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Argumentação, cidadania e participação social: o gênero discursivo artigo de opinião na Olimpíada

Argumentação, cidadania e participação social: o gênero discursivo artigo de opinião na Olimpíada

texto - Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques; ilustração - Criss de Paulo

07 de agosto de 2023

Histórias de pertencimento

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Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques é professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e da Rede de Ancoragem da Olimpíada de Língua Portuguesa.

“Saber argumentar não é um luxo, mas uma necessidade. Não saber argumentar não seria, aliás, uma das grandes causas recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepõe às tradicionais desigualdades sociais e econômicas, reforçando-as? Não saber tomar a palavra para convencer não seria, no final das contas, uma das grandes causas da exclusão? Uma sociedade que não propõe a todos os seus membros os meios para serem cidadãos, isto é, para terem uma verdadeira competência ao tomar a palavra, seria verdadeiramente democrática?”

(Philippe Breton)

Argumentação e cidadania na escola

O domínio da escrita, na sociedade letrada, é condição para a vivência da cidadania e da participação social. Dominar essa tecnologia é imprescindível para que o indivíduo participe da vida econômica, social, política e cultural do país. Em razão disso, a escola não pode desconsiderar o poder que lhe é conferido, pela importância que assume essa tecnologia para o exercício pleno da cidadania.

Na contemporaneidade, as práticas de letramento são multimodais, exigindo do leitor ou do produtor de textos uma diversidade de competências e capacidades de leitura, visto que abordam informações cuja interpretação aciona uma combinação de mídias e semioses (Kleiman, 2014). Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tenha por norte o desenvolvimento de competências e habilidades, essas não devem ser o único fim no ensino da escrita, mas um meio para a formação de leitores e produtores de textos na escola.

Para formar alunos capazes de ler, escrever e refletir sobre as práticas de linguagem em uma perspectiva crítica, à escola se impõe o desafio de ir além de competências e habilidades e inserir os alunos na cultura letrada, preparando-os para os usos sociais da escrita, ensinando-lhes a argumentar para reivindicar direitos e participar das discussões da comunidade, da cidade ou do país. Nisso consiste, em linhas gerais, o processo de letramento cívico, ancorado em uma concepção de letramento revestida de viés crítico, que oferece aos estudantes as ferramentas para que possam refletir criticamente sobre os fatos e fenômenos e, assim, agir, mediante os usos da escrita, visando a mudanças no mundo social.

Conforme afirma Philippe Breton, na epígrafe apresentada, argumentar não é um luxo, mas ainda hoje, no Brasil, poucos têm o domínio da leitura e da escrita de textos argumentativos, o que pode impactar, consequentemente, na vivência da cidadania plena, da participação social e da vida democrática. Assim, para se tornar eficaz, a formação para a cidadania deve ser assumida de forma sistematizada.

Geralmente, quem toma a palavra não quer apenas comunicar alguma coisa, quer persuadir o outro. Quer convencê-lo de que está certo, quer interferir imediatamente na ação do outro, modificando-a. Muitas vezes, pretende vender uma imagem, uma ideia, ou, até mesmo, um estilo de vida. Para tanto, basta uma boa fórmula de “venda”, que quase sempre se resume na utilização de uma argumentação convincente e de uma linguagem competente dirigida a um interlocutor adequado.

Somos bombardeados pelo discurso persuasivo nos diferentes espaços sociais: na política, na economia, na religião, nas redes sociais e na mídia em geral. Os textos que circulam socialmente vêm carregados de ideologia: não há apenas o desejo de convencer o leitor, o consumidor ou o cidadão de que um produto ou uma ideia são bons, mas a intenção é de agir de tal forma que os faça consumir produtos ou ideias. Nesse sentido, o ensino da língua deve se voltar para a formação de um sujeito capaz de posicionar-se criticamente em relação ao mundo e constituir-se cidadão crítico, capaz de desvelar valores axiológicos que carregam os discursos que circulam na sociedade.

Ler e escrever textos argumentativos na sala de aula

O que e como ensinar a argumentar, preparando os alunos para o exercício da cidadania? Por exemplo, ensinar o aluno a ler e escrever textos argumentativos que possam ser utilizados nos mais diversos espaços sociais, não apenas na vida escolar, mas também na vida cotidiana, no clube, no sindicato, no trabalho, na família, na igreja, na escola ou na comunidade em geral para se posicionar diante de problemas sociais e políticos, reivindicando direitos. Em relação à leitura, a escola deve oportunizar ao aluno a análise de textos que favoreçam a formação leitora dele. Para isso, deve proporcionar a leitura de textos diversificados, dos mais específicos aos jornalísticos de diferentes gêneros, preferencialmente, aqueles que tratem de temas polêmicos, que exijam reflexão, para desenvolver o pensamento crítico do aluno, preparando-o para usar a escrita na agência cívica.

No que se refere à escrita de textos argumentativos, devem ser priorizadas as atividades que possam favorecer ao aluno dizer sua própria palavra. E o que significa isso? Assumir a palavra é empoderar-se, é ganhar voz, é adquirir autonomia, tornando-se autor de seu dizer, é aprender a agir civicamente, tendo os gêneros discursivos como instrumentos para a ação sociopolítica, algo indispensável à participação social e à cidadania crítica. Aprender a dizer sua palavra é importante, porque “com a palavra, o homem se faz homem. [...] Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua essencial condição humana” (Freire, 1978, p. 12). Nessa perspectiva, a palavra aprendida se reveste de um potencial agente e transformador. 

O papel do gênero Artigo de opinião no processo de letramento cívico

No contexto da Olimpíada de Língua Portuguesa (OLP), o gênero discursivo Artigo de opinião cumpre um importante papel para o desenvolvimento da agência cívica de alunos do Ensino Médio, visto que sua produção ocorre de forma situada e com propósito interventivo. Eles escrevem tendo um leitor em potencial, considerando os parâmetros dessa situação de comunicação e não apenas para o professor atribuir uma nota ou apontar os “erros”. Escrevem na escola, mas não somente para a escola. A escrita deles ocorre em uma dada situação de comunicação, para circular socialmente. O texto é produzido em uma situação real de uso da linguagem, com o intuito de preparar o aluno para que ele participe da OLP, mas não somente para isso, é claro.

Para produzir artigo de opinião, é preciso que o escrevente tenha proximidade com os gêneros argumentativos, especialmente, com o próprio gênero a ser produzido, para entender como este se organiza do ponto de vista linguístico, textual e discursivo. Um ponto de partida pode ser a imersão dos alunos no universo desses textos, a fim de se familiarizem com as marcas e especificidades e, assim, adquirirem maior proficiência na leitura e produção deles.

Na produção de artigos de opinião, a prática de leitura de textos jornalísticos argumentativos de diferentes gêneros é indispensável para a apreensão de seus elementos estruturais e discursivos. É importante ler observando se o gênero cumpre sua função comunicativa: formar a opinião do leitor para convencê-lo a aderir ao ponto de vista (tese) defendido no texto. Esse deve ser o propósito comunicativo dominante em um texto argumentativo.

Isso exige que se observe se o texto, em que se materializa o gênero, apresenta, por exemplo, uma tese a ser defendida, se contrapõe a outra(s) tese(s), se apresenta argumentos consistentes, se mantém uma orientação argumentativa, se usa diversificados operadores argumentativos, como se manifesta a subjetividade do autor/articulista, observando se mobiliza vozes alheias acatando-as, refutando-as ou reformulando-as, se lança mão de elementos enunciativos como modalizações, se há conteúdos pressupostos ou subentendidos no texto lido etc.

Enfim, um bom produtor de textos argumentativos, geralmente, corresponde a um bom leitor desse tipo de texto, isto é, aquele que é capaz de construir desde uma simples pergunta retórica, um recurso que pode ser utilizado pelo escrevente para provocar a reflexão do leitor sobre a temática em análise, até identificar nos textos lidos movimentos retóricos mais sofisticados (de concessão, de refutação, de negação, de aceitação etc.).

A partir de suas experiências leitoras, o aluno poderá mobilizar esses saberes para a produção escrita de artigos de opinião. Dependendo do nível de complexidade em que se desenvolver a argumentação no artigo produzido, ele pode se tornar um bom articulista, quando se torna, por exemplo, capaz de antecipar argumentos que talvez possam ser utilizados para desconstruir os argumentos que ele produz. Cumpre destacar que o desenvolvimento de contra-argumentos, assim como o trabalho com elementos estilísticos podem fazer toda a diferença na avaliação de um artigo de opinião na Olimpíada. 

Em linhas gerais, podemos dizer que o artigo de opinião se organiza em termos de elementos temáticos (uma problemática relativa ao lugar onde vive o aluno), composicionais (teses), argumentos e/ou contra-argumentos, uma possível conclusão) e estilísticos (escolhas lexicais, modalizadores etc.). Convém observar sobre esse gênero que, na sua produção, saber argumentar não é o bastante, além dessa habilidade, “precisamos evidenciar o papel que esta exerce nesse gênero do domínio jornalístico, que, em sendo didaticamente transposto para a esfera social-escolar, assume diferente funcionalidade em seus leitores” (Lopes; Amarilha, 2018, pp. 185-186).

Concordamos com essas autoras, quando afirmam que, no trabalho com o artigo de opinião, mais que argumentar, é importante o aluno ancorar sua produção em outros elementos além dos textuais, os discursivos: os fatores enunciativos pragmáticos envolvidos na situação de produção do texto. Disso resulta, por exemplo, a escolha do recorte temático a ser desenvolvido, o qual deve ser gerador de uma questão polêmica, já que não dá para argumentar a partir do consenso. Na produção desse gênero discursivo, é indispensável a existência de uma questão polêmica, elemento essencial para despertar no produtor uma “atitude argumentativa” que o mova ao “enfrentamento da palavra do outro” (Lopes; Amarilha, 2018).

O passo inicial deve ser o desenvolvimento preliminar de um projeto de texto. Considerando que escrever é ter o que dizer, planificar um texto de natureza argumentativa requer que se tenha em mente, um tema relevante, controverso e discutível, capaz de suscitar um bom debate, além de informações e dados que possam dar sustentação consistente e coerente aos argumentos que serão construídos pelo articulista/aluno/autor.

O que revela a escrita dos alunos nos artigos de opinião produzidos na Olimpíada?

Ao longo de mais de dez anos, atuando no trabalho de formação docente na Rede de Ancoragem, ministrando encontros de formação, oficinas pedagógicas, além de desenvolver projetos de pesquisa e extensão e de participar de comissões julgadoras, podemos afirmar que essa política pública muito tem contribuído para a melhoria da qualidade do ensino de Língua Portuguesa na escola pública. Contudo, não sendo possível resolver todos os problemas de escrita dos nossos alunos em tão pouco tempo nem com uma única política pública, apesar desses avanços, ainda observamos nos textos dos participantes da Olimpíada questões que precisam ser enfrentadas para o avanço da escrita dos educandos.

Mapeando esses problemas na avaliação de artigos de opinião produzidos nesta 6ª- edição, considerando os critérios avaliativos da categoria Artigo de opinião, a título de ilustração, discutimos aqui alguns dos mais recorrentes, observados nos artigos de opinião inscritos em 2019.

• Adequação ao gênero — Um dos problemas mais recorrentes nos artigos de opinião avaliados em 2019 diz respeito à inexistência de uma questão polêmica nos textos, o que compromete a eficácia argumentativa deles, visto que, na ausência de uma questão problematizadora, toda a argumentação desenvolvida fica comprometida e, no texto, tende a predominar a exposição e não a argumentação. Ainda que o texto esteja no recorte temático proposto, isto é, trate de uma problemática do lugar onde vive o educando, a ausência de uma questão polêmica limita a qualidade de sua argumentação. A questão polêmica é, portanto, imprescindível ao artigo de opinião.

• Adequação linguística — Outro problema recorrente nos textos avaliados é que alguns não apresentam o ponto de vista do produtor, uma tese, implícita ou explícita, a ser defendida ou outra tese a ser refutada pelo aluno/autor para fortalecer sua argumentação e desconstruir a argumentação do outro. Além disso, nesse quesito, embora os alunos já apresentem melhores argumentos, mais bem fundamentados, por exemplo, estes nem sempre estão bem desenvolvidos e por isso se tornam pouco consistentes. Observamos também que não há maior domínio dos alunos na construção de contra-argumentos. Ensinar a contra-argumentar e a fazer concessões em relação ao posicionamento do outro, no intuito de desconstruir os argumentos do adversário, torna-se um desafio para os professores, pois o ideal é levá-lo a uma argumentação mais complexa e mais eficaz para convencer o leitor. Por fim, é preciso avançar também no uso adequado e diversificado de operadores argumentativos.

• Marcas de autoria — Em relação à autoria, observamos que os alunos ainda precisam compreender o papel do título no seu texto. Em um artigo de opinião, o título é a janela do texto, devendo servir para seduzir o leitor, motivando-o à leitura. Por isso, precisa ser interessante e convidativo, mas alguns alunos ainda confundem o título com o tema da Olimpíada – “O lugar onde vivo”. Além do título, outro aspecto a ser considerado pelos professores é o uso de elementos modalizadores, elementos essenciais a um artigo opinativo, pois estes podem imprimir aos textos marcas de subjetividade, que podem fortalecer o poder de convencimento do texto.

• Convenções de escrita — De modo geral, os textos em que se materializam os artigos de opinião atendem minimamente às convenções de escrita, em atendimento à variedade linguística adequada ao gênero. Contudo, ainda é pouco usual o rompimento de convenções da escrita intencionalmente realizadas a serviço da produção de sentidos dos textos produzidos. Assim, os alunos precisam ganhar maior autonomia, aprendendo a usar as regras e convenções da escrita de forma mais criativa, na escola.

• Avaliar para formar articulistas na Olimpíada: o papel do professor — Na aprendizagem de um texto que assuma a configuração genérica de um artigo de opinião, o professor tem um importante papel: orientar a escrita do aluno de modo informado, oferecendo parâmetros para que ele saiba o que melhorar nos textos que produz. Assumir o gênero Artigo de opinião como um objeto de ensino é algo da maior relevância para a formação cidadã do estudante, pois o trabalho com esse gênero discursivo favorece o desenvolvimento dos potenciais de agência cívica e de protagonismo juvenil.

Para submeter o texto do aluno à Olimpíada, é preciso que sua escrita atenda aos critérios avaliativos exigidos, o que requer do professor um olhar atento sobre os textos produzidos para esse fim. Saber avaliar adequadamente os textos produzidos pelos alunos pode ajudá-los nas práticas de escrita desenvolvidas em sala de aula e, consequentemente, pode dar-lhes melhores condições no concurso.

Pensar a formação de alunos produtores de artigos de opinião exige que se compreenda que eles nunca atingirão essa condição “se não lhes for concedida a oportunidade de ter seus textos submetidos a uma avaliação criteriosa, que os faça realmente beneficiários de orientações promissoras, porque consequentes” (Lopes; Amarilha, 2018, p. 165). Do professor é exigido, portanto, o domínio de saberes relativos ao gênero Artigo de opinião e à avaliação dialógica da escrita desse gênero. Isso não se limita apenas aos critérios avaliativos propostos no Caderno Pontos de vista, embora a observação desses descritores seja indispensável no trabalho de avaliação do professor.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

KLEIMAN, A. B. “Letramento na contemporaneidade”, in: Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, PUC-SP, 9 (2), ago./dez., 2014, pp. 72-91.

LOPES, M. C. F.; AMARILHA, M. Escrever e avaliar textos argumentativos: saberes docentes em ação. Natal: EDUFRN, 2018.

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