Análise da organização do texto

Atividades

  1. Considerando que um texto dissertativo, em geral, pode ser dividido em introdução, desenvolvimento e conclusão, discuta com os alunos a organização geral do artigo assinado por Léo Lince, disponível no menu Coletânea.
  2. Uma divisão possível desse texto, do ponto de vista da organização dissertativa, seria a seguinte:

    Introdução (parágrafo 1) — O autor constata o mal estar provocado pelo voto obrigatório, mas contesta a ideia de que o voto facultativo não só eliminaria esse incômodo mas ainda corrigiria distorções do nosso sistema eleitoral.

    Desenvolvimento (parágrafos 2 a 8) —Lince argumenta em defesa de sua tese em duas frentes:
    1) contestando as supostas vantagens do voto facultativo; 2) desenvolvendo argumentos em defesa do voto obrigatório.

    Conclusão (parágrafo 9) – O jornalista (re)apresenta as ideias que defende. Agora, formuladas como conclusão fundamentada em todo o raciocínio desenvolvido ao longo do artigo: “Para que o sufrágio continue universal, para que todo poder emane do povo e não dos donos do poder econômico, o voto, além de um direito, deve conservar a sua condição de um inarredável dever civil”.

  3. Peça aos alunos que releiam silenciosamente o artigo de Léo Lince. Diga-lhes que o objetivo, agora, será analisar como ele está organizado, do ponto de vista da argumentação. Que raciocínio o autor desenvolve? Que partes o compõem? Como cada uma delas se articula com as demais?
  4. Para auxiliar nessa análise, tome como base o esquema desenvolvido pelo filósofo britânico Stephen Toulmin para descrever os componentes de uma argumentação e explicar as relações que se estabelecem entre eles. Para fins didáticos, o esquema foi ligeiramente adaptado.

Para saber mais

O Esquema de Toulmin

Acompanhe a explicação passo a passo:

  • D – É o conjunto de Dados, ou seja, de fatos, indícios, informações etc., que o argumentador toma como ponto de partida para o seu raciocínio. No texto, os dados dos quais Léo Lince parte para desenvolver seu artigo são os fatos citados no primeiro parágrafo: o incômodo gerado pela obrigatoriedade do voto e as “armadilhas” envolvidas na proposta do voto facultativo.
  • C – É a Conclusão a que o argumentador quer chegar, ou seja, a tese que pretende defender, em relação aos argumentos usados como base para o artigo. Nesse sentido, Lince quer nos levar à conclusão que identificamos na oficina anterior: “Para que o sufrágio continue universal, para que todo poder emane do povo e não dos donos do poder econômico, o voto, além de um direito, deve conservar a sua condição de um inarredável dever civil”.
  • J – É o conjunto de Justificativas, ou seja, de argumentos propriamente ditos, que o argumentador reúne e analisa com o objetivo de sustentar a conclusão ou tese. No artigo aqui analisado, os principais argumentos são aqueles apresentados na seção do texto que denominamos “Desenvolvimento”.
  • S – É o Suporte (para os Dados ou para as Justificativas), ou seja, o conjunto de informações ou argumentos complementares que ajudam o argumentador a reforçar ou os Dados e fatos de que parte ou, ainda, as Justificativas que apresenta. Alguns dos argumentos desenvolvidos ao longo do artigo funcionam como suporte para outros, de forma que a conclusão ou justificativa final vem amparada por todo um esquema argumentativo. No artigo de Léo Lince, um bom exemplo de suporte aparece no §2: o argumento de que “o quadro atual, marcado pelo desencanto com a política e pela descrença no voto como instrumento de mudança, (…) também jogo água no moinho dos que defendem o voto facultativo” é um reforço ao argumento anterior, de que “a coerção que encurrala eleitores (…) tem a ver com o peso do poder econômico”. Já no §5, as informações históricas e filosóficas sobre o que é o poder republicano têm a função de reforçar o argumento desenvolvido no parágrafo anterior, de que “quem vive numa comunidade política não pode estar desobrigado de opinar sobre seus rumos”.
  • M – É o Modalizador, a palavra ou expressão por meio da qual o argumentador manifesta determinada atitude em relação à conclusão que pretende levar o leitor a aceitar: “é certo que”, “necessariamente”, “talvez”, “é provável/possível que”, “na medida em que” etc. Alguns exemplos, no artigo de Léo Lince:
  • “Este fato, indiscutível, favorece os defensores do voto facultativo” (§1)
  • “(…) algumas distorções que, de fato, existem em nosso sistema eleitoral” (§1)
  • “Ou seja, sendo obrigatório ou facultativo, o voto pode se tornar mercadoria” (§2)
  • “Falsa conquista, (…) que pode comprometer a realização do princípio republicano da soberania popular” (§3)
  • “O voto (…) deve ser considerado um dever” (§4)
  • R – É a Refutação, ou seja, a contestação que seria possível fazer ao raciocínio do argumentador, mas ela somente é citada para mostrar como e por que ela não procede. Assim, a Refutação funciona como um recado ao adversário: “Eu sei que você pode dizer que… mas esse contra-argumento não é válido, por tais e tais motivos”. Em seu raciocínio, Lince antecipa e contesta contra-argumentos possíveis à sua tese desde o primeiro parágrafo. Portanto, todo o artigo pode ser entendido como uma longa refutação à defesa do voto facultativo.

Os DADOS, a CONCLUSÃO e a JUSTIFICATIVA compõem o núcleo de uma argumentação. Em muitos casos, o raciocínio resume-se a eles. Veja, como exemplo, uma argumentação contrária à transposição das águas do rio São Francisco.

Diante do projeto do governo federal de transpor as águas do rio São Francisco (D), quero dizer que isto seria um crime ambiental (C). A atual vazão do rio, drasticamente diminuída por seu crescente assoreamento, não suportará o bombeamento de águas previsto (J).

Entretanto, o SUPORTE para os Dados ou Justificativas, o MODALIZADOR e a REFUTAÇÃO também podem agregar-se a uma argumentação, com o objetivo de lhe dar mais consistência ou eficácia, do ponto de vista de um auditório específico.

A linha pontilhada do gráfico que liga os Dados à Conclusão indica que existe uma relação lógica indireta desses dois elementos dentro do esquema argumentativo. Ela é indireta justamente porque precisa ser estabelecida ou demonstrada por meio de argumentos coerentes e convincentes. Já as linhas cheias indicam relações lógicas diretas e necessárias entre os Dados e os argumentos que os complementam e reforçam, ou seja, as Justificativas e o Suporte.

É preciso estar atento, portanto, às relações que se estabelecem entre as partes de um texto argumentativo para detectar adequadamente “quem é quem” e também para avaliar se elas efetivamente funcionam, no conjunto, como Dados, Justificativas, Conclusão etc. Vale ressaltar que nenhuma oração, período ou trecho é, independentemente dessas relações, uma Conclusão, um Dado ou uma Justificativa. Os elementos articuladores, que serão abordados da Oficina 10 em diante, também desempenham um papel importante nesse processo.

Para saber mais

Organização geral para o texto dissertativo: introdução, desenvolvimento e conclusão

Textos dissertativos podem ser predominantemente expositivos ou argumentativos.

No primeiro caso, a finalidade principal da escrita é apenas esclarecer e/ou explicar um conceito ou noção, analisar um fato, apresentar resultados de uma pesquisa etc., de acordo com critérios já estabelecidos ou inerentes ao próprio assunto e sem maiores desdobramentos. Entretanto, quando o texto dissertativo é, antes de tudo, argumentativo, como o artigo de opinião, qualquer análise, explicação ou comentário está a serviço da defesa de uma tese; portanto, funciona como um argumento que apoia ou contesta uma opinião, uma tese, um julgamento, uma avaliação etc.

Em ambos os casos, o texto dissertativo tende a se organizar em três grandes partes (introdução, desenvolvimento e conclusão), que, grosso modo, correspondem, respectivamente, às decisões tomadas pelo articulista a respeito de como começar o seu texto, dar a ele a melhor sequência e, por fim, “passar a palavra”, com a convicção de “ter dado o recado”.

Num texto argumentativo, a introdução cumpre várias funções: apresenta o assunto; aponta, direta ou indiretamente, a questão polêmica; situa essa questão no tempo e no espaço (contextualização); especifica o âmbito do debate (a dimensão ética da corrupção; os prejuízos causados à economia; os danos morais e/ou pedagógicos, do ponto de vista das crianças e dos jovens…); indica, direta ou indiretamente, quem são seus interlocutores (parceiros e/ou apoiadores, adversários, os próprios leitores); esclarece as motivações do articulista (“Escrevo esse artigo porque…”) etc.

Em muitos casos, a opinião, ou seja, a tese defendida no texto, aparece já na introdução, numa estratégia de “ir direto ao ponto”. Em outros casos, a tese só se formula durante o desenvolvimento e/ou na conclusão, como consequência necessária do raciocínio elaborado: é exatamente quando o leitor está pronto a admitir essa consequência que ela é apresentada. Por fim, o articulista pode arriscar-se a nem sequer explicitar sua tese: sua confiança nos argumentos expostos e na sua sintonia com quem acompanha seu raciocínio é tão grande que ele “deixa o leitor tirar suas próprias conclusões”. A escolha por esta ou aquela via definirá uma parte importante da estratégia argumentativa. E estabelecerá com os leitores uma interação própria.

Já o desenvolvimento é a parte do artigo em que o articulista explica e justifica as posições e a opinião dele sobre o assunto – apresentando argumentos, indicando as condições em que devem ser recebidos (“é certo”; “é provável”; “é possível”; “em tais ou quais situações” etc.), expressando convicções, esclarecendo o sentido de algum vocábulo importante, analisando e avaliando fatos, examinando dados de pesquisas, resumindo e contestando posições contrárias defendidas por adversários etc. Assim, a principal função do desenvolvimento é reunir e examinar informações que sirvam de argumentos adequados para a sustentação da tese.

Finalmente, como o próprio nome indica, a conclusão não é apenas o fechamento do texto, mas, principalmente, o ponto de chegada de todo o raciocínio desenvolvido. A principal função da conclusão é (re)apresentar explicitamente a opinião do articulista. Mesmo que ela já tenha aparecido na introdução – ou, menos provavelmente, no desenvolvimento –, é na conclusão, ou seja, depois de todo um adequado trajeto argumentativo, que ela aparece como opinião fundamentada e, portanto, como tese. Por isso mesmo essa é a hora certa de o autor do artigo “passar a palavra”.