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biblioteca / educação e cultura

Breve história das origens do samba

Luiz Henrique Gurgel

07 de agosto de 2023

Ele não surgiu como música de Carnaval, mas acabou se transformando no mais famoso ritmo dessa festa. Suas origens vêm da longa fusão de ritmos e estilos musicais variados, com predomínio dos de origem africana, saídos do meio rural para as áreas urbanas brasileiras.

 

É difícil estabelecer com precisão como ocorreu a fusão dos ritmos e danças africanas com os ritmos e danças de indígenas e de europeus que geraram a música brasileira, especialmente o samba. Claro que ninguém fica pensando nisso enquanto sai às ruas para brincar o Carnaval ou para assistir às apresentações das escolas. 

Mas como qualquer transformação cultural, essas misturas foram lentas. O que se sabe é que desde o início da colonização índios, portugueses e africanos viveram em permanente contato – com todos os conflitos que esse tipo de situação provocada pela invasão europeia podia oferecer. Todos cantavam porque deviam sentir saudades, como dizia um importante pesquisador da cultura popular brasileira, Sílvio Romero. Afinal, portugueses estavam longe de seus lares; indígenas viam suas terras serem saqueadas; e africanos foram sequestrados, escravizados e trazidos para um outro mundo. Dessa complicada e lenta fusão foram se formando nos séculos seguintes nossos ritmos e canções populares.
 

Em princípio, o pano de fundo dessas transformações foi o mundo rural, o universo da lavoura, do engenho, depois também o da mineração. Até o início do século XVIII, o Brasil tinha três centros urbanos significativos: Rio de Janeiro, Salvador e Olinda/Recife. Portanto, os principais contatos até esse período aproximado se davam no meio rural.

 

Um dos mais importantes pesquisadores a tratar das origens e das conformações da música popular brasileira, José Ramos Tinhorão, recorre, numa de suas principais obras, “Os sons dos negros no Brasil” (1988), a variadas fontes de pesquisa para apresentar uma construção musical genuinamente brasileira, que não é nem europeia, nem africana, nem indígena. Ele se utiliza em sua pesquisa de cartas de missionários jesuítas, pinturas, poemas de Gregório de Matos e relatos de viajantes. Tinhorão mostra como os rituais religiosos trazidos pelos africanos escravizados, apesar de proscritos, vão pouco a pouco se transformando em ritmos, coreografias e cantos autônomos, inicialmente cultivados pela população mestiça e, posteriormente, também aparecendo nos teatros e nas casas dos brancos, já sob a forma de canções ou danças como a fofa, o lundu e o fado.O autor ainda aborda os autos de coroação dos reis do Congo, que darão origem ao maracatu pernambucano e ao afoxé baiano, e os cantos de trabalho dos escravos no campo e nas cidades.

 

Chamado genericamente pelos europeus de batuques, esses sons vindos da África tinham, sobretudo, caráter religioso, e eram terminantemente proibidos e perseguidos pela Igreja e por autoridades locais. Mesmo assim, muitos brancos participavam desses rituais. “É ao poeta Gregório de Matos Guerra (1636-1696) que se devem, de fato, as mais antigas referências à realização dessas cerimônias religiosas que por incluírem a invocação das entidades chamadas calundus [divindade secundária responsável pelo destino de cada pessoa], acabariam passando esse nome aos sons de seus batuques”.  Nos versos de “Preceito 1”, citados pelo pesquisador, o poeta baiano faz menção à participação de brancos nas danças rituais dos calundus. Apesar do caráter religioso desses encontros, a descrição de Gregório se aproxima de uma festa:

                                  

                                   “Que de quilombos que tenho

                                   com mestres superlativos

                                   nos quais se ensinam de noite

                                   os calundus, e feitiços,

                                   com devoção os frequentam

                                            mil sujeitos femininos,

                                   e também muitos barbados

                                   que se prezam de narcisos.

                                   Ventura dizem que buscam;

                                   não se viu maior delírio!

                                   eu, que os ouço, vejo, e calo

                                   por não poder divertí-los.

                                   O que sei é que tais danças

                                   Satanás anda metido

                                   e que só tal padre-mestre

                                   pode ensinar tais delírios.

                                   Não há mulher desprezada,

                                   galã desfavorecido,

                                   que deixe de ir ao quilombo

                                   dançar o seu bocadinho.”

                       

O chamado calundu não é o pai do lundu, ritmo muito popular até o começo do século 20, especialmente sua forma lundu-canção. As duas palavras possuem apenas uma proximidade sonora. Mas é Gregório quem usa, em outros versos, lundu como sinônimo de calundu. Aliás, o baiano teve, entre tantos apelidos, o de ‘Homero do Lundu’. 

Ainda segundo Tinhorão, desde o início dos setecentos, os batuques não mais se restringiam aos terreiros de negros escravos, mas pela adesão de brancos e mestiços, já se expandiam passando também a ser cultivados entre as heterogêneas camadas mais baixas das zonas urbanas de cidades e vilas, e não apenas com sentido religioso, mas também de lazer.

 

O Samba: o grande herdeiro dos batuques dos séculos XIX e XX

 

Além do lundu, os batuques geraram uma série de danças que ficariam como expressões quase exclusivas de negros e mestiços do campo e das cidades no Brasil.

A provável primeira menção ou primeiro registro da palavra “samba” apareceu no jornal satírico ‘O Carapuceiro’, editado em Pernambuco entre 1832 e 1842, pelo Pe. Lopes Gama. Numa edição de 1838, o padre fala em “samba d’almocreves’, designando o estilo como algo próprio das “gentes mais baixas das periferias” e do meio rural (almocreve é o sujeito que lida com mulas) em contraponto aos estilos cultuados nos salões: as operetas, polcas, valsas e o lundu amaneirado para a aristocracia, o lundu-canção. 

A transformação dos batuques – algo que devia parecer caótico na visão dos europeus - dos primeiros tempos da colonização em rodas de danças com alguma ordem coreográfica, sob o nome de sambas, deve ter acontecido de fato na área rural, afirma Tinhorão. Para ele, a vida nos pequenos centros urbanos do mundo rural ainda era “tão tatamba (ignorante, tola, ingênua) que a maior diversão - inclusive dos brancos - continuava a ser os batuques dos negros, a cujas rodas se achegaram eles mesmos como espectadores participantes, sem o preconceito das gentes das cidades, onde tais sambas só se admitiam longe das salas, nos redutos da gente negro-mestiça ou branca das mais baixas camadas da sociedade”. 

Na literatura brasileira - em livros de José de Alencar, Júlio Ribeiro entre outros – há inúmeras descrições a revelar que nas rodas de danças de negros da área rural, se criava um intercâmbio cultural provocado por aquela proximidade física das famílias brancas dos proprietários com seus escravos e colonos.

 

Levado aos poucos para os meios urbanos, o samba fixou-se mesmo como principal ritmo do Carnaval, ao lado das marchinhas, no Rio de Janeiro, no final dos anos de 1920. Nessa época nascem as primeiras escolas de samba, surgidas da união de grupos e blocos carnavalescos das áreas mais populares e suburbanas da então capital do país. Era gente que queria se divertir com o samba, algo bem diferente do Carnaval das elites, em que se chegava a tocar trechos de óperas nos desfiles, corsos e festas em clubes privados. Na era do rádio, a partir dos anos de 1930, e com a popularização do disco, o ritmo se espalharia pelo Brasil, tornando-se o gênero predominante nas festas do Rei Momo.

 

Clique aqui para saber mais sobre outras histórias curiosas que tratam das origens do Carnaval brasileiro.

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