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biblioteca / educação e cultura

Colóquio Internacional Antonio Candido

Marina Almeida

07 de agosto de 2023

Em palestra realizada no Itaú Cultural, em São Paulo, o ensaísta e músico José Miguel Wisnik falou sobre como a concepção de literatura de Candido está ligada ao valor que ele dava ao ensino, que dizia ser sua “mais importante contribuição social”

 

“Mais de uma vez, em conversas e entrevistas, Antonio Candido disse que ser professor foi sua maior vocação e a mais importante contribuição da sua vida intelectual”, lembrou o músico, ensaísta e professor aposentado de literatura brasileira, José Miguel Wisnik. A partir da obra do crítico literário e do contato com ele como seu aluno na graduação e na pós-graduação, Wisnik falou sobre como a concepção de literatura do intelectual está diretamente relacionada à importância que ele dava ao ensino. A palestra sobre a pedagogia de Candido foi realizada dia 25 de maio no Colóquio Internacional, organizado pelo Itaú Cultural em comemoração à exposição sobre o crítico literário.

Em sua fala, Wisnik mostrou como o trabalho teórico do professor tem em seu horizonte a realidade de um país com baixo letramento e como isso afeta a literatura brasileira de maneira geral. A pedagogia de Candido, sua disposição, suas atitudes e seu método de ensino, portanto, estão ligados a essa consciência de uma precariedade do letramento e da literatura no país.

Em Formação da Literatura Brasileira, Candido fala sobre o caminho de constituição de uma literatura nacional, que consiste em um “sistema de obras ligadas por denominadores comuns”, como autores, obras e público integrados. Dessa forma, há produções isoladas, não participantes desse sistema, chamadas de “manifestações literárias”. O autor traça um paralelo entre vida literária e cidadania plena, direitos humanos e escolaridade pública, mas que não se dá no Brasil. “Já formado, nosso sistema literário coexistia com a escravidão e outras anomalias, traços de uma sociedade nacional que até hoje não se completou sobre o aspecto da cidadania, e talvez não venha a se completar”, lembra Wisnik. Ele cita como exemplo Machado de Assis, que tem consciência de todo esse processo de formação literária e incorpora-o à sua obra de forma muito elevada, ao mesmo tempo em que vive em uma sociedade escravista e precariamente letrada.

Tradição oral e baixo letramento

Em Literatura e Sociedade, Candido volta a falar do pouco letramento brasileiro ao apontar que a literatura, aqui, circulava primordialmente pela tradição de auditório, recitativa, e pela musicalização das obras, que se difundem mais assim que pelo texto escrito. As edições de livros eram escassas, mas as serenatas e saraus cumpriam essa função. “Encarar a realidade literária do Brasil é considerar o peso da oralidade, que é dominante eexigente”, diz o músico e ensaísta.

Já no século XX, o autor viu a ampliação da escolaridade no Brasil, o que poderia aumentar o número de leitores. Mas o período também foi um momento de grande ampliação dos meios audiovisuais, o rádio, o cinema, o teatro, a história em quadrinhos... “Candido nem se refere ainda à televisão, mas sabemos seu papel esua onipresença no Brasil”, ressalta Wisnik. Assim, o país dá um salto direto dessa tradição de base oral para a dos meios audiovisuais de massa, sem passar pela consolidação do livro. “Não passamos pelo estágio ilustrado do livro, que tem sua exigência de concentração espiritual, de disciplina de interiorização e, ao mesmo tempo, de atenção e imaginação que a literatura promove, e pede”, diz.

Ele ainda lembra que o intelectual conviveu com nomes como Mario e Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, e viu surgir Guimarães Rosa e Clarice Lispector. “É um período no qual o Brasil conviveu com a presença de uma grande literatura, sem ter propriamente ultrapassado o baixo letramento. Poderíamos esperar que aquele fosse um momento de superação de nossa defasagem, mas ela não se deu”.

Literatura desagregada

Para Wisnik,o Brasil hoje parece se aproximar de uma espécie de volta às manifestações literárias, em oposição a um sistema literário constituído. “Vejo um caráter algo desagregado, errático ou sem um acompanhamento crítico. Isso está ligado à desativação dos cadernos culturais no Brasil, à substituição das resenhas pelos press releases... Há um mercado cultural, sem dúvida, exuberante até, mas não propriamente um sistema literário naquele sentido proposto por Candido”, acredita. E nossa defasagem de base na escolaridade,no acesso à cidadania e aos direitos têm relação direta com esse cenário.

É consciente de tudo isso – de que a literatura depende das condições de cidadania e justiça social de um país para crescer, e, por outro lado, de que o ensino de literatura é capaz de fazer avançar a vida pública – que Antonio Candido se dedica à educação. Ele vive a dimensão política de sua atividade intelectual como professor. “Candido tem em seu horizonte a possibilidade de que o ensino, o livro e a leitura são capazes de ampliar repertórios e produzir emancipação social”, aponta Wisnik.

É consciente de tudo isso – de que a literatura depende das condições de cidadania e justiça social de um país para crescer, e, por outro lado, de que o ensino de literatura é capaz de fazer avançar a vida pública – que Antonio Candido se dedica à educação.

Método de ensino

E como essas concepções de ensino aparecemna prática didática de Candido? Por compreender nossas deficiências educacionais, ele buscava dirigir a aprendizagem de modo a facilitar a transição de seus alunos que saíam de um curso médio precário para enfrentar o exigente ensino superior da USP.Em sua fala, Wisnik recupera um depoimento de Florestan Fernandes em que ele dizia que Antonio Candido descobriu que era professor por vocação e calibrou sua imaginação pedagógica a partir daquele que devia aprender, nunca do que ele devia ensinar. Assim, é a partir das necessidades e dificuldades do aluno que o professor vai elaborar sua aula e não o contrário. Ser professor é se formar continuamente e formar continuamente, dizia Candido.

“Essa atitude pedagógica supõe que ele está lidando com uma defasagem constitutiva, que atualiza aquelas defasagens reconhecidas no processo de formação da literatura do Brasil”, aponta Wisnik. Portanto, o combate a essa disparidade, que aparece no projeto pedagógico de Candido, tem um viés crítico e emancipatório.

Antonio Candido descobriu que era professor por vocação e calibrou sua imaginação pedagógica a partir daquele que devia aprender, nunca do que ele devia ensinar.

Na sala de aula

Um dos marcos da atuação do crítico no ensino de literatura foi priorizar a análise textual, mais que o estudo de biografias de autores e características de períodos literários, como era usual.Em depoimento no site do Itaú Cultural, Wisnik chamou a atenção para a forma como o crítico concebia o texto literário: como algo que tem uma autonomia relativa e uma dinâmica própria. É preciso, portanto, ler ou analisar o texto internamente, mas também ter consciência de que ele não está isolado da sociedade e das condições em que ele foi gerado. “Há fatores externos que, embora não propriamente dentro do texto, estão interagindo e se relacionando dialeticamente com ele. É um princípio simples, o difícil é realizá-lo, conseguir estabelecer o ponto de equilíbrio entre crítica formal interna e uma crítica histórico-social”, diz Wisnik.

Ele ainda ressalta como Candido era capaz de usar uma linguagem clara sem, por isso, simplificar a discussão. Essa opção também fazia parte de sua concepção de democratização do acesso à literatura, para que aquele conteúdo pudesse ser acessado pelo maior número possível de pessoas.

Na palestra, Wisnik lembrou a clareza com que o professor Antonio Candido expunha o conteúdo de suas aulas e sua elegância corporal: “ele dava em aula de pé, mas tinha uma espécie de coreografia em seus movimentos pela sala que eu não via nos outros professores”. Candido iniciou suas atividades docentes em 1942, como professor assistente de sociologia na USP. Entre 1958 e 1960, lecionou literatura brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis (SP). Ele retornou à USP em 1961, já como professor de literatura e, entre cursos no exterior, lecionou até 1978 quando se aposentou, embora tenha continuado ligado à pós-graduação.

Candido era capaz de usar uma linguagem clara sem, por isso, simplificar a discussão. Essa opção também fazia parte de sua concepção de democratização do acesso à literatura, para que aquele conteúdo pudesse ser acessado pelo maior número possível de pessoas.

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