Bloco 1

Oficina 2

Etapa 1

Introdução

As transformações conceituais, procedimentais e de linguagem pelas quais o documentário tem passado revelam que, como qualquer outro gênero textual-discursivo, ele não é estático. Modificações tecnológicas e sócio-históricas geram reconfigurações no próprio gênero. Atualmente, o termo “documentário” reúne diversas formas de representar o real.

Neste Caderno, tomamos como base a classificação proposta por Bill Nichols, importante estudioso do gênero Documentário.

Nichols sugere que esse gênero abarca seis subgêneros: expositivo, poético, participativo, observacional, reflexivo e performativo. Cada um deles opera com base em convenções que lhe são específicas.

No entanto, é preciso enfatizar que a identificação de um documentário com um modo de produção não precisa ser total, ou seja, um documentário participativo pode conter segmentos poéticos, por exemplo. Quando vinculamos um documentário a determinado subgênero, essa classificação se baseia em características dominantes, e não exclusivas.

Nesta Oficina, vamos discorrer sobre cada um desses subgêneros.

Documentário expositivo

A maioria das pessoas reconhece o modo expositivo como “o gênero Documentário”, ou seja, como uma espécie de “forma universal” do gênero. Isso se explica muito provavelmente por ser esse modo uma das primeiras formas de representação documental, surgida ainda na década de 1920 e classificada como “documentário clássico”.

Além disso, o fato de os noticiários de TV, frequentemente presentes no cotidiano das pessoas, também buscarem um modo de representação objetiva, neutra (como vimos na Oficina 1), torna ainda mais familiar o modelo.

A voz no documentário expositivo

No modo expositivo de representação da realidade, o documentarista aspira passar a impressão de objetividade (lembrando sempre que essa objetividade total é uma impossibilidade). Assim, a voz que narra os fatos busca julgar as ações do mundo histórico sem com elas se envolver. Para tanto, o documentarista investe em estratégias de enunciação que causam efeito de distanciamento, neutralidade, indiferença e onisciência, as quais correspondem à maneira como a voz que narra surge na tela:

  • por meio da chamada “voz de Deus”, quando o locutor não é visto em cena e apenas ouve-se a sua fala;
  • encarnada numa “figura de autoridade” que se faz ver e ouvir em cena;
  • através do uso de letreiros que expõem o argumento defendido pelo documentário.

Esses recursos são muito utilizados em documentários de cunho científico e didático dotados de forte função moral, social e pedagógica.

O trecho abaixo, retirado do documentário Aranhas, exibido pelo Animal Planet, com direção e ano desconhecidos, é um bom exemplo do modo documental expositivo. Nele, uma voz over encarrega-se de dar todas as informações sobre a espécie sem que elas sejam questionadas. A locução tem caráter descritivo. Não há entrevistas ou depoimentos. É importante observar o papel secundário das imagens, que, apesar de bem filmadas, servem apenas para ilustrar o que está sendo dito. Assista:

Aranhas, exibido pelo Animal Planet (direção e ano desconhecidos).

Em geral, no documentário expositivo as imagens servem somente para comprovar aquilo que é narrado, ou seja, o comentário verbal é de ordem superior às imagens. No entanto, é necessário lembrar que dentro de uma perspectiva de construção irônica do argumento, por vezes, as imagens podem mostrar justamente o oposto do que se diz, criando uma contradição entre discurso verbal e visual.

O documentário Ilha das Flores, de Jorge Furtado, muito popular nas escolas, é um exemplo desse tipo. No Canal Porta Curtas, ele está classificado como “documentário experimental”. Tal especificação se justifica porque ele inova a linguagem, especialmente quando se considera a época de sua produção: 1989. Ilha das Flores mistura artifícios típicos da ficção com recursos do documentário. Assista ao filme:

Dica: ao longo do filme você verá alguns comentários da equipe do Programa Escrevendo o Futuro. Se desejar assistir sem as observações, clique no ícone de comentários para desativá-los.

Ilha das Flores. Jorge Furtado. Brasil, 1989, 11 min.

Agora, leia uma breve descrição e análise.

Se tiver curiosidade, leia uma versão do roteiro desse filme aqui.

Atividades

1. Exiba o documentário Manhã na roça: o carro de bois, do documentarista Humberto Mauro, conhecido por seus filmes de cunho educativo. Diga que se trata de uma obra produzida em 1956, quando alguns recursos audiovisuais hoje disponíveis ainda não existiam ou eram pouco empregados, como a fotografia em cores e a gravação sincrônica de som e imagem. Chame-lhes a atenção para o fato de a locução formal e a voz impostada do locutor destoarem da narração que se faz hoje em dia.

Questione os alunos sobre a pertinência da expressão “voz de Deus” para referenciar a voz de um narrador no documentário de tipo expositivo. Por que a narração em voz over, aquela que é sobreposta à imagem, lembraria algo como a “voz de Deus”?

Reflita com os alunos sobre as razões de vários documentários educativos e pedagógicos investirem nesse modo de produção documental.

Assista ao filme.

Trecho

até

Manhã na roça: o carro de bois. Humberto Mauro. Brasil, 1956, 4min e 10 seg.

Agora, leia um breve comentário para ajudá-lo(a) a refletir sobre o filme.

Para saber mais

As origens pedagógicas do documentário expositivo

O cineasta escocês John Grierson (1898-1972) é chamado de “pai do documentário”. Isso pode causar estranhamento quando se sabe que ele dirigiu apenas um filme, Drifters (1928), sobre a pesca de arenque no Mar do Norte.

Sua notoriedade deve-se às suas falas e textos. Foi ele quem, num artigo escrito para o jornal New York Sun, em fevereiro de 1926, usou pela primeira vez o termo “documentário” para referir-se ao filme Moana (1926), de Robert Flaherty.

Grierson definia documentário como “o tratamento criativo da atualidade”, ou seja, ele não tinha a ilusão de que poderia empreender uma abordagem objetiva do real. Ele dizia que era “como martelo e não como espelho” que o documentário deveria funcionar, isto é, não era refletindo o real, mas forjando-o, que os documentários entravam em relação com o mundo.

Para Grierson, os documentários deveriam ter função educativa, social e moralizante, e foi com esse pensamento que ele empregou a máquina cinematográfica para contribuir com o governo inglês a enfrentar questões difíceis da época, como inflação, pobreza e a Depressão de 1929. Muitos dos filmes que ajudou a produzir foram financiados pelo governo britânico, o que deu ao documentário uma base institucional.

Segundo ele, “foi na interpretação educacional, e não na interpretação política ou estética, que o filme documentário encontrou uma ‘demanda’, logo, tornou-se financiável. Este ponto é de grande importância na apresentação do filme documentário como uma contribuição fundamental para a informação governamental e também para a teoria educacional. Tornou-se financiável porque, por um lado, foi ao encontro da necessidade do governo de um meio atraente e dramático que pudesse interpretar as informações do Estado. Por outro, foi ao encontro da necessidade dos educadores de um meio atraente e dramático que interpretasse a natureza da comunidade. Um proporcionava o público; o outro, o patrocínio. Assim fechava-se o ciclo econômico”. (Grierson, apud Labaki, 2006, p. 38)