, foi uma das que mais arrancou risos da plateia. Laerte dominou o público com suas rápidas tiradas: foi como uma gostosa conversa de bar entre amigos que discutem suas preferências, falam do trabalho, da sociedade e, claro, fazem piadas.

Se não houve surpresas durante a programação, houve nas expectativas. Jonathan Franzen era um desses escritores de que mais se esperava polêmicas e falas rabugentas. Sim, ele foi meio evasivo em muitas de suas respostas durante a coletiva de imprensa e em sua mesa, mas mesmo assim conquistou o público e muitos saíram da Tenda dos Autores chamando-o de “fofo”. Franzen surpreendeu por desfazer a imagem de escritor sério demais entrando no palco dando uma engraçada corridinha, fazendo piadas antes de responder a sério as perguntas, citando Jennifer Lopez (sim, a cantora pop!) para contextualizar um ensaio escrito em 1996 em que criticava o mercado editorial norte-americano . E contribuiu com uma cota de emoção ao falar de seu melhor amigo, o escritor David Foster Wallace, que se suicidou em 2008 – o mesmo aconteceu na mesa de Angeli e Laerte ao falarem de Glauco, morto em 2010.

Algumas mesas que ficaram de fora da minha programação pessoal acabaram chamando a atenção pelos comentários: a participação de Adonis e Amin Maalouf (“Literatura e liberdade”) foi muito elogiada, e pelo que pude ler depois, uma das que mais trouxe temas políticos para o debate – uma das falas mais destacadas é a de Adonis dizendo que “Obama é só uma máscara negra sobre um homem branco”. Quem assistiu a James Shapiro e Stephen Greenbalt em “O mundo de Shakespeare” saiu das tendas maravilhado com tudo o que os dois especialistas disseram sobre o Bardo. E DaMatta e Suketo Mehta na mesa “Cidade e Democracia”, um tema pouco literário, mas que agradou a plateia no fim da discussão sobre o espaço urbano, seus problemas e possíveis soluções.

Tudo isso pôde ser acompanhado de casa pela transmissão online feita pela própria organização do evento. Então por que ir até Paraty?

Porque a Flip merece ser sentida na pele, devo responder. Não é apenas a programação repleta de nomes famosos da literatura que fazem do evento um dos maiores e mais prestigiados do país. É todo o clima de festa que envolve a cidade e as pessoas que se arriscam a tropeçar pelas suas ruas. A internet não mostrou os escritores andando tranquilamente por essas ruelas, em meio aos seus leitores. Não mostrou os bons debates paralelos que reuniram escritores e editores nas casas alugadas por instituições ou editoras (como, por exemplo, as conversas de vários autores sobre seus personagens preferidos da literatura, promovidas pelo IMS). Além disso, a FlipZona e Flipinha também contaram com uma programação muito boa. Em um país conhecido pelo pouco interesse pela leitura, é impressionante ver centenas de pessoas fazendo filas enormes para disputar um ingresso no último minuto, para receber um autógrafo de um escritor que admira, correndo para pegar os melhores lugares nas tendas, ver crianças se encantando com as árvores de livros na Praça da Matriz e balões estampando o rosto de Drummond. E todos carregando seus livros e lendo por aí, saindo da livraria com sacolas e mais sacolas.

Enfim, os bastidores da Flip não estão na internet. Talvez por já me sentir familiarizada com o lugar, aproveitei muito mais a Flip deste ano que a de 2010, minha primeira. Não houve fortes emoções nas mesas, concordo, mas houve muito o que comemorar nesses cinco dias de festa pelas pessoas que conheci por causa da Flip, pelos escritores com quem cruzei na rua e que me fizeram sentir que estou muito mais próxima da literatura do que imaginava.

Estar na Flip é reconhecer que a literatura faz parte da vida de muitos brasileiros – infelizmente, não de todos, afinal, Paraty em época de Flip não cabe em todos os bolsos. Mas vale o sacrifício e as dívidas. E dá aquela vontade de participar de mais 10 anos de festa!

* Estudante catarinense, está cursando Jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS. Aficcionada por literatura, escreve regularmente para o blog Meia Palavra http://blog.meiapalavra.com.br

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