Do chumbinho nos haitianos aos protestos de domingo

Mônica Francisco*, Jornal do Brasil, 16/08 às 00h30

Minha mãe dizia que o mundo só é ruim para quem não sabe esperar. Neste mundo acelerado, de respostas instantâneas para tudo, de tudo ao alcance em um só clique, de emoções e sentimentos voláteis e breves, alguns de nós batalhamos para não perdermos a humanidade e a capacidade de esperar, como diz a canção, “dias melhores pra sempre”.

Os tais dias de paz que a outra parte da mesma canção nos provoca a pensar e refletir, se de fato eles virão. Aquela humanidade que nos distingue das outras espécies, parece por vezes chegar no seu volume morto (pra não perder de vista a crise hídrica) e fazer com que esta esperança quase se desvaneça.

Abrir as páginas dos jornais, sejam on line ou impressos, ver postagens que dão conta de duas dezenas de pessoas assassinadas, ler postagens ininterruptas de tiroteios que assombram o Complexo do Alemão, nos dão a certeza de que algo precisa urgentemente mudar neste país.

Relatórios oficias de governos estrangeiros, como o dos EUA, da Anistia Internacional, do Mapa da Violência 2015, enfim, um sem número de dados oficiais, que fazem de nós uma nação que ainda continua perpetuando a tortura e o assassinato de parte da população, e de maneira sistemática, percebe-se embutido aí um desejo franco de limpeza étnica travestida de guerra à drogas e combate ao crime.

Não estamos em guerra, não temos fundamentalista armados até os dentes querendo tomar o controle estatal (até agora). Não é possível a produção em ritmo fordista de tantas mortes seletivas e monocromáticas.

Discursos higienistas, xenofóbicos, ditos por empreiteiros sem o menor sintoma de constrangimento. Promover cerceamento de “tipos” ou “categorias” de pessoas na circulação da cidade, ou na presença em determinados espaços, isto sim é a prática nossa de cada dia.

Não podemos nos permitir a conviver de maneira natural e sistemática com esta barbárie. Nossa leniência com este assunto vai nos custar caro demais, ou melhor, já está nos dando um quadro aterrador do que é viver com este nível de violência no Brasil. Violência seletiva, que mata negros e não-brancos, pobres e de áreas desfavorecidas.

O pior é que tudo isso, aliado ao discurso hipnótico e paralisador do “somos todos brasileiros”, “no Brasil ninguém é branco” ou o indefectível ” não somos racistas” acrescentando à esse o “não somos xenófobos”, somos um país miscigenado, multicolorido, misturado, aqui temos povos de todo mundo, recebemos todos de braços abertos.

Pois bem, tudo isso se desvanece ao termos haitianos espancados, atingidos por disparos (ainda que de armas com munição como o “chumbinho”), índios queimados, chamados de fedorentos e meninos e homens negros espancados até a morte.

Isso tudo precisa de alguma maneira ser estancado, não encontro melhor definição. Alguns vão às ruas neste domingo, buscando a manutenção de privilégios seculares. Isso mostra claramente não só uma rejeição a um governo, mostra claramente quem não faz parte do Brasil oficial, que deveria ser de direitos para todos e não de privilégios para alguns.

P.S.: Não esqueci das Margaridas, voltaremos a elas em breve.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”

*Mônica Francisco é Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE. Twitter: @MncaSFrancisco

Texto disponível em: http://www.jb.com.br/comunidade-em-pauta/noticias/2015/08/16/do-chumbinho-nos-haitianos-aos-protestos-de-domingo/