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sua aula / planos de aula

A carta-cápsula na sala de aula: uma escrita sankofa

Talita Zanatta

28 de julho de 2023

Público-Alvo

Ensino Fundamental Anos Finais: 6º e 7º anos

Números de aulas

12 a 16

Alinhamento à BNCC

3 Competências
3 Habilidades

Público-Alvo

Ensino Fundamental Anos Finais: 6º e 7º anos

Números de aulas

12 a 16

Alinhamento à BNCC

3 Competências
3 Habilidades

Quando penso no futuro, não esqueço meu passado.

 Paulinho da Viola

Introdução


O material a seguir apresenta uma sequência didática sobre a escrita do gênero textual carta, tendo como tema a cápsula do tempo. A fim de engajar as(os) estudantes no processo de escrita e colaborar para que esta prática faça sentido na vida delas(es), escolhi trabalhar com o que eu chamo de carta-cápsula. Tal proposta consiste na escrita de uma carta para o eu do futuro e na confecção de uma cápsula do tempo que deverá ser aberta depois de dois ou três anos, na qual as(os) estudantes escreverão cartas sobre si, contando sua história: costurando passado, presente e futuro.

A cápsula do tempo é um recurso antigo, há quem diga que as múmias, as pinturas egípcias e as rupestres já seriam manifestações do desejo humano de criar um elo entre os tempos. Para entender melhor este movimento de olhar para trás e assim projetar seus sonhos e futuro, utilizo a imagem do símbolo Adinkra Sanfoka.

O conceito de Sankofa (Sanko = voltar; fa = buscar, trazer) origina-se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do Marfim. Em Akan “se wo were fi na wosan kofa a yenki” que pode ser traduzido por “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”. Como um símbolo Adinkra, Sankofa pode ser representado como um pássaro mítico que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e carregando no seu bico um ovo, o futuro. Os Ashantes de Gana usam os símbolos Adinkra para representar provérbios ou idéias filosóficas. Sankofa ensinaria a possibilidade de voltar atrás, às nossas raízes, para poder realizar nosso potencial para avançar. Sankofa é, assim, uma realização do eu, individual e coletivo. O que quer que seja que tenha sido perdido, esquecido, renunciado ou privado, pode ser reclamado, reavivado, preservado ou perpetuado. Ele representa os conceitos de auto-identidade e redefinição. Simboliza uma compreensão do destino individual e da identidade coletiva do grupo cultural.

SANKOFA, São Paulo, v. 27. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sankofa/about. Acesso em 07 dez. 2022.



Nesse sentido, escrever uma carta-cápsula seria um movimento Sankofa, pois articularia os três tempos, à medida que as(os) estudantes trazem suas histórias de vida, costuram seus sonhos sem se esquecerem do chão onde seus pés pisam, articulando, portanto, aquilo que são com a comunidade escolar.

Recursos materiais necessários


  • Multimídia (projetor, sala de informática, tevê da sala, etc.);

  • Cópias impressas do(s) texto(s) sugerido(s);

  • Envelopes;

  • Folha de fichário ou almaço;

  • Caixa de sapato ou caixa de papelão;

  • Tesouras e colas;

  • Revistas, jornais e outros materiais para colagem.
BNCC

Competências Específicas de Língua Portuguesa:

  • Competência específica nº2

Apropriar-se da linguagem escrita, reconhecendo-a como forma de interação nos diferentes campos de atuação da vida social e utilizando-a para ampliar suas possibilidades de participar da cultura letrada, de construir conhecimentos (inclusive escolares) e de se envolver com maior autonomia e protagonismo na vida social.

  • Competência específica nº3

Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.

  • Competência específica nº7

Reconhecer o texto como lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias.

Práticas de linguagem / Objetos do conhecimento:

  • Leitura

Objetos de Conhecimento:

  1. Reconstrução das condições de produção, circulação e recepção;

  2. Apreciação e réplica.

Habilidades (clique ou passe o cursor do mouse sobre os códigos das habilidades para ler suas descrições):

EF69LP44 Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção. EF69LP45 Posicionar-se criticamente em relação a textos pertencentes a gêneros como quarta-capa, programa (de teatro, dança, exposição etc.), sinopse, resenha crítica, comentário em blog/vlog cultural etc., para selecionar obras literárias e outras manifestações artísticas (cinema, teatro, exposições, espetáculos, CD´s, DVD´s etc.), diferenciando as sequências descritivas e avaliativas e reconhecendo-os como gêneros que apoiam a escolha do livro ou produção cultural e consultando-os no momento de fazer escolhas, quando for o caso.

  • Produção de textos

Objetos de Conhecimento:

  1. Construção da textualidade;

  2. Relação entre textos.

Habilidade (clique ou passe o cursor do mouse sobre o código da habilidade para ler sua descrição): 

EF69LP51 Engajar-se ativamente nos processos de planejamento, textualização, revisão/ edição e reescrita, tendo em vista as restrições temáticas, composicionais e estilísticas dos textos pretendidos e as configurações da situação de produção – o leitor pretendido, o suporte, o contexto de circulação do texto, as finalidades etc. – e considerando a imaginação, a estesia e a verossimilhança próprias ao texto literário.

Objetivos gerais


  1. Ler e compreender textos do gênero textual carta.
  2. Reconhecer a intenção, a temática e a linguagem empregada em cartas pessoais.
  3. Relacionar e articular elementos da história de vida e da sociedade.

Roteiro de Atividades

Roteiro de Atividades

1ª Etapa: Adentrando às cartas (1 ou 2 aulas)

Objetivos:

  • Levantar os conhecimentos prévios sobre o gênero textual carta.

  • Conhecer e manusear exemplos de cartas.

Atividades:

  1. Inicie uma conversa com a turma levantando os conhecimentos que já possuem sobre o gênero textual carta. Pergunte se elas(es) ou os pais já enviaram cartas, se há alguma caixa de cartas em casa, se elas(es) sabem o que é um envelope. A partir desta conversa, apresente a importância da carta ao longo do tempo - ela já foi o principal meio de comunicação entre as pessoas, tal qual o WhatsApp hoje. Além disso, mesmo atualmente com o avanço da tecnologia e o uso cada vez mais abrangente dos celulares e aplicativos, a carta ainda é muito utilizada como comunicação oficial de algumas instituições e/ou coletivos e agrupamentos. Um exemplo são as tantas cartas abertas e de reivindicação que são escritas e publicadas.

    Nesta aula, é importante levar modelos de cartas, principalmente pessoais, para as (os) estudantes verem, mas elas não serão lidas na íntegra. Este material será utilizado como um primeiro contato com a materialidade da carta, com o objeto físico que ela representa. Caso você, professora(or), não tenha cartas em casa, com certeza alguma outra(o) professora(or) da escola deverá ter e é importante reunir pelo menos uns 10 exemplos de cartas. Se puder, traga as cartas dentro dos envelopes para as(os) estudantes terem contato com o formato. Deixe-as(os) tatear os materiais e conversarem entre si sobre o que acharam.

    Este primeiro momento buscasensibilizá-las(os) e instigá-las(os) para as leituras que virão e posteriormente para a escrita. Como se trata de um gênero não utilizado por elas(es), esse momento de tocar e ver cartas que realmente foram enviadas irá adentrá-las(os) pouco a pouco neste universo. Outro recurso que pode ser utilizado é pedir uma aula antes para que elas(es) tragam uma carta que possuem em casa. Isso também irá colaborar para que as(os) estudantes abram diálogo com suas famílias sobre a experiência de escrever e receber cartas.

2ª Etapa: Um mergulho na leitura de cartas (3 a 4 aulas)

Objetivos: 

  • Ler uma carta pessoal escrita sobre e para si mesmo.

  • Levantar e reconhecer a estrutura do gênero textual carta.

  • Reconhecer os elementos da escrita de si.

Atividades:

 

  1. Este segundo momento destina-se à leitura de cartas por parte das(os) estudantes. Você, professora(or), pode escolher outro texto, se achar mais pertinente. Como as cartas que serão escritas pelas(os) alunas(os) terão como destinatário elas(es) mesmas(os), trouxe um exemplo que dialoga com essa perspectiva da escrita de si.

    O texto escolhido foi uma carta presente no livro Cartas para Martin da escritora Nic Stone. Neste livro, o personagem fictício Justyce, de 17 anos, começa a escrever cartas para Martin Luther King, após sofrer um caso de racismo policial. Na primeira carta do livro, Justyce conta um pouco da sua história, do caso ocorrido com o policial e termina falando como Martin Luther King é um norte e uma inspiração de como lidar com situações de violência sem se deixar tomar por elas. O modo como esta carta articula os tempos, trazendo a voz de um adolescente refletindo sobre o racismo que ele passou vinculado a experiências cotidianas da juventude me fez escolher esta leitura para sala de aula. Ademais, embora Justyce escreva para Martin Luther King, o personagem já sabe que o pastor estadunidense não está mais vivo, por isso esta carta endereçada a King, na verdade trata-se de uma carta para si, torna-se um instrumento de reflexão e desabafo do personagem.

    Primeiro, apresente brevemente o livro, a escritora e quem foi Martin Luther King. Esta etapa pode ser feita em parceria com as(os) professoras(es) de inglês e/ou história. Como o foco é a produção escrita da carta-cápsula, o trabalho com as biografias da escritora e do Martin Luther King pode ser feito de modo aprofundado e interdisciplinarmente em conjunto com elas(es).

    Professora(or), é possível que na biblioteca ou sala de leitura da sua escola haja pelo menos um volume deste livro, pois algumas escolas públicas o receberam para compor seu acervo.

    Trecho do livro Cartas para Martin, da escritora Nic Stone. 

    25 de agosto, Atlanta.

    MEU CARO MARTIN (OU “DR. KING”),

     Antes de mais nada, quero que saiba que não é por desrespeito que me dirijo a você com certa intimidade, mas é que no primeiro ano pesquisei sobre sua história e seus ensinamentos para um trabalho, então, para mim, sinto como se você fosse de casa. Espero que não se incomode com isso.

     Uma rápida apresentação: meu nome é Justyce McAllister, tenho dezessete anos, moro em Atlanta e estou no último ano da Escola Preparatória de Braselton, onde tenho bolsa de estudos integral. Sou o quarto colocado entre os oitenta e três alunos do meu ano, sou capitão da equipe de debate, fiz pontuações excelentes nos exames de admissão e, apesar de ter crescido numa área “ruim” da cidade (não muito longe de onde você morou), é muito provável que meu futuro inclua uma das melhores universidades do país, um diploma em Direito e uma carreira na administração pública. Infelizmente, hoje de madrugada nada disso teve valor algum.

     O que aconteceu, em resumo, foi que eu tentei fazer uma boa ação e acabei sendo atirado no chão e algemado. Dei uma carona para minha ex namorada depois da festa, quando passamos por uma viatura, me tornei o grande perigo ali, eu com meu casaco de capuz, a ponto de o policial que me abordou até ter chamado reforço.

     Eu pensei que tudo fosse se resolver quando os pais da minha ex chegassem, mas o mais louco disso tudo é que os policiais não queriam me soltar por nada nesse mundo, não importava o que o sr. e a sra. Taylor dissessem. Quando o sr. Taylor avisou que ia ligar para a minha mãe, os caras deixaram muito claro que, como eu tenho dezessete anos, pela lei americana já sou considerado maior de idade em casos de infração legal — ou seja, não havia nada que a mamãezinha pudesse fazer por mim.

     Ele acabou ligando para a mãe de uma amiga minha, a SJ. A sra. Friedman é advogada e teve que ir até a delegacia vomitar na cara deles um monte de termos legais para conseguir que eles tirassem minhas algemas. Já estava amanhecendo quando finalmente me liberaram.

     Foram horas, Martin.

     Sinceramente, não sei bem como deveria me sentir. Nunca achei que me veria numa situação dessas. Tudo bem que eu cresci numa área violenta, mas sei que sou uma pessoa boa, Martin. Sempre pensei que, se eu me esforçasse muito e fosse um cidadão exemplar, não passaria pelas coisas que os OUTROS negros passam, sabe? É difícil aceitar que eu estava enganado.

     Agora, eu só consigo pensar o seguinte: “O que teria sido diferente se eu não fosse negro?” Até entendo que, de cara, o policial só podia confiar no que estava vendo (que realmente parecia meio suspeito), mas nunca tinham duvidado do meu caráter dessa forma.

     A noite passada mudou algo em mim. Não é que eu vá sair por aí todo revoltado e fazendo mer... quer dizer, fazendo besteira, mas sei que não posso continuar fingindo que não tem nada errado. Pode até não haver mais bebedouros separados para as pessoas “de cor”, e racismo hoje em dia é crime, mas, se eu ainda posso ser forçado a sentar no chão de concreto com algemas apertando meus pulsos mesmo sem ter feito nada errado, é bem óbvio que temos um problema. Que a sociedade não é tão igualitária quanto as pessoas gostam de dizer.

     Preciso ser mais atento, Martin. Começar a enxergar a realidade e escrever sobre essa questão. Entender o que posso fazer. É por isso que estou escrevendo para você. Você sofreu coisa muito pior que ficar algumas horas algemado, mas mesmo assim estava sempre pronto para o ataque. Na verdade, sempre pronto para a paz.

     Quero tentar viver como você. Agir como você agiria. Quero ver aonde isso me leva.

     Tenho que encerrar por aqui, porque meu pulso está doendo, mas obrigado por me escutar.

    Um grande abraço,

    Justyce McAllister.

    STONE, Nic. Cartas para Martin. Rio de Janeiro: Intrínseca, 1.ed., 2020.

  2. Para começar, utilize uma aula mais expositiva para contextualizar a produção da carta e depois inicie a leitura compartilhada da carta escolhida. Faça essa leitura com pausas protocoladas, engajando as(os) estudantes a participarem e anteciparem informações à medida que você vai lendo. Na primeira aula de leitura, foque no tema e em como o personagem desenvolve e articula seus pensamentos, reflita com a turma sobre o modo como ele fala de si. Quais características ele deixa evidente e quais outras estão presentes de maneira menos explícita.

    Na aula seguinte, como o foco será analisar a estrutura do texto, divida as(os) estudantes em grupo de 3 a 4 pessoas e, a partir do mesmo texto, peça que elas(es) criem um plano para a estrutura daquela carta. Ao fim da aula, sistematize com as(os) estudantes a estrutura do gênero textual carta:

    • Data e local;
    • Vocativo;
    • Desenvolvimento;
    • Despedida;
    • Assinatura.

    Outro ponto que deve ser enfatizado nesta etapa é o modo como passado, presente e futuro estão organizados na carta de Justyce no livro Cartas para Martin. Ele utiliza na carta uma ordem cronológica para falar de si. Esse modelo será retomado na produção escrita.

    Nic Stone (Atlanta - 10 de julho de 1985) é uma escritora negra estadunidense, considerada uma das vozes mais celebradas da literatura jovem atual. Seu romance de estreia, Cartas para Martin, foi best-seller do The New York Times e lhe rendeu sucesso internacional. Nascida e criada na periferia de Atlanta e formada na Spelman College, foi aos 23 anos que ela descobriu sua verdadeira vocação: contar histórias. Além do livro de estreia, ela também é autora das obras DearJustyce, Odd One Out, Jackpot, Clean Getaway e da série de livros da Shuri, personagem da Marvel. Ela também escreveu Blackout e Nevasca em coautoria com outras 5 escritoras.

    Martin Luther King Jr. (Atlanta, 15 de janeiro de 1929 - Memphis, 4 de abril de 1968) foi um pastor batista negro e ativista político estadunidense que se tornou uma das figuras mais importantes do movimento dos direitos civis pelo fim da segregação racial nos Estados Unidos. Inspirado em Mahatma Gandhi, King defendia a não-violência e a desobediência civil como métodos de luta. Seus discursos são outra característica marcante e o mais famoso deles ficou conhecido como “I have a dream” (Eu tenho um sonho). Em 1964, graças a seus esforços na luta por justiça e igualdade racial, foi premiado com o Prêmio Nobel da Paz. Em 1968, Martin Luther King foi assassinado no estado do Tennessee, onde participava de mais um de seus atos.

3ª Etapa: O que é uma cápsula do tempo? (1 a 2 aulas)

Objetivos:

  • Compreender o que é uma cápsula do tempo.

  • Refletir sobre a relação temporal entre passado, presente e futuro.

  • Conhecer o símbolo adinkra Sankofa e estabelecer relações intertextuais.

Atividades:

  1. Agora iremos apresentar às(aos) estudantes o tema da escrita: a cápsula do tempo. Inicie com a música “É Tudo pra Ontem”, do Emicida com participação de Gilberto Gil. Ouça a música com a turma e leve a letra impressa na aula para que possam acompanhar. Após a escuta, converse com as(os) estudantes sobre o que elas(es) sentiram: há algum trecho que elas(es) gostaram mais? Como aquela música as(os) fez pensar em sua própria história? Depois foque nos versos do refrão: “Viver é partir, voltar e repartir/ Partir, voltar e repartir”. A escrita da carta-cápsula se baseará nesses princípios: voltar para sua história, partir para contá-la sonhando o futuro e repartir com as(os) amigas(os) as histórias e desejos.

  2. Na próxima aula, comece contextualizando o que é uma cápsula do tempo a partir da reportagem feita pelo G1 sobre a cápsula aberta em 2022, após 100 anos dela ter sido feita em um colégio em Piracicaba, interior do estado de São Paulo. Juntamente com a leitura e discussão da reportagem, levante com as(os) estudantes se já viram algum filme e/ou série em que aparece os personagens fazendo uma cápsula do tempo.

  3. Por último, apresente para as(os) estudantes o símbolo adinkra Sankofa, mostre a imagem do pássaro com o rosto para trás e converse com elas(es) sobre quais interpretações elas(es) fariam do provérbio: “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”. A partir da imagem do símbolo Sankofa retome os versos da música: “Viver é partir, voltar e repartir/ Partir, voltar e repartir”, eles também se relacionam com a mensagem do pássaro que olha para trás para avançar. Depois de a turma discutir as interpretações e reflexões das(os) estudantes, apresente a interpretação trazida no início desta sequência, a qual defende que retomar as raízes potencializa nosso avanço e futuro. Apresente para as(os) estudantes como a escrita de uma carta para o eu do futuro é um movimento Sanfoka, pois ao olhar para trás para poder avançar, resgatamos o passado para seguirmos em frente.
4ª Etapa: Escrita Sankofa (2 a 3 aulas)

Objetivos:

  • Escrever uma carta pessoal direcionada a si mesmo.

  • Utilizar os elementos composicionais do gênero textual carta.

Atividades:

  1. Apresente para a turma o projeto da escrita da carta-cápsula. Proponho que a estrutura seja aquela levantada na 2ª etapa e que cada carta, no desenvolvimento, tenha pelo menos 3 parágrafos, divididos em passado, presente e futuro. Combine os critérios de avaliação com as(os) estudantes: seguir a estrutura formal da carta; seguir a orientação temática e participar de todas as etapas do processo. Outros critérios podem ser utilizados por você, professora(or). Nesta proposta, optei por não utilizar critérios ortográficos e de pontuação. Eles serão corrigidos e/ou comentados na etapa da reescrita, mas não serão utilizados como instrumento de nota. Antes delas(es) começarem a escrever, combine uma data para a abertura da carta-cápsula - pelo menos o ano precisa estar demarcado, pois isso permeará a escrita. Como o público alvo são os anos iniciais do Ensino Fundamental II, sugiro que a carta seja aberta no 9º ano, já que se trata da série que finaliza essa etapa escolar.

  2. Após apresentar o projeto, deixe na lousa escrito a estrutura da carta e o conteúdo de cada parágrafo. Isso servirá de orientação e base para as(os) estudantes durante a escrita. Essa primeira versão deverá ser feita no caderno e as(os) estudantes podem fazer em duplas ou trios para se ajudarem, caso queiram. Essa escrita individual, mas feita em parceria estimula uma maior participação, a cooperação entre elas(es) e permite que uns ensinem aos outros. Isso melhora a autoestima de quem ensina e aprende. Você, professora(or), também deve ler e comentar o texto das(os) estudantes, caso isso seja solicitado por elas(es).

    A escrita pode levar de 2 a 3 aulas, pois é importante que elas(es) tenham tempo e se sintam à vontade para escrever. Antes que elas(es) comecem, converse sobre quais escolhas podem fazer para escrever sua carta. Por exemplo, para escrever sobre seu passado, elas(es) podem fazer um breve resumo sobre sua história ou escolher um momento marcante da infância: uma viagem, um machucado, uma festa de família.

  3. Já para o presente, sugiro que elas(es) vinculem experiências pessoais com acontecimentos coletivos, ou seja, para quem gosta de futebol, pode-se comentar como o time está no campeonato, quais são os jogadores em destaque; para quem gosta de algum série, pode comentá-la; para os mais ligados em notícias, é possível falar sobre meio ambiente, eleições, entre outros. O importante é que, na escrita do presente, os gostos individuais se relacionem com questões coletivas. Além disso, é necessário que, na carta, elas(es) digam em qual série estão, sua idade e outras informações que demarquem este tempo presente.

    Sobre o futuro, duas coisas são imprescindíveis: que elas(es) escrevam sobre como se veem daqui dois ou três anos (ou outro tempo escolhido para abrir a carta) e quais são seus sonhos para a vida adulta.

    Professora(or), abaixo deixei a escrita da carta-cápsula de uma das minhas alunas, caso você queira apresentá-la para as(os) estudantes:

5ª Etapa: Apreciação e Reescrita (2 a 3 aulas)

Objetivos:

  • Revisar o texto, considerando as características do contexto de produção, além de realizar comentários necessários para adequação do gênero textual e tema.

  • Submeter os textos produzidos à apreciação de outros.

Atividades:

  1. Nesta etapa, cada estudante deverá escolher uma amiga ou amigo para ler sua carta e dizer o que achou. A(o) amiga(o) leitora(or) poderá fazer comentários tanto sobre a estrutura, ortografia, paragrafação, etc, como de conteúdo. O comentário poderá ser feito elogiando e/ou elucidando pontos a melhorar e desenvolver mais. Esse movimento das(os) próprias(os) alunas(os) trocarem entre si o que acharam e corrigirem os textos, sendo mediadas(os) pela(o) professora(or), colabora para que aos poucos elas(es) mesmas(os) internalizarem o processo de autocorreção e reescrita.

  2. Após a leitura comentada da(o) colega, cada uma(um) das(os) estudantes deverá reescrever a carta na folha oficial que será colocada na cápsula. É importante que você, professora(or), acompanhe tanto a leitura das(os) colegas como esse momento da reescrita. Provavelmente as(os) colegas, em alguns casos, se sentirão inseguras(os) de comentarem sobre o texto lido, por isso sua mediação e participação nesse processo é crucial. Abaixo trago uma tabela para ser utilizada como parâmetro pelas(os) amigas(os) leitoras(es):

    CRITÉRIOS

    FEITO

    NÃO FEITO

    Data e Local

     

     

    Vocativo

     

     

    Desenvolvimento

    Passado

     

     

    Presente

     

     

    Futuro

     

     

    Despedida

     

     

    Assinatura

     

     

    O que você achou da carta da(e) sua(seu) amiga(o)?

     

    Esta etapa pode ser feita como uma oficina de escrita, em que cada estudante faz a sua atividade, e você acompanha e dá orientações coletivas e individuais à medida que vai lendo e fazendo parte do processo, das dúvidas e anseios das(os) estudantes.

6ª Etapa: Customizando o envelope e a cápsula do tempo (1 a 3 aulas)

Objetivo:

  • Engajar as(os) estudantes no ritual cápsula do tempo.

Atividades:

  1. Com as cartas já escritas, chegou a hora de confeccionar os envelopes e a caixa onde as cartas ficarão. Cada estudante deve customizar seu envelope, colocando o nome inteiro na parte do remetente. A customização pode ser feita com frases, desenhos, adesivos e colagens. A caixa pode usar esses mesmos recursos, mas será feita de modo coletivo. Leve revistas, jornais, figurinhas, cards, fotos, post-its para que as(os) estudantes elaborem sua caixa.

    Alguns exemplos de trabalhos já realizados:

7ª Etapa: Festa e ritual de encerramento da carta-cápsula (1 a 2 aulas)

Objetivo:

  • Transformar a escrita em um momento de confraternização.

Atividades:

  1. O fechamento da cápsula do tempo pode se dar de diversas formas: enterrando, lacrando a caixa e guardando em algum lugar da escola, com festa, piquenique, etc. Por entender ser muito importante vincular a escrita com o sentimento de alegria, satisfação, proponho que o fechamento da caixa seja feito de modo festivo, seja ela enterrada ou não.

    Crie um ritual com a turma e no dia previsto vocês poderão compartilhar comidas e bebidas, criar uma playlist coletiva e fazer um momento em que cada estudante colocará sua carta dentro da caixa e, caso queira, algum objeto pessoal: pulseira, card, fotografia, entre outros. Caso haja possibilidade, imprima fotos das(os) estudantes do ano vigente e de anos anteriores. Se você não tiver foto com elas(es), provavelmente outra(o) professora(or) terá.

    Esse modo de finalização da sequência didática permite que a escrita não esteja encerrada em si mesma - ela é esperada e celebrada pelas(os) estudantes. Escrever deixa de ser apenas uma tarefa escolar e passa a fazer sentido na vida delas(es). O ritual permite que a escrita seja encarada não a partir da nota e do que acham que devem escrever para alcançar um bom desempenho, mas da experiência daquilo que elas(es) têm para dizer.

    Uma dica importante para a realização deste trabalho é que você, professora(or), também pode escrever sua própria carta-cápsula e participar desse ritual de escrita para o eu do futuro. Convide as(os) outras(os) professoras(es) da turma a participarem desta sequência e do momento ritualístico. Mais uma vez, esta participação coletiva contribui para que a escrita ganhe outros contornos na vida das(os) estudantes, além de contribuir para a aproximação da relação entre professoras(es) e alunas(os).


Referências

BRASIL, M. E. C. Base nacional comum curricular. Brasília-DF: MEC, Secretaria de Educação Básica, 2018.

 

EMICIDA. Tudo é para ontem. Intérpretes: Emicida e Gilberto Gil. In: EMICIDA, É tudo para ontem. São Paulo: Netflix, LAB Fantasma, 2020. Disponível em: https://www.vagalume.com.br/emicida/e-tudo-pra-ontem-part-gilberto-gil.html

 

ROJO, Roxane. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. São Paulo: See: CenP, p. 853, 2004.

 

SANKOFA, São Paulo, v. 27. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sankofa/about. Acesso em 07 dez. 2022.

 

STONE, Nic. Cartas para Martin. Rio de Janeiro: Intrínseca, 1.ed., 2020.

Sobre a autora

Sobre a autora

Talita Zanatta é mestranda na área de Educação e Linguagem na FEUSP com foco no ensino de Língua Portuguesa em contexto multilíngue e de migração. Atualmente é professora de português do Ensino Fundamental II na Rede Municipal de São Paulo. Contato: tali.zanatta@gmail.com

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