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sua prática / relatos de prática

A fonte que a montanha guarda

Juliana Wilczek de Oliveira

08 de agosto de 2023

EEEF Inácio Schelbauer

Rio Negro - PR

Sabiamente, a poetisa paranaense Helena Kolody escreveu o poema Âmago, que diz: “Quem bebe da fonte/ Que jorra na encosta/ Não sabe do rio/ Que a montanha guarda.”.* Apesar de conhecer a proposta da Olimpíada de Língua Portuguesa e me inscrever a cada nova edição, não me sentia suficientemente encorajada a abraçar a sequência didática de cada categoria até o fim.

Assim sempre me mantive como coadjuvante nos bastidores, apoiando outros professores, até que em 2014 participei do Encontro Regional de Crônica como professora representante da Escola Estadual Inácio Schelbauer, de Rio Negro-PR.

Nesse encontro bebi a água direto da fonte! Uma água pura que lavou medos e inseguranças, impelindo-me a ser protagonista do meu próprio trabalho em 2016! Ah! Como pude não trabalhar Memórias Literárias antes? Logo eu que há anos dedico-me também como pesquisadora da história e memória local?

A empreitada desafiadora: duas turmas de 30 alunos, do 7º ano! A dificuldade inicial foi desviar a atenção dos alunos, tão acostumados ao imediatismo das tecnologias, para pacientemente olhar para o próprio âmago, ou seja, suas origens.

Mas a sede daquela água secava a garganta! Como não me deixar seduzir pela sequência didática proposta pela equipe da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro? Uma fonte que bebemos e a qual conduzimos nossos alunos a desvendarem as cortinas do passado, através de oficinas muito bem elaboradas e textos que encantaram até os que não gostavam de ler. Apresentei-lhes a proposta de produção de Memórias Literárias, um gênero até então desconhecido por eles e anotei algumas impressões, como a do Maicon: “Quando a professora começou a falar, não entendi nada! De repente também quis experimentar aquela água, nadar no rio escondido atrás da montanha...”. Já a Nayara, mais relutante: “pra falar a verdade, no começo eu estava achando bem chato, demorei muito pra sentir sede desserio”.

Comecei contando fatos do meu passado e logo surgiram relatos, ainda tímidos, de alguns alunos. A compreensão do gênero veio com a leitura dos textos da coletânea, como “Transplante de Menina”, de Tatiana Belinky. Muitos alunos até procuraram o livro na biblioteca pra ler. Pensei: pesquei-os!

As águas tornaram-se turbulentas com as entrevistas, pois alguns alunos, reticentes em conversar com pessoas mais velhas, acreditavam que elas não tinham  nada interessante para dizer. Na primeira tentativa, nem tudo foi cascalho. Algumas “pepitas” surgiram e pudemos organizar um quadro comparativo com o qual construímos um pequeno texto.

Sabia que precisávamos melhorar as entrevistas, pois boas entrevistas dão bons textos. Assim, individualmente e em grupos, fomos aprofundando os temas. Trabalhar o foco narrativo de 3ª para a 1ª pessoa, na transcrição das entrevistas, exigiu muita escrita e reescrita. O texto “Como num filme”, de Antônio Gil, foi fundamental para esclarecer as dúvidas e vencerdificuldades.

A descrição deu mais trabalho. As oficinas iniciaram-se bem quando começou a esfriar muito aqui no sul e, numa manhã de geada, contei-lhes como eram os dias de frio na minha infância. Surgiu um bom tema pra entrevista e, apesar do frio, senti o calorzinho da animação e o resultado foi surpreendente, com relatos e descrições. A partir daí, com temas semanais para as entrevistas, seguidos de produção de texto, os alunos foram adquirindo confiança e aprendendo os conceitos e a estrutura de um texto de memórias.

A correnteza foi ficando mais rápida, os textos foram sendo aprimorados e, de oficina em oficina, o rio foi tornando-se caudaloso com águas ora tranquilas, ora agitadas.

E mergulhamos de verdade! Feliz e já muito segura, trouxe mais de 200 fotografias antigas da cidade e as mostrei no data show. O que parecia ser uma cascata de informações e descobertas, não passou de uma poça de água parada. Não sei o que houve, mas o excesso de água encharca, a gente escorrega ou atola! Essa experiência me mostrou que era necessário selecionar melhor o material e buscar outras formas de atrair e prender a atenção dosalunos.

" Dei-lhes então de beber direto da fonte: a coletânea de textos finalistas de 2012 e 2014. Eles se encantaram com as memórias produzidas por alunos com a mesma idade deles, como “Pedra consinada” e “O bailarino e a cerejeira”. Compreenderam finalmente que, com mais empenho, poderiam também transformar fragmentos de memórias dos entrevistados em textos que encantassem a alma!. Esse encontro com jovens autores de tantos lugares do Brasil foi o divisor de águas no meutrabalho!

E como nos versos de Helena Kolody, eu bebi da fonte em 2014, mas o rio que descobri guardado na montanha, em 2016, foi de uma imensidão que jamais esperei! O trabalho com as oficinas me conduziu a uma pesca farta: alunos que eu não esperava uma qualificação, por conhecer suas limitações, foram escrevendo cada vez melhor, animados por descobrir que suas famílias também tinham histórias de vidainteressantes!

Ao olhar novamente o rio, vejo sete peixinhos nadando contra a correnteza, sete alunos que não entregaram o texto final. Mas os 53 que conseguiram seguir o curso do rio, cada um no seu tempo, me fizeram chorar defelicidade!

Na autoanálise do processo, alguns pontuaram o aprendizado; outros reconhecem que aprenderam a incorporar figuras de linguagem, deixando o texto mais interessante; alguns perceberam a importância de usar a pontuação correta de acordo com o gênero proposto; por fim, eles comentaram que o maior ganho foi a autoconfiança adquirida ao longo das atividades, ao descobrirem-se capazes de escreverem histórias emocionantes, além do acréscimo pessoal por passarem a conhecer melhor os avós através de suas histórias de vida e estreitaram os laços dentro de suas próprias casas, como relatou a aluna Rita: “Antes, eu e meus pais nos sentávamos à mesa e ficávamos calados, por não termos assunto. Depois que falei sobre o trabalho de Memórias Literárias, todos os dias havia uma história pra contar e ouvir. Foi através da minha participação nas oficinas que me aproximei mais de meus pais, e cada dia aprendo algo que foi significativo em suas vidas.”

Todo esse trabalho me oportunizou uma grande transformação, tanto como pessoa quanto educadora! E a água que bebi junto com meus alunos inundou a escola de bons textos, compondo um livro de Memórias Literárias, que ficará como legado para a próxima olimpíada, na Biblioteca da Escola.

E hoje, transbordando de felicidade, escrevo este Relato, sabendo que bebi de uma água transformadora. Como todo o ciclo se fecha, estou novamente onde brotei, porém ciente de que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, por nos tornarmos pessoas diferentes após uma experiência como esta! E as águas também, certamente, serãooutras!

 

* O poema Âmago, da escritora Helena Kolody, foi publicado no livro “Sem palavra”, de 1985.

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