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biblioteca / indicações: ler, ver e ouvir

Respirar como forma de resistir

Alice Cezar Monti Rolim

07 de agosto de 2023

O curso on-line "Sequência didática: aprendendo por meio de resenhas" propõe aos professores e professoras que escrevam uma resenha sobre um produto cultural. Veja abaixo o texto da professora Alice Cezar Monti Rolim, de Santo André (SP), sobre o curta-metragem A vida é urgente.

“As oportunidades são racistas  

São dois pontos a menos pra mim  

É difícil jogar quando as regras  

Servem pra decretar o meu fim  

Arrastam minha cara no asfalto  

Abusam, humilham, tiram a gente de louco  

Me matam todo dia mais um pouco  

[...]  

À margem de tudo a gente marcha  

Pra manter-se vivo respirando nessa caixa  

Eu quero mais...”  

Rapper Tássia Reis - Afrontamento 

 

“A vida é por um triz”. Essa é uma das frases ditas pela escritora Conceição  Evaristo no começo do documentário intitulado A vida é urgente, produzido e  dirigido pela carioca Yasmin Thayná. A produção de 2020, encontrada no  website do Instituto Moreira Salles, dialoga com a atual situação do Brasil em plena pandemia. No momento, somamos mais de uma centena de milhar de  mortos pelo coronavírus. Tantas e tantas vidas estão por um triz em função não só desse vírus mortal, mas também das poucas e fracas políticas públicas que não dão conta de amparar a vida de milhares de excluídos no nosso país.

O documentário se inicia com a fala de Conceição Evaristo, uma das maiores  escritoras negras do Brasil contemporâneo. Suas obras abordam temas ligados à discriminação racial, de gênero e de classe. Em sua fala, essa representante do movimento negro mostra seu desejo de que as pessoas, a partir de suas  experiências com o flagelo do Covid-19, valorizem mais a vida, dando maior  significância para ela, tanto de forma individual como coletivamente. A vida  precisa ser primordial, ser urgente para todos. O respirar, que é uma ação essencial para o ser humano, precisa ser possível para todos, independente da religião, etnia, nacionalidade, classe social e tantas outras facetas que compõem a diversidade de cada indivíduo.

Mais da metade dos oito minutos de duração do documentário revela, aos poucos, oito pessoas de pele negra inspirando e respirando, apenas. Algumas delas parecem evidenciar tranquilidade a cada respiração, a cada porção de ar que entra em seus pulmões. Já outras, embora respirem, denotam certo desconforto, dando a impressão de que falta o ar, falta a liberdade e faltam as condições para viver plenamente. Essa escassez de emancipação verdadeira para respirar nos leva consequentemente a pensar no caso do assassinato do americano negro George Floyd. A esse homem também não foi possibilitada a ação natural de seus pulmões: respirar... Sua vida foi tolhida por um policial que o asfixiou até o ar da liberdade deixá-lo por completo. A falta de liberdade para respirar, para viver dignamente também se esvai para muitos negros brasileiros, pois embora sejam a maioria da população, pelos dados estatísticos, são os que mais morrem, os que mais sofrem com a pobreza, os que mais têm sua cultura vilipendiada, os que menos têm representatividade nos veículos de mídia. Essa constatação de descaso com os negros, como também com os indígenas, com a comunidade LGBTQIA+ e com os pobres, no geral, responde a pergunta que é feita no documentário: Quem pode respirar no Brasil? Lamentavelmente, não são esses.

Finalmente, para nos dar um pouco de esperança, o documentário termina com  a música Jequié, do maestro e compositor Moacir Santos, tocada pelo clarinetista Rafael Braga Lino. É um momento de contemplação não só para  aqueles que conhecem, mas para aqueles que não conhecem o falecido compositor que, embora não muito divulgado nas mídias, possui originalidade e influência musical, misturando em suas obras referências afro-brasileiras, bem como criatividade, admirada por muitos após criar o padrão rítmico chamado mojo.

O clarinete exige muito fôlego. Logo, ao vermos o clarinetista tocando tão  lindamente esse instrumento, que requer muita força e liberdade para respirar,  dá-nos a sensação de que é possível ter mais e respirar além da caixa, como  diz a rapper Tássia Reis.

Yasmin Thayná não desaponta nesta nova empreitada. Ganhadora do prêmio de melhor curta-metragem da Diáspora da Academia Africana de Cinema em 2017, pelo seu aclamado e intrigante Kbela, ela acumula em seu currículo atividades como cineasta, diretora e fundadora da Afroflix, bem como participa de vários outros projetos ligados ao mundo artístico. O documentário A vida é urgente, embora simples no que diz respeito à produção, carrega uma enorme carga de sensibilidade por meio dos olhos da diretora Yasmin, que revela, bem como nos convida a refletir, o apagamento de diversos excluídos no Brasil em várias esferas de nossa sociedade.

A vida é urgente. Disponível em https://ims.com.br/convida/yasmin-thayna/

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