A educação de pessoas surdas no Brasil

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Inácio Jordan de Lisboa Silva, nascido em 3 de fevereiro de 1992 em São Paulo, mas criado em Luzilândia-Piauí, poeta, tem experiências como professor em cursinhos populares e é defensor da metodologia freiriana. Formado em Letras pela Universidade Nove de Julho, Pós-Graduado em Libras pela Faculdade Paulista São José e Pós-Graduando em Libras Tradutor e Intérprete pela Faculdade XV de Agosto. Trabalhou como orientador de público até o final de 2021 no Instituto Moreira Sales em São Paulo. Atualmente é professor de Arte, Cultura e Educação Patrimonial em Luzilândia-PI.


Se alguém te perguntar quantas línguas são faladas hoje no Brasil, o que você responderia? Provavelmente, a resposta automática seria "uma, o português.". Mas ao afirmarmos isso, estamos ignorando não só as 274 línguas indígenas faladas ainda hoje, mas também a Língua Brasileira de Sinais (Libras). A Libras é a primeira língua das pessoas surdas no Brasil, e é por meio dela que elas aprendem a se comunicar. Entretanto,  por essa língua não ser expressa através da oralidade, muitas vezes esquecemos de sua existência, e, consequentemente, desconsideramos a comunicação de 5% das pessoas no Brasil.1

Para as(os) ouvintes, os sons têm grande importância na comunicação, pois por meio deles podemos acentuar entonação, humor, sentimento... Mas essas marcas de intenção não são exclusivas da oralidade. Todas essas sensações também são exprimidas a partir de expressões faciais, na forma como movemos as mãos, como mexemos o corpo ou como fazemos determinado sinal.

O que difere as línguas de sinais das oralizadas é, principalmente, o som. Aspectos associados à gramática, à estrutura e complexidade da língua também fazem parte de sua construção, e inclusive foram esses os argumentos utilizados para que a Língua Brasileira de Sinais fosse reconhecida como uma língua oficial do Brasil.

Para entender o processo de educação formal para as pessoas surdas no Brasil é preciso voltar a 1822, em Paris, quando nasceu Eduard Huet, que aos doze anos ficou surdo em decorrência das sequelas de sarampo. Por ser membro de uma família da nobreza, Huet sempre teve acesso às melhores instituições de ensino, como o Instituto Nacional de Surdos de Paris, escola onde viria a dar aula. Dom Pedro II conhecia o trabalho de Eduard e tinha interesse em fundar uma escola para atender a população surda no Brasil, assim, o professor veio morar no Rio de Janeiro em 1855, a convite do próprio imperador, e fundou o Collégio Nacional Para Surdos-Mudos – atual Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES. Naquela época, a língua de sinais utilizada no instituto tinha influência francesa, por conta de seu fundador.

Num período em que a discriminação contra as pessoas surdas era prática comum, e que o lugar social destinado a elas era o da incompetência ou marginalidade, é possível afirmar que a criação do Collégio Nacional representou um progresso para a comunidade surda da época.

Assim, a língua de sinais vinha aos poucos ganhando espaço no Brasil e no mundo, até sofrer um retrocesso com o Segundo Congresso de Milão, em 1880. Este foi um evento organizado pela Pereira Society, uma fundação criada por Jacob Rodrigues (1715-1786), educador e grande defensor do oralismo. Nessa época havia uma valorização da língua falada e a língua de sinais era vista como involução da linguagem. O evento foi formado por um grupo de mais de 160 educadoras e educadores, quase todos ouvintes, que tinham o objetivo de emancipar métodos de educação para pessoas surdas. O congresso chegou a oito diretrizes que, de modo geral, defendiam a oralização de pessoas surdas, reforçando noções como a superioridade da oralização e desqualificação ou exclusão da língua de sinais.

A comunidade surda sofreu muito com as consequências dessas orientações, uma vez que suas demandas não foram acolhidas e suas línguas não foram respeitadas. Tais práticas e concepções prejudicaram a formação regular de muitas crianças em todo o mundo, já que eram impedidas de usar a língua de sinais. Além do oralismo, mais duas correntes filosóficas de ensino para surdas e surdos também se destacam: comunicação total e bilinguismo.

A comunicação total consiste em adotar quaisquer ferramentas que possam ajudar na troca de informações, como mímica ou leitura labial. Essa metodologia passou a ganhar destaque a partir da década de 60, após pesquisas confirmarem a ineficácia do oralismo.

A palavra aos surdos-mudos, de Oscar Pereira da Silva, 1886. Disponível aqui.
Na pintura, o aluno sente a vibração das cordas do professor e tenta reproduzir as mesmas vibrações.

Nas décadas de 80 e 90, percebe-se que a língua de sinais deveria ser usada emancipadamente da língua oral, destacando-se, então, o bilinguismo. Nessa corrente, (as)os estudantes são livres para usarem e desenvolverem a Libras – no caso do Brasil – , pois para esse grupo a língua de sinais é sua língua materna, enquanto o português é desenvolvido na forma escrita como segunda língua.

Mesmo com todos os entraves que a comunidade surda sofreu, ela seguiu lutando por seus direitos e pela legitimação de sua língua primária. Uma das grandes vitórias do movimento ocorreu em 2002, quando a Libras (Língua Brasileira de Sinais) foi reconhecida como língua e meio de comunicação legal da população surda. Por meio da lei n°10.426, tornou-se oficial o atendimento a pessoas surdas em empresas e concessionárias de serviços públicos, o que possibilitou o acesso desse grupo a universidades e instituiu a obrigatoriedade do ensino de Libras em alguns cursos de Ensino Superior.

Provavelmente, grande parte das professoras e professores que tem em sua sala de aula estudantes surdas e surdos precisará pensar em práticas bilíngues, buscando alfabetizá-las(los) em língua portuguesa como segunda língua. Assim, é necessário desenvolver estratégias que acolham e contemplem o contato com a escrita, tendo como objetivo incluir esse grupo, mas sempre respeitando a Libras como sua língua materna.

Disponível em: https://curitiba.ifpr.edu.br/menu-academico/libras/ - acesso 05/04/2022

Aprender o alfabeto manual e ensinar às demais educandas e educandos, pensar atividades que envolvam ilustrações, levar vídeos com legenda em português, ter o cuidado de nunca virar as costas à(ao) aluna(o) surda(o), já que grande parte de sua comunicação é visual e espacial, e ter sensibilidade ao corrigir provas escritas, focando na coerência do texto, são estratégias que podem fazer esta(estes) estudantes sentir inserida(o) no contexto escolar.

É comprovado que o bilinguismo é a forma mais adequada para o ensino de pessoas surdas, pois tem tanto a língua de sinais estimulada quanto a língua portuguesa. Entretanto, é bastante difícil pôr em prática essa metodologia em todas as regiões do Brasil, sobretudo se pensarmos em pequenos municípios distantes de capitais, onde não há universidade ou o investimento é pouco para assistir essa população.

E o que faz professoras(es) quando não há apoio institucional para mediar o conhecimento junto a estudantes surdas(os)? O mais importante é que se entenda que a Libras é uma língua com suas peculiaridades, regionalismos e estrutura. Se formos fazer uma associação com a Língua Portuguesa que tem seu léxico constituído pelo conjunto de palavras, na Libras isso acontece com o conjunto de sinais e, a partir do seu léxico, é possível estudar a morfologia, a semântica e a sintaxe.

Existem também parâmetros que fazem parte da gramática da Libras para que se possa entender como se constitui um sinal, sendo os 5 principais:

  • Configuração de mão (C.M): a forma como a mão ou as mãos devem estar para construir um sinal.
  • Ponto de articulação (P.A): onde a mão deve estar para construir um sinal, se junto ao  corpo, ou não.
  • Orientação (O): em qual direção a palma da mão deve estar: para cima, para baixo, para os lados, para frente ou para trás.
  • Movimento (M): se o sinal precisa de um movimento ou não.
  • Expressão facial ou corporal (E): se o sinal precisa de auxílio de uma expressão ou movimento do corpo.

Esses parâmetros são de extrema importância para o ensino de Libras, pois diferentes utilizações de algum deles pode mudar totalmente o significado do sinal. Entretanto, nem todos os sinais são formados a partir de todos os parâmetros.

Ainda sobre a estrutura da Libras temos dois tipos de sinais: os icônicos, que são aqueles facilmente traduzidos por ter uma associação com a língua portuguesa ou com seu próprio significado; e os arbitrários, que não têm relação nenhuma com o português.

Uma forma de a(o) educadora(or) adaptar-se às estruturas da Libras é assistindo programas que tenham intérprete (a TV Cultura tem uma vasta programação com intérprete de Libras), fazer cursos (atualmente muitas plataformas disponibilizam cursos gratuitos de Libras, como a Universidade de São Paulo) ou assistir canais inclusivos como o Tv INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos) no YouTube.

Além disso, é fundamental ser sensível no que diz respeito às dinâmicas de sala de aula, a exemplo de avaliações na modalidade escrita, atentando-se para o fato de que a língua portuguesa será sempre a segunda língua da pessoa surda, seja ela oralizada ou não. Estudantes não podem ser excluídas(os) por não terem a língua oral.


Referências Bibliográficas

CARVALHO, J. Rodrigo. Língua de Sinais Brasileira e Breve Histórico da Educação Surda. PORTAL EDITORA ARARA AZUL, EDIÇÃO 07-2. Disponível em: https://editora-arara-azul.com.br/site/edicao/61.  Acesso em: 05 de abr 2022.

NASCIMENTO, Henrique. UNINASSAU, 2018. Disponível em: https://www.uninassau.edu.br/noticias/educacao-de-surdos-entenda-os-desafios-no-brasil. Acesso em: 05 de abr de 2022.

CEZAR, P. L. Priscila; ALMEIDA, G. P. LUIZ. O Congresso de Milão.LIBRAS, 2017. Disponível em: https://www.libras.com.br/congresso-de-milao. Acesso em: 05 de abr de 2022.

BOGAS, V. João. A História da Libras, a Língua Brasileira de Sinais HAND TALK . Disponível em: https://blog.handtalk.me/historia-lingua-de-sinais/. Acesso em 05 de abr de 2022.

 

Material de apoio

SILVA, Eduardo Dias da. Sequência didática para aquisição de português como segunda língua para estudantes surdos: uma proposta. Entrepalavras, Fortaleza, v. 6, p. 168-181, jan./jun. 2016.

http://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/24351/1/2016_art_edsilva.pdf

Santos, Vanessa Silveira Moraes. Sequência didática bilíngue envolvendo o gênero textual situação-problema de matemática [manuscrito] / Vanessa Silveira Moraes Santos - 2018. 47f.; il

https://repositorio.ifg.edu.br/bitstream/prefix/453/2/produto_Vanessa%20Silveira%20Moraes%20Santos.pdf

Nadal, Paula. O desafio de ensinar Língua Portuguesa a alunos surdos. Nova Escola. 01 de dezembro de 2010.

https://novaescola.org.br/conteudo/1533/o-desafio-de-ensinar-lingua-portuguesa-a-alunos-surdos

Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação Infantil e Ensino Fundamental: Língua Portuguesa para pessoa surda. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 112 págs., 2008.

Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem: Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, 128 págs., 2008.

13 thoughts on “A educação de pessoas surdas no Brasil

  1. Excelente texto, com muitas informações importantes e necessárias para aumentar nossos conhecimentos e repassarmos aos nossos alunos. Parabéns, Inácio.

  2. Ótimo texto! Há uma necessidade absurda nesses aprendizados para desenvolvermos um fazer pedagógico inclusivo. O curso de Libras deveria ser ofertado em todas as unidades escolares.

  3. Excelente esclarecimentos…precisamos aumentar nosso conhecimento em libras para ficarmos seguras em sala de aula com nossos alunos.

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