Volta às aulas: a importância do planejamento docente
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biblioteca / textos literários
Cristiano Mascaro
04 de agosto de 2023
Não sei como acontece com outros artistas, os pintores com seus pincéis, os escultores com seus cinzéis, os gravadores com suas goivas. No entanto posso assegurar que nós, fotógrafos, desenvolvemos uma enorme e saudável relação de afeto com nossas câmeras fotográficas. Certamente porque elas estão permanentemente por perto, ao alcance de nossas mãos. Não podemos nos afastar. Estão sobre a mesa de trabalho, dentro da mochila, na bolsa a tiracolo e quase sempre bem pertinho, colada em nossos rostos ou pendurada no pescoço, roçando no coração.
E, se porventura, for uma Leica, é caso de paixão. Não é para menos. Foram essas câmeras miúdas, que cabem na palma de nossas mãos, que libertaram os fotógrafos pioneiros - Cartier-Bresson, inclusive - da ditadura dos equipamentos enormes, obrigatoriamente apoiados em um pesado tripé. Daí, descobriram a rua. Podiam caminhar livremente pelas calçadas e fotografar ao mesmo tempo, surgindo assim o que talvez tenha sido uma de suas maiores descobertas: registrar a vida como ela é. Não somente os grandes acontecimentos, as guerras e as catástrofes naturais, mas sobretudo a vida cotidiana, revelando e tornando grandiosas as miudezas do dia-a-dia.
Hoje, tenho duas câmeras Leica que me acompanham em meus trabalhos, o que me dá uma sensação de segurança, uma certeza de que tudo irá correr bem. Não me desgrudo. Mas sei que em um futuro muito próximo talvez tenha de abandoná-las. Essa infernal tecnologia digital avança vertiginosamente, os meus filmes estão cada vez mais raros e, dessa forma, já me vi obrigado a comprar um trambolho de 21,5 megapixels. É um horror!
Mal desenhado, pesa uma enormidade, tem exatos 22 botões para acessar suas múltiplas funções, a maioria delas dispensáveis, além de uma alavanca de “liga” e “desliga”. Sem comentar que me obriga a carregar, quando viajo, uma quantidade inacreditável de cabos, baterias, laptops, noves fora seu recurso mais brochante: poder ver, imediatamente, o que acabei de fotografar.
Com minha Leica isso é impossível, felizmente. Dessa forma, não tenho a certeza imediata de nada e, assim, posso me concentrar em meu trabalho como nunca. Sei que a cada disparo não poderei voltar atrás, o que me torna mais seletivo e rigoroso - isto é, mais senhor do que estou fazendo. Opto pela incerteza, na contramão daqueles que jamais trocariam o certo pelo incerto. Mas a fotografia na qual acredito é assim mesmo. É a expressão de uma atitude drástica, resultado de uma busca onde há mais surpresas do que certezas.
Cartier-Bresson, Robert Capa, Eugene-Smith, Thomas Farkas, Pedro Martinelli e tantos outros, todos com suas Leicas na linha de mira, não me deixariam mentir ou exagerar.
Publicada originalmente pelo jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais, em 23 de dezembro de 2008.
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