Saltar para o conteúdo Saltar para o menu Saltar para o rodapé

biblioteca / sobre o Programa

“Eu queria que eles respirassem cordel”

José Gilson Lopes Franco / Edição: Camila Prado

07 de agosto de 2023

 

Quando o professor José Gilson Lopes Franco disse isso, tinha o objetivo de poetizar os espaços da escola para melhorar questões de letramento de suas três turmas do 7º ano da Escola de Tempo Integral Dom Antônio de Almeida Lustosa, em Fortaleza (CE). Mas, para a surpresa dele, as sextilhas produzidas em seu projeto ‘Literatura de Cordel: Um caminho para o ensino da escrita’ saíram dos cadernos para ecoar bem mais longe. José Gilson não sonhava que, ao respirar cordel, as crianças levariam mais poesia para suas vidas e para o mundo afora!

 

“Eu não pensava em formar grupo de cordel. Pensava em melhorar a leitura e a escrita dos meus alunos. Quando escolhi o gênero, era pela oralidade, por ser um tipo de linguagem coloquial, muito próxima da fala deles. Não queria nada muito rebuscado, aquela fala muito planejada. E os alunos em momento algum resistiram ao projeto porque eles são muito poetas! Gostam da sonoridade, da musicalidade do poema e da busca pela rima ideal. Na casa deles, o cordel é algo muito presente, vem de gerações.

A gente fez questão de que eles lessem alguns poemas para os pais que, mesmo muitos não sendo letrados, se identificam bastante com a oralidade, com o saber dizer de cor. Foi também uma maneira de levar leitura para casa e estabelecer vínculo com as famílias. Estamos em uma área social muito vulnerável, o Bom Jardim, conhecido como o bairro do ‘Vixe’ –, daí já se vê a pecha de preconceito, que a gente vai desconstruindo. Às vezes começamos com um objetivo e vamos muito longe por conta dos diversos desdobramentos.

É claro que os alunos também têm que perceber que o professor está contagiado com a ideia do projeto. Pôr o chapéu, declamar, ir para o meio deles, preparar a sala, vestir os meninos e meninas de Lampião e Maria Bonita, fazer varal e mala de cordéis. Isso tudo cria uma energia muito especial! Assim, o projeto possibilitou uma leitura mais próxima sobre a situação de letramento de cada um dos meus 114 alunos. Havia meninos que estavam para ser alfabetizados ainda. A gente colocou-os em letramento; fizemos o nivelamento deles. E o que possibilitou essa visão foi o cordel. Outros professores também estiveram conosco. Estudamos a história do cordel, trabalhamos o tema das variedades linguísticas da língua portuguesa também. Todos participaram. Aqueles meninos não são só meus.

Nas oficinas, usei temas livres. E essa liberdade foi uma abertura para reverberar a fala deles. Pelas palavras eles se afirmavam como sujeitos. Na hora de escrever o texto coletivo, por exemplo, foi uma loucura para mediar os turnos de fala. Fiz combinados, e até usei um chocalho para assegurar a participação valiosa de cada um. Todos queriam improvisar ao mesmo tempo na rima. E tem hora que a rima vai para onde você não queria – do tipo ‘Batatinha quando nasce, jacaré não tem pescoço’ ou ‘Se tu me amas, por que roubou meu patinete?’ – e o professor tem que ser um grande articulador da linguagem, trazer a turma de volta. 

Tem também a questão do didatismo do cordel. A ideia de que ele pode trabalhar qualquer tema, inclusive ele mesmo:

A sextilha é uma estrofe / Que mostra no seu contexto / Seis versos de sete sílabas / E apresenta no seu texto / Rimando o segundo verso / Com o quarto e com o sexto // Na construção da sextilha /
Os versos ímpares que são: / O primeiro, o terceiro e o quinto / Desses, a sua função / É dar sequência ao assunto / Também chamado de oração.

Isso é muito didático, é a metalinguagem, é o cordel para ensinar o cordel. 

Tive bastante dificuldade com a reescrita. Se escrever é difícil; reescrever, mais ainda. É braçal. Eles esperam uma nota, anotações em vermelho. Mas receber um bilhete orientador inaugura uma interlocução aluno-professor, uma relação colaborativa. Aos poucos, fui conseguindo convencê-los. Valorizei muito os textos, dei uma dimensão macro para eles. Os revisados foram publicados em pequenos livretos de cordel, expostos no pátio da escola. A turma que a gente menos esperava, foi a que teve uma participação maciça na produção de textos.

Agora é um projeto da escola, não mais do professor. O que mais me surpreendeu foi isso, eles terem a iniciativa de formar um grupo de cordelistas não apenas do 7º ano, mas com os pequeninos do 6º e os maiores do 8º e do 9º anos. Tem mais de 30 estudantes no grupo já, e é uma disputa para entrar. Eles já têm agenda para apresentações em outras escolas e eventos. Às vezes tem que arranjar um ônibus para o povo todo ir, ou juntam-se 5 ou 6 carros dos professores. Inicialmente eles levavam o que estavam produzindo, mas agora eles declamam mais os clássicos. Patativa do Assaré, Leandro Gomes de Barros, Bráulio Bessa... Inclusive, num lançamento de livro do Bráulio, em Fortaleza, eles pararam uma fila de autógrafos para declamar para o próprio autor. Bráulio ficou visivelmente emocionado. Ouvir a sua poesia dita pela voz de crianças de 11, 12 anos foi muito impactante. E a menina disse o cordel todinho.

Esse envolvimento vai poetizando tudo. A vida muda, pelo contato com o autor, com o texto, com outros que declamam também. Planejamos chegar a um objetivo e atingimos vários outros. O cordel surge como um feixe de luz naquele lugar de estigmas, marcado pelas matizes perversas da violência, e ainda leva essa poesia para outras escolas.

___________________

Assista ao vídeo da mesa que o professor José Gilson integrou durante o Seminário Nacional Escrevendo o Futuro:

 

Acompanhe as novidades

Imagem de capa de Volta às aulas: a importância do planejamento docente
especiais

Volta às aulas: a importância do planejamento docente

Veja materiais selecionados para te apoiar na organização do trabalho letivo

planejamento docente, gestos didáticos, sequência didática, planejamento de aula

Imagem de capa de Poemas de Luiz Gama
textos literários

Poemas de Luiz Gama

Leia três poemas do escritor que introduziu a voz negra na literatura brasileira

poesia, texto literário, Luiz Gama, poema

Imagem de capa de Campanha: atualize seus dados de raça/cor no cadastro do Portal
sobre o Programa

Campanha: atualize seus dados de raça/cor no cadastro do Portal

Veja como atualizar suas informações e saiba mais sobre o processo de autodeclaração

Imagem de capa de Na Ponta do Lápis: revista chega ao número 40 com edição especial sobre culturas indígenas
sobre o Programa

Na Ponta do Lápis: revista chega ao número 40 com edição especial sobre culturas indígenas

Confira os conteúdos sobre línguas e literaturas indígenas de autoras(es) de diversas etnias do país

literatura indígena, formação docente, revista NPL, educação para as relações étnico-raciais, línguas indígenas

Comentários


Ninguém comentou ainda, seja o primeiro!

Ver mais comentários

Deixe uma resposta

Olá, visitante. Para fazer comentários e respondê-los você precisa estar autenticado.

Clique aqui para se identificar
inicio do rodapé
Fale conosco Acompanhe nas redes

Acompanhe nas redes

Parceiros

Coordenação técnica

Iniciativa

Parceiros

Coordenação técnica

Iniciativa


Objeto Rodapé

Programa Escrevendo o Futuro
Cenpec - Rua Artur de Azevedo, 289, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 05.404-010.
Telefone: (11) 2132-9000

Termos de uso e política de privacidade
Objeto Rodapé

Programa Escrevendo o Futuro
Cenpec - Rua Artur de Azevedo, 289, Cerqueira César, São Paulo/SP, CEP 05.404-010.
Telefone: (11) 2132-9000