Bloco 4

Oficina 4

Etapa 3

Avaliação

Agora que já passamos por todas as etapas de produção de um documentário, vamos usar esse conhecimento também na hora de avaliar um filme de não ficção.

Para ajudar nessa tarefa, o Programa Escrevendo o Futuro sugere uma grade de avaliação. Você e sua turma podem utilizar essa grade para fazer uma autoavaliação do trabalho realizado e encaminharem juntos aprimoramentos possíveis, se julgarem necessário. Conheça a grade de avaliação e preste atenção nos critérios e nos respectivos descritores:

Grade de avaliação (clique aqui)

Documentário

Proposta de descritores

Critérios Pontuação Descritores
Tema "o lugar onde vivo" 1.0

O documentário retrata a atualidade (conflitos, questões relevantes, acontecimentos etc.), a história, a cultura ou a vida de uma personagem do local?

Adequação ao projeto 1.0 O documentário consegue realizar, mesmo parcialmente, o que foi proposto no projeto? Ou seja, mesmo com as mudanças e adaptações diante do “risco do real”, ele se aproxima do objetivo anunciado?
Adequação ao gênero 1.0

Adequação discursiva

O documentário retrata algo do mundo real?

2.0

Modos de representação

Os modos de representação utilizados para abordar o real inserem o espectador no universo do filme documentário? Dependendo das estratégias escolhidas, o documentário as aproveita bem? Por exemplo:

Ao utilizar entrevistas, elas:
– Deixam transparecer de forma satisfatória o tema e/ou a personagem?
– Tratam as personagens de forma respeitosa? Evite reduzi-las a estereótipos de classe, gênero, etnia?

Ao utilizar a narração:
– Ela é adequada? Ela opera de forma eficiente ao lado das imagens, seja para explicá-las, seja para contradizê-las?

Ao utilizar material de arquivo:
– Ele contribui para esclarecer e ampliar o assunto?

Ao utilizar reencenações:
– Elas se justificam? Estão adequadas?

Ao utilizar estratégias de reflexão:
– Elas estão bem desenvolvidas?

Ao utilizar estratégias de performatividade:
– O realizador deixa claro por que volta a câmera para si?

2.0

Recursos de linguagem

Os recursos utilizados ao filmar e editar são os mais apropriados para se obter os efeitos desejados? Ou seja, o documentário faz uso adequado da gramática audiovisual ao enquadrar uma imagem, movimentar a câmera, editar o filme?

Até que ponto os recursos escolhidos, ou a combinação entre eles, são as melhores opções para abordar o assunto (do ponto de vista da imagem, do som, da edição etc.)?

Tecnicamente, imagem e som estão bem cuidados?

Marcas de autoria 2.0

O documentário sustenta um ponto de vista claro sobre o registro audiovisual que faz?

Ele se posiciona, toma partido diante do assunto abordado?

Ele expressa um olhar pessoal dos realizadores a respeito do assunto?

Ele é inovador no tratamento do tema? Consegue usar de maneira criativa os recursos audiovisuais escolhidos (narração, imagens de arquivo, entrevistas, efeitos sonoros etc.)?

Posicionamento ético 1.0

O documentário é ético na maneira que filma/entrevista as pessoas?

Quais consequências ele pode trazer para a comunidade/pessoas filmadas? Positivas ou negativas?

Atividades

1. Primeiro, assista ao curta-metragem A garrafa e a tartaruga e depois avalie-o com base na grade de avaliação proposta.

Agora, atribua a pontuação que julga mais adequada para cada um dos conceitos. Para facilitar, você pode utilizar o modelo simplificado da grade que disponibilizamos abaixo:

Critérios

Pontuação

Tema "O lugar onde vivo"

Adequação ao gênero

Adequação discursiva

Modos de representação

Recursos de linguagem

Marcas de autoria

Posicionamento ético

O item “Adequação ao projeto” não será avaliado no contexto dessa atividade, porque desconhecemos o projeto que deu origem ao filme analisado.

Agora, vamos avaliar, critério por critério, o curta-metragem. Clique nos itens abaixo para ler os comentários da equipe do Programa Escrevendo o Futuro:

1. Tema: “O lugar onde vivo”

A garrafa e a tartaruga é um filme sobre descarte de resíduos sólidos no mar e seu efeito na vida dos animais marinhos. Seu objetivo é sensibilizar as pessoas para que não joguem esse tipo de objeto no oceano.

Portanto, mostra preocupação com o lugar onde se vive, devendo receber alguma pontuação nesse critério. No entanto, a abordagem é bastante generalista, não apresenta nenhuma peculiaridade sobre os locais filmados, ou o impacto ambiental específico para certa comunidade. Assim, não seria recomendado atribuir a pontuação máxima.

2. Adequação ao projeto

Como não temos acesso ao projeto de A garrafa e a tartaruga, não é possível avaliar esse descritor.

3. Adequação ao gênero

3.1. Adequação discursiva

O fato de personificar animais e objetos, bem como criar encenações com a garrafa, não invalida o caráter documental do curta. As informações científicas sobre a morte de animais marinhos em decorrência da ingestão de resíduos sólidos lançados ao mar garantem a etiqueta de documentário ao filme. Uma narração em voz over discorre sobre a quantidade de lixo engolida pelas tartarugas monitoradas pelo projeto Tamar entre 2012 e 2013. Essa voz também fornece dados sobre a relação entre o lixo jogado no mar e a morte de mamíferos e aves marinhas em todo o planeta.

Assim, a obrigação de abordar algo da realidade se realiza, podendo o curta receber pontuação máxima nesse descritor.

3.2. Modos de representação

Para conseguir mobilizar o público, o filme cria uma narrativa ficcional em que uma garrafa plástica e uma tartaruga vivem uma situação de conflito. A garrafa é a protagonista e vilã da história. Aliás, ela é vilã apenas pela perspectiva do público, porque, na visão que tem dela mesma, é vítima de animais que “acabam” com a sua vida.

A personificação da garrafa e da tartaruga deixam claro para o espectador que o documentário utiliza estratégias de ficcionalização. Não há engano possível com relação a isso. Afinal, garrafas e tartarugas não pensam, nem falam.

Por outro lado, a narração em voz over fornece informações sobre a poluição do ecossistema oceânico, o que faz com que parte do curta se filie aos documentários de cunho científico.

Vê-se, portanto, que o filme utiliza dois modos de representação do real: a encenação e a narração em voz over que acompanham imagens de arquivo para abordar o tema da morte de animais por ingestão de resíduos sólidos lançados ao mar. Tais modos de representação são utilizados adequadamente, pois as estratégias de ficcionalização, além de pertinentes como mecanismo de sedução do público para o tema, mostram-se criativas. Por sua vez, dados científicos informam sobre a escala do problema.

3.3. Recursos de linguagem

O curta usa muito bem os recursos da linguagem audiovisual tanto com relação às estratégias de filmagem quanto na hora da montagem. Vejamos:

Em geral, utiliza-se um plano detalhe ou primeiro plano nos momentos em que a garrafa externaliza seus pensamentos. Esse enquadramento favorece a construção de uma identidade para o objeto.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

Quando o foco é o ambiente em que a garrafa circula – a praia, o mar –, o enquadramento é mais distanciado, como o plano geral.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

O espectador percebe que as imagens da garrafa equivalem a filmagens feitas nas locações; já a tartaruga ganha vida através de imagens de arquivo.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

Por meio de uma narração em voz off, conhecemos as queixas, os anseios e os desejos da garrafa. À narração em voz off da garrafa interpõe-se uma narração em voz over de um narrador onisciente, a quem cabe dar as informações sobre os efeitos do lixo jogado no mar. Numa relação de complementaridade entre locução e imagem, o narrador vai mostrando que tipo de lixo as tartarugas engolem.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.
A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.
A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

O narrador menciona ainda o trabalho do fotógrafo Chris Jordan, que, com suas fotos, busca sensibilizar as pessoas para o problema da morte de animais marinhos provocada pelo lixo jogado no mar. Nesse trecho, as imagens do fotógrafo ilustram a narração. A fim de valorizar as fotografias de Jordan, o diretor, de início, focaliza apenas um detalhe da imagem para depois, através de um zoom out, mostrá-la por completo.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

Na sequência, a narração volta a ser da garrafa, que se queixa de permanecer à deriva no mar. Nesse momento, a trilha adquire um tom de ação e suspense. A montagem paralela passa a impressão de que a tartaruga está perseguindo a garrafa. A garrafa é filmada em meio à superfície agitada das ondas do mar. Imagens de arquivo mostram a tartaruga nadando em águas profundas até se aproximar da superfície. A abertura de boca da tartaruga é captada em plano detalhe pela câmera.

A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.
A garrafa e a tartaruga. Marcus Farah. Brasil, 2018.

Conclusão: o terrível mamífero marinho comeu a pobre garrafa. Assim, o caráter ficcional da narrativa, em contraste com os dados do mundo real, promove uma inesperada inversão de papéis entre vítima e vilão.

Os únicos elementos que, a nosso ver, não estão no mesmo nível de excelência dos demais são os seguintes:

  • A qualidade interpretativa das narrações. Por vezes, tanto a narração em voz off quanto a em voz over carecem de maior traquejo dramático.
  • As transições entre as imagens feitas na praia e as de arquivo que mostram os animais no fundo do oceano. Embora as imagens do oceano estejam acompanhadas de trilha musical, talvez pudessem ser acrescidos à trilha recursos sonoros que fizessem de maneira mais suave a passagem da praia para o fundo do mar.

4. Marcas de autoria

Distanciando-se de uma característica comum aos documentários, que é estar abertos aos acontecimentos do mundo, esse filme é todo roteirizado. Tudo – elementos ficcionais e não ficcionais – foi planejado para, em conjunto, funcionar a favor da história que se quer contar e da denúncia que se quer fazer. É o que ocorre com:

  • a relação que se estabelece entre as imagens captadas in loco e as de arquivo;
  • o contraponto entre a narração em primeira pessoa da garrafa e a voz over de um narrador onisciente;
  • a construção do conflito dramático entre as personagens.

Ao jogar com a alternância entre uma voz subjetiva (narração em voz off da garrafa) e outra objetiva (narração em voz over do narrador onisciente), o filme ganha caráter bastante autoral.

Os recursos de linguagem utilizados (narração, trilha sonora, edição) conseguem atingir o objetivo final de chamar a atenção do espectador para o problema que se quer denunciar. Assim, pode-se afirmar que o ponto de vista do realizador está claro e o argumento, bem construído. Por esses motivos, as marcas de autoria se fazem presentes.

5. Posicionamento ético

O curta mostra-se ético no tratamento que dá às imagens, pois:

  • faz uso de imagens de arquivo em prol de uma causa importante para o meio ambiente;
  • fornece informações sem distorcê-las;
  • dá os créditos das imagens de arquivo que utiliza e das informações que divulga;
  • não maltrata os animais que filma.

Pontuação sugerida pela equipe do Programa Escrevendo o Futuro para o curta A garrafa e a tartaruga:

Critérios

Pontuação

Tema "O lugar onde vivo"

0,5

Adequação ao gênero

Adequação discursiva

Modos de representação

Recursos de linguagem

1,0

2,0

1,5

Marcas de autoria

2,0

Posicionamento ético

1,0

Professor(a), ao comparar sua avaliação com a sugestão da equipe do Programa Escrevendo o Futuro, você pode ter encontrado pontos de convergência e divergência. Isso é bastante natural e inclusive esperado! As divergências são ótimas oportunidades para reflexão, troca e construção de novos e múltiplos olhares.

Para aperfeiçoar ainda mais seu olhar avaliativo, sugerimos que você converse com outros colegas sobre suas impressões.

Desejamos um ótimo trabalho!