O apanhador de acalantos

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Beatriz Pereira Rodrigues


A estudante goiana Beatriz Pereira Rodrigues, de Catalão (GO), foi uma das vencedoras da categoria Crônica na 6ª edição da Olimpíada de Língua. Tendo como cenário as cores, sabores e aromas da feira de sua cidadezinha, a estudante tece uma reflexão sobre velhice, conexão e solidão em nosso tempo.

O sol estava dando um bom dia tímido nas primeiras horas daquela manhã de terça. Estávamos a caminho da feira da cidade. Meus colegas e minha professora já discutiam os assuntos, sabores e cores que encontraríamos lá.

O ônibus mal parou e eles já estavam na porta esperando ansiosamente para sair. A feira é pequena, típica do tamanho da cidade, situada abaixo da prefeitura. Ao seu lado, fica a linha do trem, margeada por quaresmeiras, uma ao lado da outra, num abraço roxo e rosa sem fim, cismando em querer dar boas-vindas ao trem que passa carregando nossas riquezas minerais, entre elas, o famoso nióbio.

A manhã estava fria. Via-se o vaivém das pessoas. A feira estava lotada e era difícil caminhar pelos estreitos corredores formados pelas barracas e pelo congestionamento dos passantes, cada qual com suas sacolas. Alguns colegas estavam tirando fotos, outros degustando e descobrindo sabores e eu, observando as pessoas. Ao longe, a igrejinha branca em cima do Morrinho do São João, nosso cartão-postal, parecia abençoar o nosso dia.

Entre todas as pessoas, comecei a observar um senhorzinho, bem mais velho, daqueles que usam o chapéu para sair de casa, que ia de barraca em barraca, parava em todos os grupos de conversa para puxar assunto, observava as frutas, mas nada comprava. Eu, ali, fisgada por algum encantamento vindo daquela figura magra e simpática, passei a observá-lo mais de perto, chegando a ouvir suas risadas e conversas. Às vezes, pegava uma laranja e cheirava:

— As de hoje não têm mais aquele perfume… “Sassinhora”! Que saudade!

Parecia querer encontrar ali um cheiro que o transportasse à infância, à mocidade, à felicidade! Dali a pouco, ajudava algum feirante a colocar frutas na sacola de um cliente; ora entrava em grupo de conversas e falava sobre a política da cidade, sobre suas dores, sobre os netos que já estavam grandes e não o visitavam mais; ora falava sobre o tempo… ah, o tempo… o que ele fez àquele senhor?

Percebi que ali na feira, ele estava em busca de algo, não para saciar sua fome, mas para acalentar seu coração solitário: atenção, carinho, risos, sentimento de ainda pertencer ao lugar e de ter com quem conversar. Fiquei imaginando o quanto as pessoas mais velhas podem se sentir sozinhas no vazio de suas casas. Em muitas famílias, os adultos saem para trabalhar, os jovens para estudar e os idosos ficam à mercê de ver o tempo passar. Solitários, muitos já perderam seus contemporâneos e não reconhecem mais o mundo vazio em que vivem.

Talvez por isso, aquele senhorzinho, tão velhinho, parecia tão feliz e tão acolhido quando encontrava alguém para conversar. Reparei que não era só ele. Ali, havia muitos outros, também mais velhos, sem sacolas nas mãos.

Na hora de ir embora, de longe, fiz um tchau para ele, que me respondeu abanando o chapéu, com um largo sorriso que me fez mais feliz.

Ao chegar em casa, fui para o meu quarto e, como de costume, acessei a internet para entrar em minhas redes sociais. Ali, fiquei horas, postei fotos, comentei com minha professora as impressões do passeio, ouvi minhas músicas… tudo na solidão do meu quarto.

Já era noite e, por mais que eu tentasse, não tirava o velhinho da minha cabeça. Fiquei imaginando ele levantando cedo, tomando seu café, arrumando-se e escolhendo seu chapéu de passeio para ir ao encontro do carinho das pessoas e, talvez, compensar a ausência dos filhos e netos.

Então percebi que, assim como ele, também me encontro numa grande solidão. Estamos o tempo todo conectados, sabemos tudo uns dos outros, em tempo real (mesmo no isolamento de nossos quartos), mas perdemos muito do “olho no olho”, do abraço, do toque, do sorriso verdadeiro que emana felicidade. Aquele velhinho, perdido num mundo tão diferente, e eu, perdida num mundo de indiferenças! Éramos cúmplices!

De uma certa forma, seu exemplo me move a mudanças. Onde será que encontro um chapéu? 

 


Professora Vânia Rodrigues Ribeiro

EM Nilda Margon Vaz, Catalão-GO

13 thoughts on “O apanhador de acalantos

  1. Nossa que conto lindo, realmente, existe pessoas que não tem um outro para conversar, para cuidar.
    Não sei se esse texto e baseado em fatos reais, mais gostei muito interessante!!

    1. Uma grande realidade perdemos a essência, procuramos passado no triste presente no fundo todos nos encontramos sozinhos quando entramos dentro do nosso espaço do nosso eu.

  2. o interessante é que ela fex uma reflexão do comportamento dos jovens de hoje e como eles estão se afastando de suas vidas, de seus pais e principalmente dos mais velhos, os avós. Que triste, muito triste! Não mais a casa da vó ou vô, o que há hoje é apraça, a balada, o rolé, etc., não há mais conversas na calçada, brincadeiras nas ruas, não há nada, caiu tudo no esquecimento, até a cultura de pai para filho parece que não existe mais, foi esquecida. Somos vizinhos, mas se queremos algo, não vamos um até a casa do outro, usamos o telefone, pois ficou tudo mais fácil e mais distante, pense nisso!

    1. Uma reflexão muito boa, nesse mundo tem muitas pessoas q vive em insolamento, não que sai pra nem um quanto q vive dentro de casa dentro do quarto, e não sabe q se sai um pouco haver MT pessoa com o coração bom q pode dá amor e carinho

  3. Nossa! que história linda e comovente. Fiquei emocionada. Porque minha mãe e um exemplo. Tem vários filhos netos. Mais vivi sozinha com a sua solidão. Ela sempre fala, como e ruim viver na solidão. Mora no sítio e fica sempre, em busca de alguém que passa para poder conversar. Amei essa história. Essa menina e muito inteligente!

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