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sua prática / reflexão teórica

Narrativas da tradição oral

Narrativas da tradição oral

Portal Escrevendo o Futuro

03 de setembro de 2009

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Continuando a reflexão sobre gêneros textuais - entre eles os literários - e sua veiculação na escola, neste texto serão abordadas as narrativas transmitidas oralmente nas diferentes sociedades, comumente chamadas de narrativas da tradição oral. Para conduzir a reflexão, o sentido do termo sociedade utilizado ao longo do texto estará de acordo com a definição dada pelo dicionário Houaiss:

... um conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de grupo; corpo social, coletividade.

Como exemplos dessa definição, podemos mencionar as expressões sociedade medieval, sociedade colonial brasileira, sociedades orientais antigas, sociedades indígenas brasileiras etc.

Não há povo sem narrativas orais em sua história. Elas não têm autoria definida, são resultado de um processo coletivo/continuado de criação e sua origem perde-se em tempos imemoriais. São os primeiros gêneros ficcionais que as diferentes sociedades utilizaram para contar fatos marcantes, provavelmente realmente ocorridos, mas que traziam em si um grau significativo de mistério para quem os viveu.

Como no início de sua formação as diferentes sociedades não dominavam a escrita, essas narrativas eram transmitidas de boca a boca. Sem o apoio do registro escrito, essa forma de transmissão exigia que a memória dos contadores fosse cultivada com a finalidade de garantir a manutenção do núcleo da narrativa, já que, a cada vez que era contada, ocorriam modificações: acrescentavam-se ou subtraiam-se elementos e as palavras usadas eram forçosamente modificadas para garantir que, nas sucessivas interações, os diferentes públicos pudessem entender o que se contava. Ainda hoje há grupos sociais que reservam lugar especial para a tradição e para as narrativas orais.

O fato de serem produtos da tradição não conserva as narrativas sempre iguais. Há inúmeros fatores históricos que implicam em mudanças, todos relacionados com a situação de interação em que elas são contadas. É desse aspecto mutável das narrativas tradicionais que surge o conhecido ditado: quem conta um conto, aumenta um ponto.

O narrador (se é alguém que não sai do lugar de origem, por exemplo, ou alguém que viaja), o público ouvinte das narrativas, o lugar onde são contadas, portanto, determinam as mudanças e permanências que nelas ocorrem. O diálogo, nas interações que ocorrem nesses momentos, é vivo imediato: o contador pode ser interrompido pelo ouvinte, que fará perguntas em pontos mais obscuros ou acrescentará contribuições, contando, por exemplo, um caso semelhante que conhece. Se um narrador local conta uma narrativa para gerações mais jovens, terá que fazer explicações para aproximar fatos do passado de ouvintes do presente. Por outro lado, se um marinheiro, por exemplo, na volta de uma longa viagem contar para seus conterrâneos uma narrativa que ouviu num país distante, terá que manter os elementos centrais da narrativa para que ela conserve sua forma, mas terá que adaptar uma série de elementos para possibilitar seu entendimento.

Nos tempos antigos, além do fato de a escrita não existir ou ser dominada por uma parcela muito restrita da população também não havia é claro, os recursos para reprodução de imagens que temos hoje. Assim, os cenários descritos teriam que ser explicados minuciosa e vivamente para que pudessem ser compreendidos. Essa explicação traria implícita a interpretação do narrador sobre esses lugares, o que modificaria, necessariamente, a narrativa original. O mesmo acontecia com as características do herói e demais personagens da narrativa contada: para aproximá-los do ouvinte, era necessário aproximar sua descrição das conhecidas em sua terra, para tornar compreensível o exótico, o diferente, o estranho. Nessas explicações, a força dos sentimentos e impressões do narrador imprimiam marcas de autoria à narrativa, um jeito pessoal e próprio de contar envolvendo seu público. Esse enredamento do público ouvinte é que garantia, em tempos de documentos escritos e imagéticos escassos, a legitimidade da fala do contador e as vozes que nela ecoavam, diluindo a fronteira entre o imaginado e o real narrado. Desse modo de narrar é que o narrador tirava o “valor de verdade” de suas histórias. Quanto mais “viva” fosse sua linguagem, mais força de verdade ela teria. Ao mesmo tempo, podia partilhar tranquilamente o mistério, o obscuro, o fantasioso com seus ouvintes como se tivessem o mesmo valor de verdade, uma vez que as fronteiras definidas entre real e imaginário que conhecemos hoje eram mais tênues.

Ao longo do tempo, as sociedades ditas “civilizadas” passaram a traçar linhas definidas, contornos precisos, entre os acontecimentos do real, que passaram a ser descritos pela História, e os acontecimentos “contaminados” pelo imaginário, campo que se tornou exclusivo das narrativas literárias.

As narrativas da tradição oral se conservaram ao longo do tempo, seja porque são ainda transmitidas pela oralidade, seja porque foram registradas em textos escritos ou gravados em filmes e desenhos, ou porque traços dessas narrativas são incorporados em gêneros narrativos atuais.

Em um próximo texto, abordaremos os diferentes gêneros da tradição oral que persistem em nossa cultura. 

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