À espera da última aula

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Aytan Belmiro Melo


Uma espera inusitada move a escrita desta crônica, do estudante Aytan Belmiro Melo, de Santa Bárbara do Leste (MG). Mas o que há de tão especial na esperada última aula para este mineirinho apaixonado pela escola?

 

Enquanto um dos grandes cronistas que li e que me inspirou a escrever, ansiava pelo inusitado ou pitoresco que daria luz a sua “última crônica”, o inusitado aqui é o maior desejo deste pequeno aprendiz, a razão e a emoção de meu texto: que a última aula chegue logo.

Não me interprete mal, querido leitor. Não sou desses, como alguns dos meus mais divertidos colegas, que chegam à primeira aula esperando ansiosamente pela última. Muito pelo contrário, quando eles resolvem prolongar um feriado, aqui estou eu, sentadinho em minha cadeira. Sinto-me bem na escola. Todas as manhãs, quando a mão quentinha de minha mãe me avisa que já são seis horas e tenho que me arrumar, não lamento. Sei da importância dos estudos para o meu futuro. Talvez por isso, anseio tanto por essa última aula.

Acredito que essa última aula seja aguardada por todos na cidade. Pois, se apesar da demora, ela está tão próxima, devemos isso aos valentes santa-barbarenses… Quando esse dia chegar haverá festa, haverá choro, haverá foguete! Meu coração se empolga só de pensar. A última aula na garagem! Você não imagina como esperamos por isso.

A escola onde estudava, começou a desmoronar. Foi interditada. Os alunos foram “provisoriamente” (há seis anos) colocados no salão paroquial. Não foi suficiente. Arrumaram-nos umas garagens… Isso mesmo: garagens! Sabemos que de garagens saem boas bandas, tem lojinhas que funcionam em garagens, costureiras e doceiras usam muito bem suas garagens. Mas, sala de aula, para uma turma inteira?! É terrível…

E apesar de terrível, aqui estou escrevendo minha crônica numa delas. Arrepiando-me com o frio que nos abraça nas manhãs de inverno, observando as colegas que se distraem com os gatinhos e os cães da rua que vira e mexe nos visitam e ouvindo o gargarejo das galinhas – nossas vizinhas do fundo. Afinal, nossa “garagem de aula” fica na última casa de uma rua estreita e sem saída. Quando os colegas querem tirar os olhos do quadro e viajar pela paisagem atrás de nós, têm apenas alguns pezinhos de café cercados por uma tela e um pequeno galinheiro para observar. Confesso que já me diverti algumas vezes, quando a professora fazia uma pergunta e as primeiras a responder eram as galinhas, cacarejando em alto e bom som. E não são só as galinhas: há dias que a trilha sonora que nos embala é o animado sertanejo da vizinha, em outros, o que nos abala é a “makita” dos pedreiros na construção ao lado, tão irritante que consegue desestabilizar até mesmo a firme professora de Geografia.

Mas, finalmente e felizmente, essa construção, assim como a da nossa escola, está na reta final. Nunca estivemos tão perto da última aula na garagem. Confesso que uma emoção diferente me invade ao pensar numa escola com quadra, refeitório, sala de informática, biblioteca… Meu Deus! Eu vou estudar numa escola de verdade! Uma escola que não começou de graça, sem grito, nem choro. Foi na briga mesmo. Naquele dia em que o povo daqui entrou na onda de “acordar o gigante”. Pais, alunos e professores, vestiram uma camisa de luto, tomaram a BR 116 que corta a cidade e gritaram:

— Garagem não é sala, igreja também não! Senhor Governador, olha a situação…

E só então, com as fotos e vídeos nos jornais, começamos a ser percebidos.

Ah! Como espero por essa última aula… Porém, não posso dizer que não quero nem ao menos lembrar-me desta garagem. Inesquecíveis lições tenho aprendido aqui: vendo o esforço de meus professores para compensar o tempo perdido entre as corridas de uma garagem a outra, com os colegas que ignoram o espaço em que estamos e se dedicam aos estudos, com aqueles que sabem colorir, com alegria e leveza, o nosso dia a dia. E, sobretudo, com a minha comunidade que nos deixa uma belíssima lição, mostrando-nos que diante das adversidades, não precisamos fazer as malas e mudar de cidade ou de escola, mas sim, lutar para transformar a realidade. Lições tão importantes que ultrapassam as linhas de minha crônica, as paredes desta garagem e os limites de nossa cidade.


Professora Silvania Paulina Gomes Teixeira

EE Monsenhor Rocha, Santa Bárbara do Leste-MG

 

17 thoughts on “À espera da última aula

  1. Todas as vezes que leio a crônica de Aytan , ainda me emociono …Como um só texto pode retratar tão bem o sentimento de uma comunidade inteira ,através da visão singular daquele menino em sua “garagem de aula “ ?
    Eis que veio a pandemia e nos tirou abruptamente das aulas nas garagens , mas a beleza deste texto mantém em nós a esperança de dias melhores …Não pudemos comemorar a última aula , mas vamos comemorar , muito , a 1ª !!!
    Obrigada Aytan ! Seu texto foi um grande presente para todos nós ! Me sinto imensamente orgulhosa, de ter sido a professora que te acompanhou nesta aventura ! Parabéns e obrigada !

    1. Parabéns!
      Esta crônica é linda e nos mostra o quanto é prazeroso ler um bom texto, mesmo de alguém que não conheço, mas que já sou fã.

  2. Fascinante! Leio e choro, muitos dizem que sou chorona mesmo, mas sua visão da importância de uma escola e o quanto a caminhada, árdua, é válida, fazem com que me sinta a cada momento grata por escolher ser professora. Parabéns!!!
    Que seu futuro seja tão brilhante e inspirador quanto suas palavras foram à mim.

  3. Linda crônica! Hoje quando fiz a leitura, me deu um aperto no peito, pois estávamos tão ansiosos para mudar para a escola nova, e de repente veio essa pandemia e tivemos que adiar, realmente Professora Silvana deve ser para podermos comemorar a 1° aula.

  4. Eu chorei ao ler esta crônica ao refletir que meus/minhas estudantes não passaram, nem passam pelo que foi narrado nela, e mesmo assim reclamam e não têm muito ânimo para estudar. Com certeza vou levar este texto para que possam ler e refletir.

  5. Essa crônica, sem sombra de dúvidas, é muito emocionante, principalmente por ser real. Parabéns ao aluno pela braveza e superação, aos professores e pais que não ficaram de braços cruzados e à professora Silvânia que conseguiu e consegue ser uma ótima mediadora entre os seus alunos. Tanto a crônica como seu relato me trouxeram motivação e conhecimento.

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