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Conta-me agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino

Conta-me agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino

Maria Isabel da CUNHA

13 de outubro de 2010

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Resumo:

Trata-se de uma reflexão sobre as narrativas como instrumental educativo, tanto na pesquisa como no ensino. Recupera-se o sentido das narrativas e parte-se do pressuposto de que, trabalhar com elas na pesquisa e/ou no ensino é partir para construção/desconstrução das experiências do professor. Defende-se a idéia que as narrativas provocam mudanças na forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros e, por este motivo, são, também importantes estratégias formadoras de consciência numa perspectiva emancipadora. Explora-se a dupla vertente de possibilidades no campo: a investigação da narrativa usada no ensino e na pesquisa que usa a narrativa.

Palavras-chave: Narrativas; Pesquisa qualitativa; Ensino com pesquisa.

- São as minha memórias, dona Benta. - Que memórias, Emília? - As memórias que o Visconde começou e eu estou concluindo. Neste momento estou contando o que se passou comigo em Hollywood, com a Shirley Temple, o anjinho e o sabugo. É um ensaio duma fita para a Paramount. - Emília! exclamou dona Benta. Você quer nos tapear. Em memórias a gente só conta a verdade, o que houve, o que se passou. Voce nunca esteve em Hollywood, nem conhece a Shirley. Como então se põe a inventar tudo isso? - Minhas memórias, explicou Emília, são diferentes de todas as outras. Eu conto o que houve e o que deveria haver[...]
(Monteiro Lobato, 1950, p.129)

As inúmeras pesquisas qualitativas que se desenvolvem no Brasil, em especial na área de educação de professores, mostram que a teorização sobre esta metodologia vem crescendo, acompanhada de uma significativa prática investigatória. São importantes as recentes contribuições neste sentido, em especial as de Haguette (1987), Ludke & André (1986), André (1995), Fazenda (1992 e 1995),Minayo (1994) e tantas outras. Foram elas as principais responsáveis pela difusão e construção de um referencial teórico hoje presente na maioria das dissertações, teses e pesquisas educacionais brasileiras.

Já é tempo, entretanto, de que os pesquisadores que se dedicam ao processo de investigação qualitativa reflitam sobre sua própria experiência e a façam acompanhar das trajetórias da investigação, como muitas das autoras acima citadas vêm fazendo. Esta é a nossa intenção ao abordar este tema, já que as reflexões aqui pontuadas são fruto de atividades de pesquisa e de ensino.

Constantemente temos usado o expediente das narrativas, tanto em situações de pesquisa como de ensino e observado os processos vividos pelos envolvidos. Inicialmente tínhamos a perspectiva de que as narrativas constituíam a mais fidedigna descrição dos fatos e era esta fidedignidade que estaria "garantindo" consistência à pesquisa. Logo nos apercebemos que as apreensões que constituem as narrativas dos sujeitos são a sua representação da realidade e, como tal, estão prenhes de significados e reinterpretações. Conseguimos, ainda, perceber que, antes disto ser um problema, era o cerne da pesquisa sócio-antropológica pois, como explicitam Berger & Luckmann, as análises tem particular importância para a sociologia do conhecimento porque revelam as mediações existentes entre universos macroscópicos de significação, objetivados por uma sociedade, e os modos pelos quais estes universos são subjetivamente reais para os indivíduos (1985, p.109). O fato da pessoa destacar situações, suprimir episódios, reforçar influências, negar etapas, lembrar e esquecer, tem muitos significados e estas aparentes contradições podem ser exploradas com fins pedagógicos.

Tanto nas situações de ensino como nas de pesquisa, é preciso estar atento a este aspecto. Dependendo dos objetivos do investigador, discutir com os sujeitos das narrativas o perfil de sua narração pode ser um exercício intensamente interessante, capaz de explorar compreensões e sentimentos antes não percebidos, esclarecedores dos fatos investigados. Ferrer (1995, p.166) alerta que a narração do conhecimento outorga compreensão da realidade [...]pois o escrito explica a vida. A autora ressalta a importância das narrativas escritas uma vez que elas são mais disciplinadoras do discurso e porque, muitas vezes, a linguagem escrita libera, com maior força que a oral, a compreensão nas determinações e limites.

Em pesquisa temos usado principalmente a linguagem oral. Entretanto, no ensino, na utilização de memoriais - que podem ser excelentes materiais de pesquisa - são usuais os relatos escritos. Sua análise mostra que toda a construção do conhecimento sobre si mesmo supõe a construção de relações tanto consigo quanto com os outros.

Quando uma pessoa relata os fatos vividos por ela mesma, percebe-se que reconstrói a trajetória percorrida dando-lhe novos significados. Assim, a narrativa não é a verdade literal dos fatos mas, antes, é a representação que deles faz o sujeito e, dessa forma, pode ser transformadora da própria realidade.

Esta compreensão é fundamental para aqueles que se dedicam a análise de depoimentos, relatos e recuperações históricas, especialmente porque a estes se agregam as interpretações do próprio pesquisador, numa montagem que precisa ser dialógica para poder efetivamente acontecer.

Trabalhar com narrativas na pesquisa e/ou no ensino é partir para a desconstrução/construção das próprias experiências tanto do professor/pesquisador como dos sujeitos da pesquisa e/ou do ensino. Exige que a relação dialógica se instale criando uma cumplicidade de dupla descoberta. Ao mesmo tempo que se descobre no outro, os fenômenos revelam-se em nós.

Outro aspecto muito importante é de que o trabalho com as narrativas é profundamente formativo. Como bem expressa Ferrer, compartir a historicidade narrativa e a expressão biográfica dos fatos percorridos se converte em um elemento catártico de des-alienação individual e coletiva, que permite situar-se desde uma nova posição no mundo (1995, p.178).

Esta compreensão, provavelmente, é que tem feito a pesquisa qualitativa tornar-se, mesmo sem a intenção precípua de fazer uma intervenção, em uma alternativa de formação. Ao mesmo tempo que o sujeito organiza suas idéias para o relato - quer escrito, quer oral - ele reconstrói sua experiência de forma reflexiva e, portanto, acaba fazendo uma auto-análise que lhe cria novas bases de compreensão de sua própria prática.

A narrativa provoca mudanças na forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros. Tomando-se distância do momento de sua produção, é possível, ao "ouvir" a si mesmo ou ao "ler" seu escrito, que o produtor da narrativa seja capaz, inclusive, de ir teorizando a própria experiência. Este pode ser um processo profundamente emancipatório em que o sujeito aprende a produzir sua própria formação, autodeterminando a sua trajetória. É claro que esta possibilidade requer algumas condições. É preciso que o sujeito esteja disposto a analisar criticamente a si próprio, a separar olhares enviezadamente afetivos presentes na caminhada, a por em dúvida crenças e preconceitos, enfim, a desconstruir seu processo histórico para melhor poder compreendê-lo.

É importante, também, entender a relação dialética que se estabelece entre narrativa e experiência. Foi preciso algum tempo para construírmos a idéia de que assim como a experiência produz o discurso, este também produz a experiência. Há um processo dialético nesta relação que provoca mútuas influências.

Giroux e McLaren (1993) chamaram a atenção de que, a importância da linguagem está no fato de que é através dela que, ao mesmo tempo, nomeamos a experiência e agimos, como resultado desta interpretação. Dizem eles: Apenas quando podemos nomear nossas experiências - dar voz a nosso próprio mundo e afirmar a nós mesmos como agentes sociais ativos, com vontade e um propósito - podemos começar a transformar o significado daquelas experiências, ao examinar criticamente os pressupostos sobre os quais elas estão construídas (p.26).

A trajetória da pesquisa qualitativa confirma o fato de que tanto o relato da realidade produz a história como ele mesmo produz a realidade. As pessoas vão contando suas experiências, crenças e expectativas e, ao mesmo tempo, vão anunciando novas possibilidades, intenções e projetos. Ás vezes, torna-se até difícil separar o vivido do que está por viver. Experiência e narrativa se imbricam e se tornam parte da expressão de vida de um sujeito. É por isso que se pode afirmar que a escrita sobre uma realidade pode afetar esta mesma realidade, pois assim como são os pensamentos que orientam a ação racional, a narração conduzirá ao desempenho de fatos vitais. Novamente recorrendo à Ferrer destacamos a sua afirmação de que a vida se vive para poder contá-la (alguns povos a cantam) ao mesmo tempo que criamos nossos contos para dar sentido à vida (1995, p.188).

Usar narrativas como instrumento de formação de professores tem sido um expediente bem sucedido. Não basta dizer que o professor tem de ensinar partindo das experiências do aluno se os programas que pensam sua formação não os colocarem, também, como sujeitos de sua própria história.

O professor constrói sua performance a partir de inúmeras referências. Entre elas estão sua história familiar, sua trajetória escolar e acadêmica, sua convivência com o ambiente de trabalho, sua inserção cultural no tempo e no espaço. Provocar que ele organize narrativas destas referências é fazê-lo viver um processo profundamente pedagógico, onde sua condição existencial é o ponto de partida para a construção de seu desempenho na vida e na profissão. Através da narrativa ele vai descobrindo os significados que tem atribuído aos fatos que viveu e, assim, vai reconstruindo a compreensão que tem de si mesmo. Na perspectiva de Kenski, o narrado é praticamente uma reconceitualização do passado a partir do momento presente...(1994 p.48) e esta condição qualifica a reflexão contextualizada, aquela que re-significa o vivido.Shor, em diálogo com Freire (1987, p.20), reforça esta perspectiva afirmando que, constantemente, pesquisa as palavras faladas e escritas dos estudantes para saber o que eles sabem, o que eles querem e como eles vivem[...]porque as suas falas e seus textos são um acesso privilegiado a suas consciências.

Estas reflexões favorecem a percepção de que a produção de narrativas serve, ao mesmo tempo, como procedimento de pesquisa e como alternativa de formação. Ela permite o desvendar de elementos quase misteriosos por parte do próprio sujeito da narração que, muitas vezes, nunca havia sido estimulado e expressar organizadamente seus pensamentos.

A prática com esta experiência tem mostrado o quanto temos dificuldade de falar e/ou escrever sobre o vivido. Parece que a trajetória cultural da escola é embotadora desta habilidade e o individualismo social estimulado nos dias de hoje também não favorece este exercício. Além disso, a construção da idéia de que o saber cotidiano distancia-se do conhecimento científico, também foi responsável pela não exploração desta histórica forma de construir informações. Greenne (1995,p.84), abordando a formação docente e refletindo sobre esta situação afirma que, freqüentemente, o professor é tratado como se não tivera vida própria, como se não tivera corpo, uma linguagem, uma história ou uma interioridade...Sua biografia pessoal foi esquecida, assim como as diferentes maneiras com as quais expressa a si mesmo através da linguagem, dos horizontes que percebe, as perspectivas com as quais olha o mundo.

A perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito de fazer a pessoa tornar-se visível para ela mesma. O sistema social conscientemente envolve as pessoas numa espiral de ação sem reflexão. Fazemos as coisas porque todos fazem, porque nos disseram que assim é que se age, porque a mídia estimula e os padrões sociais aplaudem. Acabamos agindo sobre o ponto de vista do outro, abrindo mão da nossa própria identidade, da nossa liberdade de ver e agir sobre o mundo, da nossa capacidade de entender e significar por nós mesmos. Para o educador esta perspectiva é fatal, porque não só ele se torna vítima destes tentáculos, como não consegue estimular seus discípulos a que se definam a si mesmos como indivíduos. É preciso recuperar a condição da racionalidade prática tão bem explicitado por Pérez Gomez para dizer que o professor tem de ser o sujeito da análise que faz de seu próprio cotidiano, implicando a imersão consciente do homem no mundo de sua experiência, num mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses sociais e cenários políticos (1992, p.103).

Mas não se trata apenas de um conhecimento implícito na atividade prática. Trata-se, sim, de um diálogo entre a prática vivida e as construções teóricas formuladas nesta e sobre estas vivências. É a idéia de reflexão-ação, tão bem explicitada pelo autor anteriormente mencionado, que pode tornar-se num dos melhores instrumentos de aprendizagem. O discurso construído sobre esse diálogo é que torna possível transformá-lo numa situação profundamente pedagógica. A linguagem, aí, é uma poderosa aliada da formação.

Por isso, quando estabelecemos que os parâmetros da pesquisa qualitativa se adequam melhor a uma investigação, definimos, também, que as narrativas passam a ser a principal matéria prima deste trabalho. O que vamos descobrindo, porém, ao longo do processo, é que as narrativas não são meras descrições da realidade, elas são, especialmente, produtoras de conhecimentos que, ao mesmo tempo que se fazem veículos, constroem os condutores. Connelly & Clandinin dizem que a razão principal do uso das narrativas na pesquisa em educação é que os seres humanos são organismos contadores de histórias, organismos que individual e socialmente, vivem vidas contadas... por isso, o estudo das narrativas são o estudo da forma como os sujeitos experimentam o mundo (1995, p.11).

Narrativas: ensino e pesquisa

A princípio parece haver duas grandes vertentes de trabalho neste campo: a pesquisa que usa a narrativa e a investigação da narrativa usada no ensino. Portanto, as narrativas podem ser tanto um fenômeno que se investiga como um método de investigação. Para fins de ensino, especialmente na perspectiva das propostas de produção do conhecimento, que têm o educando como um ser socialmente situado , tem sido bastante recomendada e experimentada a produção e a investigação das narrativas dos sujeitos, como ponto de partida ou de chegada da análise do objeto de conhecimento.

A mais divulgada maneira de trabalhar com as narrativas no âmbito do ensino e da formação de professores tem sido a chamada história de vida ou memória pedagógica. No campo educacional tem-se privilegiado esta perspectiva que se revela, também, pela produção de memoriais para concursos para o magistério, resultando em livros e artigos. As contribuições estrangeiras, no campo da sociologia da educação, tais como Goodson (1988), Huberman (1988), Pinar (1988), Nóvoa (1991,1992) e outros, influenciaram educadores brasileiros a escreverem sobre o assunto, entre os quais destacam-se Rocha (1988), Soares (1991) e Kenski (1994).

O uso didático da memória pedagógica e/ou história de vida tem se revelado num interessante instrumento de formação. Esta proposta tem sido a principal alternativa metodológica para a concretização dos pressupostos teóricos de um processo ensino-aprendizagem que tenha o sujeito e a cultura como ponto básico de referência. Diferentemente das situações de pesquisa, não é tanto o produto das narrativas o que mais interessa nesta circunstância, mas o processo de produção pelo qual vive o sujeito. Nelas vale explorar, como sugestão de categorias, aquelas que a sociologia e a psicologia já nos ajudaram a construir: de quem é a voz que fala, de onde se dá esta fala, em que circunstâncias ela é produzida, quais e porque são as suas revelações, quais e por que são as suas ocultações etc.

Usar a linguagem como uma pedagogia significa ensinar aos estudantes a ler críticamente tanto a palavra quanto o mundo, com uma consciência da codificação cultural e da produção ideológica envolvida nas várias dimensões da vida social...Ler o mundo e a palavra significa compreender os códigos culturais e genéricos que nos permitem construir palavras para formar uma história (Giroux & Maclaren, 1993. cit. p. 33). O uso das narrativas com objetivo pedagógico não tem a perspectiva terapêutica e, preferencialmente, não deve aproximar-se deste caráter. Evidentemente que a recuperação histórica dos sujeitos mexe com emoções, com sentimentos, com perdas, com alegrias. O trato destes dados narrativos, na sala de aula, precisam, entretanto, ser canalizados para os objetivos a que se propõem, ou seja, o reconhecimento e a reflexão do sujeito sobre si mesmo para melhor reconhecer-se como profissional educador. Basicamente é usar a idéia de Bosi (1987, p.48) para quem o passado não é o antecedente do presente, é sua fonte. O principal objetivo em explorá-lo é ajudar os estudantes e os professores a problematizar a especificidade histórica da produção de suas próprias posições de sujeitos e os modos de sociabilidade que construíram nas contradições de suas trajetórias.

Já no campo da pesquisa, as narrativas têm sido usadas como um instrumental de coleta de dados. Se é verdade que o homem é um ser contador de histórias como acima foi dito, a investigação de caráter qualitativo tem tido o mérito de explorar e organizar este potencial humano, produzindo conhecimento sistematizado através dele. É certo que o importante, na investigação, é ouvir a história do interpelado, para quem são dirigidas as questões investigatórias. Mas também é fundamental lembrar que numa provocadora entrevista não diretiva disposta a re-construir histórias, fatalmente haverá a interferência de quem ouve, especialmente na re-interpretação de significados, o que mostra que uma narrativa acaba sempre sendo um processo cultural, pois tanto depende de quem a produz como depende de para quem ela se destina. De alguma forma a investigação que usa narrativa pressupõe um processo coletivo de mútua explicação em que a vivência do investigador se imbrica na do investigado.

A explicitação desta complexa simbiose, acoplada ao necessário distanciamento reflexivo do objeto próprio da pesquisa, requer, do pesquisador de narrativas, uma certa desenvoltura intelectual que lhe garanta o rigor, sem deixar de perceber o entrelaçado de relações. Não deixa de ser um jogo, em que cada jogador tem uma posição. O êxito da partida dependerá da habilidade com que cada um exercerá o seu papel, mesmo entendendo que é o coletivo que produzirá o intento de chegada.

Na pesquisa também é fundamental entender a relação dialética entre teoria e realidade, pois é neste espaço que se percebe que a investigação que usa narrativas é, ao mesmo tempo, investigação e formação. Ao mesmo tempo que a realidade informa a teoria esta, por sua vez, a antecede e permite percebê-la, reformulá-la, dar conta dela, num processo sem fim de distanciamento e aproximação(Minayo, 1994, p.92.). Este movimento precisa estar presente na prática investigativa que utiliza as narrativas como fonte de conhecimento. É importante não aprisioná-las, a priori, em categorias teóricas pré-definidas, por que este procedimento seria fortemente cerceador do relato espontâneo. Ao mesmo tempo, entretanto, não há como deixar de identificar formulações teóricas no discurso dos sujeitos e, também, nas estruturas cognitivas e afetivas dos seus interloctores.

Esta posição reforça a idéia de Larrosa quando afirma que o sentido do que somos depende das histórias que contamos e das que contamos a nós mesmos [...], em particular das construções narrativas nas quais cada um de nós é, ao mesmo tempo, o autor, o narrador e o personagem principal (1994, p.48). Parece ser este o mesmo sentido dado por Santos a sua afirmação de que todo o conhecimento é autobiográfico (1987, p.52).

Retomando as palavras de Larrosa, é importante ressaltar sua afirmação de que o sujeito pedagógico ou, se quisermos, a produção pedagógica do sujeito, já não é analisada apenas do ponto de vista da objetivação mas, também, da subjetivação[...] isto é, do ponto de vista de como as práticas pedagógicas medeiam certas relações determinadas da pessoa consigo mesma. Aqui os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como sujeitos confessantes ; não em relação a uma verdade sobre si mesmo que lhes é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmos que eles mesmos devem contribuir ativamente para produzir (1994, p.54).

São estas premissas que dão suporte às pesquisas que usam narrativas que lhes atribuem qualificação e riqueza. Talvez sejam elas oportunidades ímpares de integrar investigação e formação no mesmo processo que se caracteriza, fundamentalmente, pela intencionalidade de realizar uma reconfiguração de saberes, onde teoria e prática, realidade e intenção, sujeito e objeto se tornem uma só possibilidade.

Provavelmente, a vivência com o uso de narrativas no ensino e na pesquisa, muitas outras coisas vão elucidar. Cabe é ficar alerta, com uma disposição investigativa sobre os próprios processos de investigação. Cabe, ainda, pensar que viver a história e entender as nossas próprias narrativas poderá ser o melhor exercício de construção do conhecimento sobre este tema. É a isso que estamos nos propondo!

* Este trabalho faz parte da investigação denominada A construção da prática pedagógica no ensino superior e, além da autora conta com a participação das bolsistas Ana Helena Barreto (FAPERGS) e Silvana Caldeira (CNPq). Articula-se com o Projeto de investigação interinstitucional denominado A inovação como forma de revitalização do ensinar e do aprender na universidade (FAPERGS/CNPq).

Publicado originalmente na Revista da Faculdade de Educação (Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2 São Paulo Jan./Dec. 1997)


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Sobre a Autora

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Maria Isabel da Cunha é professora Titular do Departamento de Ensino da Faculdade de Educação da UFPel.

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