Bloco 3

Oficina 2

Etapa 3

O Argumento

Na linguagem audiovisual, chama-se “argumento” o gênero textual que descreve como será o filme, trazendo em detalhes a história. Além de repetir as informações contidas na sinopse (o quê, quem, onde, quando), deve expandir trazendo o "por que" e o “como”, indicando as motivações e as estratégias de abordagem do tema. Por exemplo, definir onde serão feitas as filmagens, como será o tratamento sonoro, de que forma as personagens aparecerão no filme. Elas serão entrevistadas? Não haverá entrevistas, apenas o registro de suas ações e interações com outras personagens? Caberá a uma narração apresentá-las? Elas serão solicitadas a encenar ações de seu cotidiano? Tudo isso deve constar do argumento. A partir de sua leitura, qualquer pessoa deve conseguir visualizar como a história será contada na tela.

Abaixo, seguem os aspectos que precisam ser contemplados na escrita do argumento, os quais, assim como na sinopse, não devem ser respondidos diretamente, na forma pergunta-resposta, mas desenvolvidos em um texto em prosa. 

Resumindo, o argumento deve abordar os seguintes aspectos:

O quê – Delimitação do tema.

Quem – Indicação das personagens.

Quando – Demarcação do tempo histórico do evento.

Onde – Especificação das locações.

Como – Definição das estratégias de abordagem.

Por quê? – Justificativa para a realização do documentário.

 

Importância do argumento para o documentário

Diferentemente da ficção, que consegue trabalhar com um planejamento bem fechado como guia para as filmagens, o roteiro do documentário é quase sempre aberto, porque, ao filmar personagens, fatos e paisagens reais, o documentarista está sujeito ao acaso, ao “risco do real”. 

Segundo Luiz Carlos Lucena (2018), em seu livro Como fazer documentários: conceito, linguagem e prática de produção, o argumento atua como um esboço do documentário, descrevendo o conteúdo do filme e o estilo de filmagem. Nesse sentido, esse gênero textual tem também a função de explicitar o processo criativo do documentário, desenvolvendo as ideias, intenções e as escolhas estéticas. O argumento funciona, assim, como um espaço de elaboração conceitual, criativa e reflexiva do documentário, permitindo que os(as) autores(as) apresentem com mais detalhes sua proposta e a justifiquem.  

A seguir, apresentamos, como exemplo, trechos do argumento do filme Vigias (2010), de Marcelo Lordello, sobre o qual faremos alguns comentários. Segmentamos o argumento para tornar mais didática a apreensão dos seis aspectos citados anteriormente, mas estes devem ser sempre desenvolvidos em um texto em prosa. 

Professor, selecionamos o argumento abaixo porque se trata de uma referência significativa para o seu trabalho. No entanto, o exemplo é uma produção profissional. Você e seus alunos podem produzir um argumento mais simples e mais conciso, de cerca de uma página.  

Vigias – Argumento

O quê – Delimitação do tema

Vigias é um documentário curta-metragem que tem como proposta principal o acompanhamento de turnos noturnos de três porteiros de diferentes prédios da cidade do Recife.

Comentário: as primeiras linhas do argumento resumem de forma bastante objetiva o conteúdo do documentário, marcado por uma pluralidade três porteiros de diferentes prédios , embora o foco sejam trabalhadores no exercício de uma mesma função. Nos parágrafos seguintes, espera-se que sejam aprofundados os demais aspectos do filme.

Quem – Indicação das personagens

Um porteiro recentemente saído de treinamento e em seu primeiro cargo num prédio recém-construído de classe alta em Boa Viagem, um porteiro com 20 anos de carreira prestados no mesmo edifício de classe média no bairro da Torre, e um vigilante noturno que cuida de uma rua do Engenho do Meio.

Comentário: aqui são delineadas outras diferenças em relação aos vigias: um está em seu primeiro emprego, outro exerce a função há mais de 20 anos e o terceiro é um vigilante noturno de uma rua, o que certamente influencia a visão que cada um tem sobre seu emprego e  o ambiente em que trabalham. O que os aproxima, além do cargo, é o fato de trabalharem em bairros de classe média alta da cidade de Recife.

Por quê – Justificativa para a realização do documentário

O aumento da violência nos grandes centros urbanos brasileiros é evidenciado diariamente pelas manchetes de todos os veículos midiáticos do Brasil. Esta onda de criminalidade, consequência direta de um processo antigo de desestabilização social, revela a crise em que a segurança pública do país se encontra e o alto grau de fragilidade atual das instituições democráticas. Políticas públicas em todas as instâncias governamentais estão sendo criadas e colocadas em prática a fim de conter essa não tão recente explosão da violência. No entanto, grande parte da sociedade esquece que esta crise é pautada numa evolução histórica, baseada numa estrutura social desigual, originária de uma má distribuição de renda, altos índices de desemprego e de discriminação social. Esquecimento este que acaba por direcionar essas políticas da seguridade para apenas ações de combate e não para iniciativas de prevenção, como forma de remediar o horror diário sentido pela sociedade. Vigias tem como objetivo discutir sobre o tema da violência por um viés pouco explorado na cinematografia nacional, direcionado ao contexto da classe média e alta do país. A partir da seleção de três porteiros noturnos e do acompanhamento dos seus respectivos turnos em prédios residenciais da cidade do Recife, o curta procura tecer um panorama sobre as moradias modernas dessas classes sociais, focando em suas estratégias de fortificação e de neutralização da constantemente sentida ameaça da violência.

Comentário: descrevendo um cenário de violência que assola os grandes centros urbanos brasileiros, mas que tem origens históricas e se reproduz com base na desigualdade social, o documentário apresenta uma perspectiva crítica, focalizando em um dos espaços mais seguros e protegidos em meio a esse contexto de violência as residências e prédios de classe média alta a partir do olhar daqueles que também são responsáveis pela sua segurança os vigias ,  e, ao mesmo tempo, são vítimas dessa “estrutura social desigual”. Nesse sentido, com a justificativa, o documentário ganha ainda mais força, situando-o em uma problemática nacional, que é a violência urbana.

 

Onde – Definição do local de filmagem + Quando – Demarcação do tempo histórico do evento a ser filmado

Recife é um ambiente ideal para esta abordagem audiovisual do tema da segurança pública por se tratar de uma das três capitais com maiores índices de violência do Brasil, segundo pesquisas recentes de órgãos como a Unesco e o IBGE, focadas no aumento dos índices de homicídios de pessoas jovens, e da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) que a considerou, entre as capitais do Brasil, a cidade com maior taxa média de homicídios do Brasil. Como consequência temos o aumento explícito da sensação de insegurança sentida pela população da cidade, que acaba por modificar comportamentos, tornando-os reféns assumidos da violência, mais suscetíveis ao convívio com o medo constante e stress psicológico, situação que expõe um ato impotente de relevância das liberdades originais do cidadão.

Comentário: além de apontar o local onde as filmagens serão feitas, há uma justificativa para a escolha: Recife é uma das três capitais mais violentas do Brasil, segundo uma série de órgãos importantes, todos nomeados, um argumento de autoridade que confere ainda mais legitimidade e relevância ao documentário. Por ser uma das cidades com maiores índices de violência, o medo da violência, a busca por segurança, o estresse, aspectos que o documentário visa cobrir, são ainda mais vísiveis nesse espaço e, provavelmente, têm grande impacto no trabalho dos vigias. 

 

Como – Delimitação das estratégias de filmagem

Ao acompanhar um turno noturno desses 3 personagens, desde o entardecer até a manhã do dia posterior, o filme recriará uma ambientação da experiência sensorial cotidianamente vivida pelos 3 porteiros noturnos, que se relacionam diariamente e diretamente com medos e receios dos seus patrões. Este acompanhamento dará oportunidade à equipe, e consequentemente aos espectadores, vivenciarem um contexto de enfrentamento desses mesmos medos contemporâneos, método psicológico essencial para uma reflexão sobre as causas desses temores e de descoberta do grau de participação dessa classe-média temerária na fabricação deles.

A equipe acompanhará cada personagem durante duas noites inteiras, períodos suficientes para que um mínimo de intimidade seja estabelecida, criando assim oportunidades de registro de situações espontâneas e de intervenções dos próprios personagens na busca de diálogos sobre suas próprias experiências, compartilhada pela equipe através do método escolhido. Os diálogos, quando ocorrerem, serão estimulados pelo diretor, na busca por aprofundamentos das opiniões das personagens sobre os temas essenciais de interesse do documentário. A intenção é tentar captar o máximo de naturalidade da interação da equipe com o contexto de interesse.

A equipe será formada pela menor quantidade de profissionais possíveis, para que os personagens tenham a oportunidade de sentir-se à vontade com todos ali presentes, estratégia fundamental pelo pouco tempo de relação entre equipe-personagem. 

A noite será retratada como momento de incerteza e solidão, dois dos conceitos característicos da profissão das personagens. A incerteza será alcançada pela valorização das sombras da noite, espaços desconhecidos, ameaçadores, que representam os receios da maioria dos moradores, que ao dormir tentam esquecê-los. A solidão, momento propício à reflexão, virá à tona através de planos fixos e longos de ambientes vazios e envoltos pela noite. Não haverá utilização de luz artificial trazida pela equipe. Apenas luzes de postes e das guaritas serão usadas, conceito que favorece o menor grau de interferência nos ambientes, e a criação de imagens da noite com características mais realistas.

O silêncio da noite da cidade ampliará ainda mais essas duas características estilísticas da reprodução do real. Uma trilha incidental e sutil, formada quase completamente por sonoridades graves e contínuas, será utilizada quando a madrugada for retratada, buscando a criação de um clima que dê mais densidade às reflexões mais aprofundadas dos personagens, a serem valorizadas durante esse período da noite.  

Comentário: esse trecho do argumento alia as estratégias de filmagem aos efeitos de sentido que se busca provocar, bem como os objetivos, de caráter social e político, que o documentário tem uma reflexão sobre o medo da violência e como a própria classe média alta é responsável por ele. Descrevendo como será o trabalho da equipe durante as gravações, essa parte está comprometida com a dimensão estética do documentário, em que a noite e seu silêncio será tratada não apenas como um período do dia, mas sobretudo como uma metáfora para a solidão e a incerteza, que marcam o cotidiano desses trabalhadores. A trilha sonora também será trabalhada com base nessa busca por criar “um clima que dê mais densidade às reflexões mais aprofundadas dos personagens”.

 

Agora, vamos pensar em organizar um argumento possível para o documentário Nunca é noite no mapa, de Ernesto de Carvalho (2016), produzido na cidade de Recife, cuja sinopse é a seguinte:

“Que diferença faz para o mapa se ele te contém? Um encontro frontal com o mapa nos leva a um passeio pelo circuitos da simbiose entre o mapa e as transformações dos espaços na era do capitalismo digital. ‘O mapa não anda, nem voa, nem corre, não sente desconforto, não tem opinião. Pro mapa não há governo, não há golpe de estado, não há revolução.’ Nunca é noite no mapa (2016). Ernesto de Carvalho. Sinopse. In: http://portacurtas.org.br/filme/?name=nunca_e_noite_no_mapa

Assista ao filme:

Nunca é noite no mapa. Ernesto de Carvalho. Brasil. 2016. 6 min.

Após assistir atentamente ao filme, podemos agora buscar responder a cada um desses aspectos que devem constar no argumento, lembrando que a segmentação tem fins didáticos, pois o argumento deve ser escrito na forma de um texto em prosa sem a explicitação das questões.

O quê – Delimitação do tema.

O filme apresenta, a partir de imagens coletadas em Recife pelo aplicativo Google Streets View, como mapas digitais neutralizam a complexidade social, política e cultural da paisagem urbana da cidade e obscurecem a existência das pessoas, os pertencimentos, os conflitos e relações humanas, ao congelá-las no tempo e no espaço em favor de objetivos aparentemente informativos, como a representação visual virtual de lugares.  

Quem – Indicação das personagens.

No documentário há uma narração over do diretor, Ernesto Carvalho, que captura o exato momento em que o carro da Google Street View aparece na sua rua e, por isso, é também capturado pela câmera da empresa, tendo sua imagem congelada na representação virtual de onde mora. Além dele, aparece também a figura de um segurança privado, não identificado, e de pessoas anônimas cujas imagens também foram capturadas nesse processo.  

Quando – Demarcação do tempo histórico do evento.

As imagens reunidas, todas retiradas do Google Street View, vão de 2011 a 2016, percorrendo um período em que a cidade de Recife foi marcada por práticas de revitalização e reurbanização que removeram pessoas pessoas, demoliram casas e alteraram significativamente a paisagem urbana em favor de uma “nova cidade”. Há também imagens que mostram a cidade do Rio de Janeiro como cidade olímpica em 2016, quando foi sede das Olimpíadas. 

Onde – Especificação das locações.

As imagens mostram a cidade do Recife, em especial ruas do bairro do narrador e diretor do documentário, além de bairros carentes que passaram por processos de revitalização.  Ao final é mostrado a cidade do Rio de Janeiro em 2016, quando era cidade olímpica, como emblema da transformação radical do espaço urbano marcada por interesses comerciais e políticos, retirando as pessoas de seus locais em função dos interesses do Estado e de empresas. 

Como – Definição das estratégias de abordagem.

A partir de uma narração over baseada na contraposição entre o narrador enquanto pessoa e o mapa como algo inanimado, supostamente neutro, “um olho desincumbido de um corpo”, o documentário apresenta um percurso nas ruas e bairros de Recife a partir do Google Street View durante o dia, pois é somente durante o dia que a captura de imagens é feita, tornando-a ainda mais próxima de uma representação clara e eficiente do real. Contudo, a narração é constituída por uma série de afirmações que criticam a aparente neutralidade da representação capturada pelo mapa, como: “O mapa não precisa de pernas, nem de asas. O mapa não anda, nem voa, nem corre, não sente desconforto, não tem opinião. Nunca chove dentro do mapa e não há vento no mapa. No mapa não há contramão nem velocidade. Pro mapa não tem engarrafamento, nem direção”, explicando o quanto ele é uma representação artificial e insuficiente da complexidade da realidade de uma cidade, ao mostrar pessoas, carros, ruas, completamente congeladas. 

Há, além disso, imagens de homens negros sendo enquadrados pela polícia, pessoas em situação de rua e bairros precarizados, antes da revitalização, acompanhadas por uma narração que ironicamente afirma que “todos são iguais perante a lei, todos são iguais perante o mapa” para evidenciar o quanto cenas de violação de direitos humanos podem ser neutralizadas e contidas no mapa como parte natural da paisagem urbana capturada, congelando no tempo e no espaço determinados corpos como criminosos e descartáveis. Como desdobramento disso, o carro da Google e os tratores e caminhões são chamados pelo narrador de “viaturas” para estabelecer uma relação entre o braço armado do Estado, a polícia, e o poder da tecnologia e do mercado imobiliário na produção de paisagens urbanas esvaziadas de conflitos, pessoas, lutas, revolução. 

Ao mostrar a pichação “Vai sair quem quiser, quem não quiser fica” em um tapume, com guindastes e gruas atrás, feita no contexto das remoções realizadas no Rio de Janeiro por causa das Olimpíadas e acompanhada, em seguida, pela imagem do que parece ser aquele espaço já revitalizado, busca-se ilustrar a força das viaturas da polícia que garantem a passagem das “viaturas da nova cidade” no processo de configuração de uma nova cidade, em que o desejo de permanecer no local é frágil, pois “cidade bem policiada, cidade bem mapeada”. 

Por fim,  ao exibir uma avenida em que as manifestações de rua chegam somente à noite, a expressão “noite” se torna metáfora daquilo que nunca aparece no mapa, pois “Pro mapa não há governo, pro mapa não há guerra civil, não há golpe de estado, não há revolução. Nunca é noite no mapa”.

 Por quê? – Justificativa para a realização do documentário.

Diante dos avanços da tecnologia, que tem levado a formas de controle, vigilância e mapeamento da realidade cada vez mais poderosas e ostensivas, difundidas por meio de aplicativos e programas vistos como recursos úteis e neutros, o documentário procura explicitar como há dinâmicas de poder envolvidas nessas tecnologias, em que vidas, paisagens, sentidos, sentimentos, conflitos e relações humanas podem ser ofuscadas quando as vemos como simples representações virtuais da realidade. Assim, fazendo uso das imagens que o Google Street View oferece, procuramos oferecer um olhar que joga luz para o esvaziamento da complexidade da realidade, bem como a articulação entre diferentes poderes na configuração de paisagens urbanas cada vez mais excludentes.

Agora vamos analisar o argumento do documentário premiado na 6ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa, Meu lugar, Ubaranas, de Francisco André Silva de Moura, Lucas Cauã de Lima da Silva e Bruna Santos Vitalino Almeida, da escola Barão de Aracati, de Aracati/CE:

Meu Lugar, Ubaranas é um documentário curta-metragem que tem como proposta principal apresentar a localidade de Córrego de Ubaranas pela ótica do estudante André Moura. André é um adolescente de 16 anos de idade, nascido e criado na comunidade de Córrego de Ubaranas, aluno do 1º ano do Ensino Médio da E.E.M. Barão de Aracati. Membro muito querido na comunidade, mesmo com a pouca idade que tem, André é um dos responsáveis por cuidar da Igreja São José, o maior orgulho do lugar.

Comentário: no primeiro parágrafo é apresentado o lugar Córrego de Ubaranas sobre o qual o documentário fala e o ponto de vista pelo qual a história desse local é contada, a perspectiva de André, um adolescente de 16 anos, nascido e criado na comunidade, descrito como alguém querido em Ubaranas. Evidencia-se, assim, a proposta do documentário, que será detalhada nos parágrafos subsequentes.

Povoada por remanescentes de escravos quilombolas, Córrego de Ubaranas é uma das poucas comunidades nessa condição, no Ceará, a obter o Reconhecimento Público federal como Comunidade Remanescente de Quilombo. No entanto, esse reconhecimento não veio de graça.

Comentário: nessa parte há uma maior contextualização do Córrego de Ubaranas, apontando uma singularidade bastante importante: trata-se de uma comunidade remanescente de quilombo e uma das poucas a obter reconhecimento federal como território quilombola, mas cujo reconhecimento “não veio de graça”, o que já sinaliza um viés crítico sobre esse dado.

A busca pela identidade e direitos gerou vários conflitos ideológicos e de outras naturezas, entre os descendentes dos escravos e descendentes dos proprietários. Notadamente, percebe-se no documentário, nas falas das personagens, que a escravidão nessa comunidade se estendeu para muito além da assinatura da lei Áurea.

Comentário: este parágrafo, que poderia ser parte do parágrafo anterior, uma vez que gira em torno da questão da busca pela identidade, apresenta a dimensão de luta que atravessa esse reconhecimento obtido, em que se destaca o quanto práticas escravistas se mantiveram mesmo após a abolição, algo abordado pelas personagens que aparecem no documentário. Percebe-se, assim, como o argumento concebe Ubaranas como uma comunidade que historicamente luta por seus direitos.

Por essa peculiaridade, a comunidade já foi até objeto de pesquisa antropológica de alunos e professores da UFC – Universidade Federal do Ceará. Desta pesquisa resultou o livro Relicário de Ubaranas: Memórias de um lugar quilombola.

Comentário: aqui é apresentado mais um dado que endossa a relevância de Ubaranas: há um livro da área de antropologia que aborda as memórias desse território, motivado pelo fato de ser uma comunidade que luta por seus direitos. Essa é uma estratégia importante por evidenciar que houve uma pesquisa bibliográfica sobre o local abordado.

Dada a riqueza histórica material e imaterial que esta comunidade nos apresenta, a mesma torna-se oportunamente tema deste documentário, que traz retalhos dessas histórias pela ótica dos moradores, incluindo o próprio André.

Comentário: à luz dos três parágrafos anteriores, que justificam a relevância do local, este reafirma a importância de Ubaranas e do documentário produzido “Dada a riqueza da história material e imaterial que esta comunidade nos apresenta” , trazendo, em seguida, o que a produção apresenta: “retalhos dessas histórias pela ótica dos moradores, incluindo o próprio André”.

A comunidade de Córrego de Ubaranas fica a 15 Km da sede do município de Aracati, litoral leste do Ceará, e mesmo não sendo banhada pelo oceano, dista a poucos quilômetros da praia. Sua atividade produtiva tradicional era o cultivo da cana de açúcar, o que explica a presença de descendentes diretos de escravos na comunidade. Outra evidência clara da presença de forte produção agrícola no local é opulência da igreja católica de São José, a maior da zona rural do município, seguindo os moldes das coloniais igrejas históricas da sede, datando de meados do século XVII.

Comentário:  nesse parágrafo há uma contextualização histórica, social e geográfica do Córrego de Ubaranas, que nos auxilia a entender as especificidades que marcam esse local, como a presença de descendentes diretos de escravos, o que explica o fato de ser uma comunidade remanescente de quilombo. Embora seja feita uma boa contextualização do local, estas são informações que deveriam ser apresentadas desde o segundo parágrafo do argumento, quando é dito que se trata de uma comunidade quilombola, deixando, assim, o argumento mais coeso e coerente.

Ao acompanhar o jovem André por situações do seu cotidiano, além de ouvir pessoas da comunidade, o documentário visa contribuir com a construção de uma memória deste lugar. Não a única, não a definitiva, mas a que se pode construir sob o ponto de vista de três adolescentes que têm em suas mão a difícil missão de mostrar o lugar.

Comentário:  nesse parágrafo se aprofunda um pouco mais o objetivo do documentário, que é contribuir “com a construção de uma memória deste lugar” a partir de situações do cotidiano do André e de falas de pessoas da comunidade, explicitando mais uma vez como o documentário se articula por meio do ponto de vista do estudante e de outros moradores.

A equipe é formada pelos alunos Lucas Cauã, Bruna Vitalino e pelo próprio André Moura. O fato de apenas o André viver naquela comunidade, por si só já definiu a parte da dinâmica do filme. Ao apresentar aos amigos o seu lugar, o personagem principal, motivado pela curiosidade dos companheiros, automaticamente, aponta os caminhos a serem trilhados, os lugares a serem mostrados, os personagens que serão entrevistados.

Comentário: além de trazer os responsáveis pela produção do documentário, aqui são mencionadas e explicadas algumas estratégias de abordagem do local escolhido, como o protagonismo de André, justificada pelo fato de ele ser um morador de Ubaranas, ou seja, alguém que conhece bem o lugar e, por isso, aponta os caminhos e os personagens a serem conhecidos ao longo do documentário.

Esse mergulho revela aspectos únicos do lugar que somados ao já existente material sobre a localidade, ajudam a escrever mais uma página dessa longa história brasileira.

Comentário: esse parágrafo que poderia ser o último período do parágrafo anterior, pois “esse mergulho” diz respeito ao que André realiza mostra como o documentário contribui com mais um olhar sobre Ubaranas, que já soma “ao já existente material sobre a localidade”, sendo mais uma página e não a primeira página da história dessa comunidade. Uma vez que já  existe material sobre esse território, tornou-se ainda mais importante que o argumento apontasse e enfatizasse a contribuição que eles oferecem com esse filme.

Assista ao filme:

 

Meu lugar, Ubaranas. Bruna Santos Vitalino, Francisco André Silva de Moura e Lucas Cauã de Lima da Silva. Escola Barão de Aracati, Aracati/CE, Brasil.  2019. 5 min.

Atividades

1. Retomando o filme trabalhado em uma das atividades sobre sinopse, Deus (2017), de Vinicius Silva, proponha uma escrita coletiva do argumento, atentando-se para os nomes das personagens e os locais filmados, além de refletir com os alunos sobre a justificativa e o objetivo do curta, bem como as estratégias de abordagem utilizadas, que precisam aparecer no argumento. 

PROFESSOR(A), considerando que Deus é um curta marcado por cenas do cotidiano de Roseli, mãe de Breno, que vive na periferia de São Paulo, sem nenhum discurso teórico ou político sobre a condição das mulheres negras que criam os seus filhos, ou falas de especialistas, militantes, etc, trata-se de uma atividade em que caberá aos próprios alunos apreenderem a dimensão social e política desse documentário, formulando sua justificativa e objetivo, além de associar esses aspectos às estratégias de abordagem escolhidas. Por exemplo, há cenas que mostram Roseli indo sozinha trabalhar, utilizando o transporte público, sem nenhuma trilha sonora ou narração, mas valorizando sua fisionomia e seus gestos, construindo assim uma subjetividade em que ela não é mais uma pessoa na multidão da cidade de São Paulo, o que contribui para a sensibilização quanto à sua experiência e solidão. 

2. Peça que os alunos se organizem nos trios em que irão produzir os documentários e oriente-os a escreverem o argumento de seus documentários, no qual vão repetir algumas informações já presentes na sinopse (tema, ponto de vista, personagens), mas devem acrescentar novos elementos, especialmente em relação às estratégias de abordagem. Escreva na lousa ou prepare um cartaz com as orientações para a escrita.

Orientações para a escrita do argumento

  • Informe o tema do documentário.
  • Indique quem são as personagens.
  • Justifique a importância da história.
  • Aponte as formas de abordagem do tema. Por exemplo:
    • assinale se haverá entrevistas e se elas serão individuais e/ou coletivas;
    • sugira em quais locais serão feitas as filmagens;
    • delibere se os acontecimentos do mundo real serão filmados no momento em que ocorrem ou se as personagens encenarão para a câmera suas ações cotidianas;
    • decida se haverá uso de materiais de arquivo e com que intenção eles aparecerão no documentário. Para ilustrar o passado? Para contrastar com o que é dito?.
  • Escreva um texto numa linguagem simples e objetiva.
  • Use cerca de uma página para elaborar o argumento.
  • Dê um título para o documentário e escreva-o acima do texto.
  • Revise o texto para checar ortografia, pontuação, sintaxe e estilo.

PROFESSOR(A): após atividades que familiarizaram mais os estudantes com o argumento, trata-se agora de orientá-los para que escrevam os seus próprios argumentos, à luz das orientações dadas. Antes disso, é possível retomar características do argumento, os aprendizados das atividades anteriores, frisando, sobretudo, as estratégias de abordagem, que são fundamentais no processo criativo.

3. Na aula seguinte, distribua aos alunos os argumentos para que eles revisem e aprimorem o texto. Novamente, escreva na lousa ou prepare um cartaz com orientações para direcionar o trabalho de autoavaliação. 

Orientações para a revisão do argumento

  • Você deixou claro para o leitor o assunto do documentário?
  • Especificou quem são as personagens da história?
  • Justificou por que essa história é importante?
  • No caso de uso de entrevistas, assinalou se elas serão individuais e/ou coletivas?
  • Sugeriu em quais locais serão feitas as filmagens?
  • Indicou se os acontecimentos do mundo real serão filmados no momento em que ocorrem ou se as personagens encenarão para a câmera suas ações cotidianas?
  • Mencionou o uso de material de arquivo, se ele for uma opção de filmagem?
  • Verificou se os materiais de arquivo pretendidos precisam de autorização para serem usados, e qual a dificuldade para a obtenção da(s) autorização(ões)?
  • Escreveu um texto com uma linguagem simples e objetiva?
  • O argumento tem cerca de uma página?
  • Deu um bom título para o documentário e dispôs-o acima do texto?
  • Checou se a pontuação está correta?
  • Corrigiu os erros de ortografia?
  • Substituiu palavras repetidas e eliminou as desnecessárias?

PROFESSOR(A), esse é um momento em que os alunos devem reavaliar em trio o que fizeram, observando o quanto o argumento segue as orientações feitas e aprofunda aspectos importantes do documentário. Nessa atividade, o professor pode ir passando em cada grupo, perguntando por cada aspecto exigido no argumento e pedindo para eles explicarem como e por que escolheram determinada abordagem, por exemplo, dando eventualmente uma sugestão ou outra.

4. Defina uma data para a entrega da versão final dos argumentos.