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Crônica comentada: Não as matem, de Lima Barreto

Crônica comentada: Não as matem, de Lima Barreto

Portal Escrevendo o Futuro

05 de março de 2009

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Na Semana das Mulheres da Comunidade Virtual Escrevendo o Futuro, não podemos deixar de comentar a triste origem do Dia Internacional da Mulher, um terrível acontecimento: em 8 de março de 1857, nos Estados Unidos, operárias de uma fábrica de tecidos entraram em greve, reivindicando a diminuição do horário de trabalho de 16 para 10 horas diárias. Note-se que, além disso, elas recebiam um terço do salário dos homens. As grevistas foram fechadas na fábrica e, de repente, começou um incêndio que matou 130 mulheres.

Temos que reconhecer que, de lá pra cá, a situação mudou bastante e que as mulheres, a cada dia que passa, são mais reconhecidas em sua capacidade e em seus direitos. Essa melhora não foi “de graça”. Muitas mulheres lutaram (sobretudo na primeira metade do século XX), para obter direitos de serem cidadãs tão valiosas quanto seus companheiros, os homens.

O interessante é notar que as mulheres não brigaram sozinhas. A crônica de Lima Barreto, publicada em 1915, demonstra a solidariedade masculina no combate a preconceitos e estereótipos que (muitas vezes, ainda) atingem as mulheres.

Que tal levar “Não as matem” para a sala de aula e trabalhar com este assunto ainda tão atual?

Pense como planejaria uma aula tendo esta crônica como centro e conte para a Comunidade. Todos queremos saber!


Não as matem

Lima Barreto

Esse rapaz que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida, é um sintoma da revivescência de um sentimento que parecia ter morrido no coração dos homens: o domínio, quand même, sobre a mulher.

O caso não é único. Não há muito tempo, em dias de carnaval, um rapaz atirou sobre a ex-noiva, lá pelas bandas do Estácio, matando-se em seguida. A moça com a bala na espinha veio a morrer, dias após, entre sofrimentos atrozes.

Um outro, também, pelo carnaval, ali pelas bandas do ex-futuro Hotel Monumental, que substituiu com montões de pedras o vetusto Convento da Ajuda, alvejou a sua ex-noiva e matou-a.

Todos esses senhores parece que não sabem o que é a vontade dos outros.

Eles se julgam com o direito de impor o seu amor ou o seu desejo a quem não os quer Não sei se se julgam muito diferentes dos ladrões à mão armada; mas o certo é que estes não nos arrebatam senão o dinheiro, enquanto esses tais noivos assassinos querem tudo que é de mais sagrado em outro ente, de pistola na mão. O ladrão ainda nos deixa com vida, se lhe passamos o dinheiro; os tais passionais, porém, nem estabelecem a alternativa: a bolsa ou a vida. Eles, não; matam logo.

Nós já tínhamos os maridos que matavam as esposas adúlteras; agora temos os noivos que matam as ex-noivas.

De resto, semelhantes cidadãos são idiotas. É de supor que, quem quer casar, deseje que a sua futura mulher venha para o tálamo conjugal com a máxima liberdade, com a melhor boa vontade, sem coação de espécie alguma, com ardor até, com ânsia e grandes desejos; como e então que se castigam as moças que confessam não sentir mais pelos namorados amor ou coisa equivalente?

Todas as considerações que se possam fazer, tendentes a convencer os homens de que eles não têm sobre as mulheres domínio outro que não aquele que venha da afeição, não devem ser desprezadas.

Esse obsoleto domínio à valentona, do homem sobre a mulher, é coisa tão horrorosa, que enche de indignação. O esquecimento de que elas são, como todos nós, sujeitas, a influências várias que fazem flutuar as suas inclinações, as suas amizades, os seus gostos, os seus amores, é coisa tão estúpida, que, só entre selvagens deve ter existido Todos os experimentadores e observadores dos fatos morais têm mostrado a inanidade de generalizar a eternidade do amor Pode existir, existe, mas, excepcionalmente; e exigi-la nas leis ou a cano de revólver, é um absurdo tão grande como querer impedir que o sol varie a hora do seu nascimento.

Deixem as mulheres amar à vontade.

Não as matem, pelo amor de Deus!

Vida urbana, 27-l-1915

Encontrado em
Domínio Público


Lima Barreto

Jornalista e importante escritor do início do século XX no Brasil, Afonso Henriques Lima Barreto foi um severo crítico dos preconceitos que marcavam a sociedade brasileira da época.

Lima Barreto, nascido em 13 de maior de 1881, era filho de um mulato que nasceu escravo e tornou-se livre, e de uma professora, filha de escravos, que faleceu quando ele ainda era criança. Sua origem parece ter sido a causa de sua rebeldia contra os valores de uma sociedade dirigida por antigos senhores de escravos. Ele teve oportunidade de estudar, em parte por ser filho de uma professora, em parte por ter sido afilhado de uma figura importante, o Visconde de Ouro Preto. Frequentou o colégio Pedro II, reduto da elite econômica do país e ingressou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Abandonou o curso para sustentar os irmãos quando seu pai enlouqueceu. Mais tarde, conseguiu entrar para o Ministério da Guerra, trabalhando como escriturário. Também passou a colaborar com jornais e a escrever romances, dos quais o mais importante é “O triste fim de Policarpo Quaresma”. Leitor voraz, foi um dos poucos, em sua época, a ler escritores russos. Era criticado pelos escritores de seu tempo por não escrever de acordo com o estilo empolado que vigorava e usar uma linguagem mais coloquial. Sua obra traz uma crítica contundente aos valores de sua época. Morreu ainda jovem, aos 41 anos, depois de sofrer com crises de depressão e com o alcoolismo.

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