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sua prática / relatos de prática

Um sonho que virou realidade

Danúbia da Costa Teixeira

08 de agosto de 2023

Escola Estadual Alberto Caldeira

Guanhães/MG

O escritor francês Gustave Flaubert dizia que a vida deve ser uma constante educação e é assim que me sinto todos os dias enquanto ministro aula para dezenas de adolescentes curiosos, inteligentes e perspicazes. É tão incrível ter a oportunidade de estar com eles todos os dias, estreitar as relações, rir, chorar, compartilhar... Tudo me faz ter a certeza de que estou exatamente no lugar onde eu deveria estar, ainda que este lugar seja afastado do resto do mundo. Moro e trabalho em uma pequena comunidade de zona rural pertencente à cidade de Guanhães, em Minas Gerais, onde a vida transcorre sem pressa e a Olimpíada de Língua Portuguesa é uma oportunidade que sempre ouriça a pacata vida dos estudantes daqui.

Nesta edição, iniciei os trabalhos na primeira semana de aula, levando para a sala os textos vencedores das edições anteriores, cada um deles foi lido, analisado e discutido. A todo tempo ouvia comentários desmotivadores de meus colegas dizendo que esse tipo de concurso não era para gente da roça como nós, e que eu deveria desistir, pois se não consegui nada nas edições anteriores, por que seria diferente agora? Eu ficava triste por não entender o motivo pelo qual eles pensavam que alunos tão bons quanto os nossos não eram capazes de vencer. Mesmo assim, não deixei que me abatessem, continuei o trabalho, sempre confiante, tentando motivar os alunos a cada dia mais e lembrando que não era apenas uma disputa, era uma chance a mais de aprender e ensinar e que quando se aprende alguma coisa já se é vencedor.

Com o tempo, os alunos foram descobrindo esse novo gênero, o artigo de opinião, e se preparavam para escrever seus próprios textos. Contudo, um problema começava a despontar: como encontrar assuntos polêmicos em um lugar onde quase nada acontece? Esse foi o questionamento que os alunos me fizeram em um dia em que entrei toda animada na sala e encontrei-os tristes e abatidos. Segundo eles, não havia temas polêmicos em nossa comunidade. Nesse dia passamos todo o tempo conversando e tentei motivá-los dizendo que morar em uma comunidade pequena não era impedimento e que acharíamos um tema polêmico sobre o qual escrever. Depois de levantar a autoestima dos alunos, pedi que eles fossem para casa e colocassem as cabecinhas para funcionar, pois, na próxima aula, iria ouvir todas as sugestões que eles pudessem trazer. No dia seguinte, organizei-os em círculo e pedi que cada um desse sua sugestão; para minha surpresa, inúmeras boas ideias surgiram, sendo assim, escrevi todas no quadro e fizemos uma votação para ver sobre qual delas iríamos escrever.

O tema mais votado foi a proibição da carona no transporte público escolar e as aulas subsequentes foram destinadas a pesquisas, conversas e escrita.

Meus grandes articulistas começavam a brilhar. 

Para aguçar o senso crítico dos alunos convidei dois moradores da comunidade, que foram diretamente prejudicados pela proibição da carona, e o Secretário Municipal de Transporte para uma roda de conversa. Assim, os alunos puderam perguntar, ouvir e avaliar os prós e contras do tema polêmico escolhido. Fechando essa etapa, um grande debate foi organizado: de um lado, ficaram os alunos favoráveis à carona no transporte público escolar e, de outro, os que eram contra; para compor o júri, convidei a supervisora, a diretora e a bibliotecária.

Foi emocionante, cada aluno defendendo sua opinião de forma aguerrida, com autoridade e conhecimento de causa; a turma que até então era considerada apática e passiva provou que podia realizar um excelente trabalho. 

A escrita do texto foi a fase mais difícil e que demandou maior atenção. Durante essa etapa alguns se desesperavam e queriam desistir, mas, como sempre, tive um relacionamento estreito e franco com cada aluno, sentava-me ao lado deles, conversava, relembrava tudo o que havia sido discutido e motivava-os a continuar, salientando que muito já havia sido feito e dizendo que não era a hora de desistir, era preciso continuar, ir até o fim. Ao concluir cada aula dedicada à escrita, eu levava os manuscritos para casa e escrevia bilhetes orientadores para todos os alunos, elogiando o que já havia sido feito e sugerindo possíveis caminhos para melhoria. Durante as oficinas era possível perceber o crescimento dos alunos, as reescritas eram oportunidades de aprimoramento, tanto meu quanto deles, cada passo foi gratificante.

Até que um dia, durante um evento que reuniu comunidade escolar e alunos, tive o prazer de anunciar o resultado da Comissão Julgadora Escolar. Foi uma comoção geral, alunos tremendo, esperando curiosos. Um filme com tudo o que havíamos enfrentado até então passou em minha cabeça. Convidei uma das alunas para falar a respeito da experiência e ela, ratificando o que eu sempre acreditei, disse que estudar pode ser mágico, que aprender é sempre motivador e participar da Olimpíada é ter a chance de mostrar ao mundo um pouco do lugar onde moramos - foi indescritível. Para fechar, ela me olhou e disse que se não fosse a minha garra e comprometimento, nada daquilo teria sido possível, não houve como não chorar. E assim, concluímos a etapa escolar, felizes, satisfeitos e mais inteirados sobre as singularidades do lugar onde vivemos.

A Etapa Municipal trouxe mais surpresas. Em uma bela manhã, durante a sessão cívica, a Secretária Municipal de Educação apareceu e disse que tinha uma grande notícia para contar: todos os textos selecionados pela Comissão Julgadora Municipal eram de nossa escola! Foi inacreditável, os alunos batiam palmas, gritavam, se abraçavam, não cabiam em si de tanta satisfação. Mal sabia eu que a maior emoção ainda estava por vir: o resultado da Comissão Julgadora Estadual. Ter um texto na semifinal é muito mais gratificante do que se possa descrever com palavras. Elislaine é nossa estrela, ela servirá de exemplo para os próximos participantes da Olimpíada, a conquista dela motivará outros alunos a continuarem participando e acreditando. Hoje, todos os nossos alunos sabem que são capazes de competir de igual para igual com qualquer outra pessoa, desde que se empenhem e estudem. Quem poderia imaginar que a menininha lá da roça iria viajar de avião para São Paulo? Eu imaginei, mais que imaginei, sonhei com isso dia após dia, felizmente, não sonhei sozinha, e os sonhos que sonhamos juntos se tornam realidade.

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