Volta às aulas: a importância do planejamento docente
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Mais de uma década depois de sua promulgação, a Lei 10.639, que instituiu o ensino obrigatório de cultura africana e afro-brasileira na educação básica, ainda enfrenta obstáculos para ser colocada em prática nas escolas - e o preconceito é um deles
Segundo dados de 2014 do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 53% da população brasileira é negra, ou seja, se autodeclara preta ou parda. Apesar de serem maioria numérica, os negros são cotidianamente desafiados por uma sociedade excludente, que manifesta seu preconceito em diferentes esferas e instituições, inclusive na escola. Há incontáveis exemplos na mídia: em 2013, a diretora de uma escola em Guarulhos, São Paulo, solicitou a uma mãe que cortasse o black power do filho, com a justificativa de que o cabelo atrapalhava a visão do menino. No mesmo ano, a direção de uma escola do Rio de Janeiro proibiu a realização de uma exposição de cartazes que resultaram de um estudo sobre a mitologia dos orixás e o depoimento frustrado do professor responsável viralizou na internet. Em 2015, mensagens de ódio contra alunos negros foram pichadas no banheiro de uma grande universidade da capital paulista - uma delas dizia “devolvam os pretos pra senzala”. Foi somente em 2016 que a Fuvest, fundação que realiza vestibular para ingresso na Universidade de São Paulo, incluiu pela primeira vez um autor africano, o angolano Pepetela, na sua lista de leituras obrigatórias.
Marco do percurso para transformar a realidade descrita acima foi a promulgação pelo governo brasileiro, em janeiro de 2003, da Lei nº 10.639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases, instituindo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira no currículo dos ensinos Fundamental e Médio. O texto ainda garante que os conteúdos que contemplam as relações étnico-raciais sejam discutidos de maneira transversal, em todas as áreas do conhecimento, mas com enfoque maior nas disciplinas de Educação Artística, Literatura e História.
Para especialistas, de fato a 10.639/2003 representa avanços no sentido da construção de uma sociedade mais democrática. Vale ressaltar ainda que a lei não é uma concessão, mas fruto de uma luta ostensiva do movimento negro para conquistar representatividade dentro da escola. De acordo com o sociólogo Sales Augusto dos Santos, a princípio, o ensino formal foi encarado pelos negros como uma forma de ascensão econômica e social, mas eles também concluíram que a escola, como uma instituição concebida pelas elites, perpetuava preconceitos: “ao perceberem a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram [a partir da década de 1950] a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado, no que tange à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira”. Mais tarde não foi diferente: nos anos 1970, em plena ditadura militar, o movimento negro também divulgou uma carta de princípios em que solicitava a revisão do olhar sobre o negro na educação brasileira.
Apesar, portanto, da força simbólica, a Lei 10.639 é ponto de partida e não de chegada para ações e práticas inclusivas dentro da escola e, após mais de uma década de aprovação, os desafios para sua adoção efetiva ainda são inúmeros. Nesse contexto, é preciso agir de modo crítico, tal como afirma a professora emérita da Universidade Federal de São Carlos e ex-conselheira do Conselho Nacional de Educação Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva “é complexa, mas não impossível, a tarefa de tratar de processos de ensinar e de aprender em sociedades multiétnicas e pluriculturais, como a brasileira. Abordá-los requer de nós, professores e pesquisadores, não fazer vista grossa para as tensas relações étnico-raciais que ‘naturalmente’ integram o dia-a-dia de homens e mulheres brasileiros”.
Reconhecimento da diversidade
O debate sobre a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira ganhou força recentemente com a discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular (que determina os conteúdos fundamentais que devem ser abordados em cada ano da Educação Básica e quais saberes os estudantes devem construir ao longo de sua trajetória escolar da Educação Infantil ao Ensino Médio), cujo texto, em fase final de elaboração, privilegia a história do Brasil e da África em relação a alguns tópicos da História Geral. Apesar do esforço, impulsionado desde 2003, para criar diretrizes que orientem o trabalho das instituições, pesquisas recentes apontam as principais dificuldades dos professores e gestores para que a legislação seja aplicada à sala de aula. Entre elas estão a falta de material didático e de financiamento de pesquisa acadêmica na área, a carência de formação dos professores e o preconceito de famílias e até de coordenadores e gestores. André de Godoy Bueno, professor de Língua Portuguesa, investigou em seu mestrado o quanto professores do Ensino Fundamental II da rede pública da região metropolitana de São Paulo trabalhavam com literaturas africanas e afro-brasileiras em suas turmas.
Todos os professores entrevistados por André declararam ter conhecimento da Lei 10.639 e reconheceram sua importância, mas 40% afirmaram que nunca receberam formação em literaturas africanas e afro-brasileiras e 30% responderam que não realizam nenhuma ação escolar para a discussão sobre as relações étnico-raciais. Parte da explicação para esses números está também no currículo das universidades. No bacharelado em Letras na Universidade de São Paulo, há poucas disciplinas voltadas para o estudo de literaturas africanas em língua portuguesa, mas que não são obrigatórias e não abordam diretamente questões ligadas ao ensino. Para além dos números, na pesquisa realizada pelo professor André de Godoy também são recorrentes os relatos de preconceito por partes de alunos e gestores que se recusaram a apoiar ou participar de projetos que discutem a temática das culturas africana e afro-brasileira. Quer dizer, ainda há um obstáculo central que é o reconhecimento da diversidade: “A sociedade brasileira sempre foi multicultural, desde os 1500 (...). No entanto, esta diversidade não foi e hoje o é, com muita dificuldade, aceita. Fala-se e pensa-se como se a realidade fosse meramente uma construção intelectual; como se as desigualdades e discriminações, malgrado as denúncias e reivindicações de ações e movimentos sociais não passassem de mera insatisfação de descontentes”, afirma a professora Petronilha Gonçalves. Como ela mesma defende, criar escola que respeite os plurais de nossa sociedade não é impossível, mas, sem dúvida, ainda é uma tarefa complexa. Quer dizer, para progredir é necessário superar o mito da democracia racial e ir além das abordagens superficiais que limitam e estereotipam (futebol, samba, Carnaval) a contribuição da cultura negra para a formação da identidade brasileira.
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