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sua prática / relatos de prática

Vamos brincar de poesia?

Tânia Maria Machado Bentes

08 de agosto de 2023

Colégio Municipal Professora Delce Horta Delgado

Volta Redonda/RJ

A proposta do poeta encontrou olhinhos brilhantes e algumas expressões desconfiadas. Motivá-los foi tarefa complicada, pois a palavra "poesia", escrita pomposamente na lousa, parecia-lhes uma deusa inacessível e chata. A maioria dos olhinhos brilhantes eram femininos: "Isso de poesia é coisa de mulherzinha", zombou um menino de cabelo arrepiado. Sorri e prometi para mim mesma que faria com que ele, ao menos, deixasse de lado o pensamento preconceituoso, ainda que não nutrisse muitas esperanças de laçá-lo para os dias líricos que eu planejava.

Planejar, planejar, planejar... Sem isso não há boas aulas, e lá fui eu buscar poemas que pudessem conversar com aqueles meninos e meninas (e com aquele menino arrepiadinho), afinal, eu havia "encomendado" poemas para serem lidos, trocados e comentados - e eu também levaria a minha "encomenda". Resolvi apelar para a sapequice de Vinicius de Moraes e levei o CD "A arca de Noé"; algumas das canções-poemas já faziam parte do repertório afetivo de muitos deles e foi o tal "pato, pato aqui, pato acolá" que os fez rir e perceber que dava sim para brincar de poesia! Ela podia divertir ou emocionar, como o lamento da corujinha no mesmo CD. Ponto para a poesia. Ponto para Vinicius, que acabou assim sendo chamado pelo primeiro nome, em uma intimidade só permitida aos amigos.

O Poetinha passou a visitar-nos com frequência e foi trazendo com ele Cecília, Fernando, Chico - assim mesmo, na maior "sem-cerimônia". Uma aluna chegou com um poema feito pelo avô, um operário simples que decorava Bilac na escola e lia J. G. de Araújo Jorge, poeta muito popular nos anos de 1960. O orgulho com que ela caprichosamente colou o poema em nosso mural colorido por celebridades me provocou emoções diferentes que custaram a ser identificadas: era o sentimento de que eu estava, devagarzinho, conseguindo envolvê-los.

O orgulho com que ela caprichosamente colou o poema em nosso mural colorido por celebridades me provocou emoções diferentes que custaram a ser identificadas: era o sentimento de que eu estava, devagarzinho, conseguindo envolvê-los

Penso que consegui esse envolvimento com o apoio da música, pois os meninos amaram declamar em voz alta a poesia "O buraco do tatu", de Sérgio Caparelli, e foram marcando o ritmo com palmas, que viraram batuques, que viraram pisadas fortes no chão, que viraram uma algazarra organizada e feliz. Na aula seguinte, deveriam fazer apresentações em duplas de poemas catados por aí, mas valia também declamar algum já trabalhado em aula. Uma dupla, da qual fez parte o tal menino arrepiadinho, empolgou cantando o "Rap do tatu", com coreografia e tudo!

Houve momentos de silêncio e fruição também. Uma turma especialmente agitada precisava de foco e então levei uma música relaxante, com sons de chuva, mar batendo e crepitar de folhas na fogueira. Apaguei as luzes e deixei que se posicionassem como quisessem, o que fez com que alguns alunos deitassem no chão, com as cabeças apoiadas nas mochilas. Ao finalizar esse momento, fizemos a atividade das "Doze coisinhas à toa que nos fazem felizes”, de Ruth Rocha, (Oficina 5), que transcorreu de forma calma e produtiva.

Em minha cidade, as aulas de Língua Portuguesa são fragmentadas no que chamam de "frentes de trabalho", funcionando da seguinte maneira: uma professora leciona Gramática e Leitura e outra fica com a Produção textual, o que foi o meu caso, neste ano de 2016. Esse arranjo, a meu ver, é pedagogicamente inconsistente. É como se o ensino da língua pudesse, sem risco de assumir uma postura "gramatiqueira", ser esquartejada! As turmas de produção textual são divididas assim: a cada 15 dias uma parte da turma ficava comigo e a outra ia para a aula de informática, ou seja, eu começava uma oficina e só a retomava com aquele grupo duas semanas depois. Tempo suficiente para esfriar alguns ânimos, tanto que um dia um aluno perguntou-me se era obrigado a ficar comigo, se não podia ir para a informática. Isso me entristeceu um tanto, mas também me motivou a tentar resgatar os que começavam a debandar. Apresentei alguns vídeos sugeridos pelos cadernos da Olimpíada e outros que cavei na internet. Fez muito sucesso "O Poeta Aprendiz", música de Vinicius de Moraes (ele novamente), com ilustrações da compositora Adriana Calcanhoto. E a poesia finalmente venceu! Percebi-os prontos para se apropriarem do fazer poético. 

Olhando para trás, vejo que o maior legado deste trabalho foi perceber que eles experimentaram um protagonismo que os fizeram poetas-aprendizes, não só de poesia, mas de horizontes. Assim como eu.

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